Fernando Hideo: Como foi a “caçada ideológica” para chegar à fonte de blogueiro; Fernando Morais “desrespeita instituições e autoridades”, diz inquérito
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Atualizada aos 54min de 24/03/2017, para acréscimo de informações
por Conceição Lemes
O juiz Sérgio Moro divulgou na tarde desta quinta-feira (23/03) decisão na qual:
1) afirma ser “o caso de rever o posicionamento anterior e melhor delimitar o objeto do processo” envolvendo o blogueiro Eduardo Guimarães, que há 12 anos exerce atividades jornalísticas;
2) determina a exclusão de “qualquer elemento probatório relativo à identificação da fonte de informação”.
“Dessa forma, o magistrado voltou atrás e reconheceu a tese alegada pela Defesa desde o início dessa investigação, admitindo ter tomado medidas ilegais”. É o que afirma em nota o advogado de Eduardo Guimarães, Fernando Hideo Lacerda.
Na mesma nota, Fernando Hideo faz uma seriíssima revelação:
Após o levantamento do sigilo dos autos, cumpre-nos informar fato extremamente grave.
Antes de ser conduzido coercitivamente, o jornalista Eduardo Guimarães teve o sigilo de suas ligações telefônicas violado. O magistrado determinou que a operadora de celular informasse seu extrato telefônico, com o objetivo claro de identificar a fonte que teria passado a informação divulgada no blog.
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É importante ressaltar que a fonte jornalística foi identificada mediante quebra de sigilo dos extratos telefônicos do Eduardo Guimarães.
O juiz Sérgio Moro manteve a investigação sobre se Eduardo Guimarães de alguma forma beneficiou o ex-presidente Lula ao publicar o vazamento.
Esta repórter conversou com Fernando Hideo sobre os acontecimentos de hoje.
Viomundo — O juiz Sérgio Moro quebrou o sigilo telefônico do Eduardo antes mesmo de ele ser conduzido coercitivamente na terça-feira, 21 de março, e só chegou à fonte do blogueiro por causa desse expediente?
Fernando Hideo –– Exatamente.
Viomundo — Como foi isso?
Fernando Hideo – Primeiro, eles pegaram a lista de servidores que tinha tido acesso à decisão vazada.
Em seguida, iniciaram uma varredura ideológica para saber quem esses servidores curtiam no Facebook, com quem tinham contato.
E passaram a filtrar quem tinha vínculos com pessoas de esquerda. Isso está escrito expressamente no processo.
Quem curtia, por exemplo, o jornalista e escritor Fernando Morais virava suspeito. Da mesma forma, quem tinha senadores do PT como amigos…
Uma patrulha ideológica, mesmo.
O passo seguinte foi estabelecer ideologicamente os alvos, passando a quebrar o sigilo de e-mail e telefone dessas pessoas. Foi, aí, que pegaram a conversa da funcionária da Receita Federal.
A cartada final. Em seu post, o Eduardo diz o dia e horário em que teve contato com a sua fonte.
A partir daí, o juiz Sérgio Moro manda quebrar o sigilo telefônico do Eduardo, para ver com quem ele havia tido contato naquele período.
Ou seja, com base nessa patrulha ideológica, ele violou o sigilo telefônico do jornalista.
Por isso, é totalmente absurdo o Moro dizer na decisão que o Eduardo “revelou, de pronto, ao ser indagado pela autoridade policial e sem qualquer espécie de coação, quem seria a sua fonte de informação”. Ele já sabia!!!
[Segundo trecho do inquérito publicado pelo The Intercept, “sem adentrar no mérito das convicções de FERNANDO GOMES DE MORAIS — afinal, isto, por si só, não guardou qualquer pertinência para esta investigação — , é notório que muitas de suas externalizações são feitas de maneira desrespeitosas [sic] para com as instituições e as autoridades públicas envolvidas na condução da assim denominada OPERAÇÃO LAVA JATO”. Linguagem compatível, afirma o Viomundo, com a meganhagem do Departamento de Ordem Política e Social dos anos 70. Registre-se que Fernando Morais não nenhuma relação com o inquérito. “Inacreditável”, disse o escritor ao receber a notícia, numa ligação de solidariedade do editor deste espaço, Luiz Carlos Azenha].
Viomundo – O juiz Moro faltou com a verdade em sua decisão?
Fernando Hideo — A decisão dele nega a realidade. Aliás, é contraditória ao que ele mesmo afirma ao voltar atrás e se retratar de decisão anterior, especialmente no momento em que afirma o Eduardo ter evelado a fonte espontaneamente. Está provado que, na ocasião do depoimento à Polícia Federal, as autoridades já sabiam da fonte de informação, descoberta após violação do sigilo telefônico do Eduardo.
Viomundo — Ou seja, o juiz Sérgio Moro quebrou o sigilo do Eduardo, ficou mal na fita e agora tenta jogar nas costas do Eduardo a responsabilidade pela divulgação do nome da fonte, como se o Eduardo tivesse revelado?!
Fernando Hideo –– É uma hipocrisia.
Viomundo – Na decisão, Moro cita Rosicler Veigel, que supunho seja a funcionária da Receita, e o jornalista José de Abreu Duarte. Eduardo conhecia, teve algum contato com Rosicler?
Fernando Hideo – Nunca. Só foi ficou sabendo da existência dela no depoimento à Polícia Federal, quando lhe foram apresentados o nome e a foto da servidora da Receita.
Viomundo – E Francisco, Eduardo conhecia?
Fernando Hideo – Apenas por contato telefônico. Ele disse ao meu cliente que os jornalistas da grande mídia já tinham as tais informações, por isso estava lhe repassando.
Viomundo – A Rosicler passou a informação para Francisco, que, por sua vez, repassou ao Eduardo.
Fernando Hideo – Essa é a hipótese apresentada pela acusação, que consta dos autos, cujo sigilo o juiz Sérgio Moro acabou de levantar.
Viomundo – E o Eduardo?
Fernando Hideo – Em 23 de fevereiro de 2016, ele recebeu de um jornalista de Curitiba uma relação de mais de 40 nomes de pessoas e empresas que seriam ligadas ao ex-presidente e teriam o sigilo fiscal e bancário quebrado.
Como é correto um jornalista fazer, ele consultou o Instituto Lula para saber se as pessoas e empresas mencionadas tinham ligação com o ex-presidente ou com pessoas próximas a si, para que não divulgasse mentiras. Inclusive, no post que publicou em 26 de fevereiro de 2016, ele tornou público esse fato.
Portanto, se realmente o objetivo era saber se o Eduardo contatou o Instituto Lula antes de divulgar a notícia, bastava ler o blog dele. Ele simplesmente seguiu a ética e o dever jornalísticos.
Viomundo – As informações vazadas por Eduardo poderiam beneficiar de alguma forma o ex-presidente Lula?
Fernando Hideo – De modo algum. Veja bem. Busca e apreensão e condução coercitiva são medidas cautelares feitas para o futuro. O vazamento de uma delas pode, em tese, permitir que a pessoa se prepare. Por exemplo, se é uma condução coercitiva, ela vai dormir em outro lugar.
Só que nada disso foi vazado na matéria do meu cliente. O que ele divulgou foi uma medida pretérita em relação àquelas pessoas e empresas citadas: quebra de sigilo fiscal e bancário de anos anteriores.
Não tem como a pessoa-alvo se preparar. Ela não vai conseguir impedir nada. Já está tudo declarado.
Portanto, nem em tese se poderia cogitar de qualquer embaraço às investigações. Sob todos os aspectos, esses fatos não têm relevânica criminal.
Mesmo que ele não fosse jornalista, mesmo que não tivesse havido uma patrulha ideológica, mesmo que não tivesse sido violado o sigilo dos extratos telefônicos do Eduardo para descobrir a sua fonte.
Mesmo que tantas ilegalidades não tivessem sido cometidas, ainda assim, não se poderia falar, sequer em tese, de qualquer embaraço às investigações por meio da divulgação de futura quebra de sigilo telfônico e fiscal.
Viomundo — E esse recuo do Moro, o que acha?
Fernando Hideo — A gente lamenta muito que o arrependimento dele não seja com base no Direito, com base na Constituição. O recuo dele foi com base na repercussão negativa que teve entre jornalistas reconhecidos, na Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo]…
Ao invés de ele falar “eu errei”, de acordo com a Constituição, com o Direito, ele se pautou pela opinião de jornalistas.
A única coisa que ele tinha que fazer é aplicar o Direito. E o Direito diz que o Moro não pode fazer o que ele fez. O Moro sabia desde o começo que estava tomando medidas ilegais.
Viomundo — Na sua decisão, Moro determina a exclusão de “qualquer elemento probatório relativo à identificação da fonte de informação”. E, aí?
Fernando Hideo — O juiz Sérgio Moro agiu corretamente ao se retratar e reconhecer que o Eduardo é jornalista. Mas isso, por si só, não é suficiente. Tendo atuado como jornalista e nos limites éticos do jornalista, ele não pode sofrer qualquer violação em sua liberdade, privacidade e instrumentos de trabalho.
Por isso, não adianta nada ele simplesmente falar para excluir a prova.
Até porque a prova já foi usada. Ele já descobriu o nome da pessoa, ou seja, a fonte da informação, quebrando antes o sigilo telefônico do Eduardo.
Por isso, o mínimo que se espera é que o depoimento do meu cliente seja declarado nulo, seus equipamentos eletrônicos imediatamente restituídos e seu nome excluído dessas investigações.
Oportunamente, tomaremos as medidas cabíveis para reparação dos danos causados ao Eduardo e apuração da conduta do magistrado, que ele próprio, agora reconhece ter sido ilegal, como a defesa alega desde o início do caso.
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