Daniel Camargos: Por que gigantes da mineração e do agro financiam a cobertura da COP 30

Tempo de leitura: 4 min
No Grupo Globo, o projeto “COP30 Amazônia” também conta com patrocínio da JBS e Vale. Foto: Reprodução

Por que gigantes da mineração e do agro financiam a cobertura da COP 30

Por Daniel Camargos, na Carta Capital

A cobertura jornalística da COP 30, marcada para novembro em Belém (PA), pode ser um caso emblemático de como grandes empresas com histórico de violações socioambientais tentam moldar o que é publicado na imprensa.

A Folha de S. Paulo montará o “Espaço Folha”, um centro de cobertura instalado a apenas 450 metros do Hangar, ponto principal da conferência.

O projeto inclui uma redação dedicada com mais de uma dezena de profissionais, produção contínua de conteúdo e eventos paralelos. Tudo isso patrocinado por JBS, Vale e outras empresas.

O Grupo Globo, com O Globo, Valor Econômico e CBN, segue a mesma linha: projeto “COP30 Amazônia” também conta com patrocínio da JBS e Vale.

No Pará, o jornal O Liberal não fica atrás. Sua cobertura da COP 30,  amplamente destacada em seu site, é patrocinada pela Hydro, Agropalma e outras empresas do setor agro e energético, com apoio adicional da Vale.

O apoio destes patrocinadores é, no mínimo, controverso. A Vale foi recentemente apontada pelo Ministério Público Federal como responsável pela contaminação de rios utilizados pelo povo Xikrin, no Pará.

A siderúrgica finlandesa Outokumpu chegou a cortar relações comerciais com a mineradora após denúncias sobre poluição do rio Cateté.

A empresa também segue marcada pelos desastres que provocou em Mariana e Brumadinho, deixando 291 pessoas mortas soterradas pela lama de rejeitos de mineração.

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A JBS, por sua vez, enfrenta críticas recorrentes por sua ligação com o desmatamento e falhas de rastreabilidade.

Produtores rurais afirmam que a promessa da companhia de eliminar o desmatamento da sua cadeia produtiva até o fim deste ano está distante do que realmente acontece no campo, segundo investigação conduzida pela Repórter Brasil, The Guardian e Unearthed, da qual fiz parte como um dos repórteres.

 Ouvimos mais de 35 fazendeiros e profissionais do setor em três viagens pelas principais regiões onde a JBS compra bois na Amazônia. Eles expuseram as fragilidades das promessas de sustentabilidade da companhia, desmentindo a ideia de uma “revolução verde”.

A Hydro, patrocinadora do jornal paraense O Liberal, foi condenada em 2024 pela Justiça Federal a pagar R$ 100 milhões após o desastre ambiental em Barcarena, no Pará, quando a refinaria Alunorte contaminou o rio Murucupi com lama tóxica.

Estudos da Fiocruz e do Ministério Público detectaram níveis elevados de metais pesados na água e em amostras humanas. A população relatou doenças de pele, estomacais, além da insegurança alimentar..

Estudos da Fiocruz e do Ministério Público detectaram níveis elevados de metais pesados na água e em amostras humanas. A população relatou doenças de pele, estomacais, além da insegurança alimentar.

Outra patrocinadora do jornal, a Agropalma, é acusada de grilagem no Pará, envolvendo títulos fraudulentos e sobreposição de terras quilombolas e indígenas, incluindo cemitérios sagrados.

Comunidades relatam expulsões e contaminação de rios com resíduos de óleo de palma, afetando a saúde local, segundo reportagem publicada pela Mongabay.

A Folha não esconde o caráter híbrido de seu projeto: além da cobertura jornalística, o Espaço Folha abrigará eventos, painéis e happy hours, criando um ponto de encontro entre jornalistas, políticos, empresas e organizações do terceiro setor.

O Estúdio Folha, especializado em conteúdo patrocinado, também estará in loco produzindo podcasts e videocasts.

No Liberal, a proposta segue o mesmo modelo. O banner oficial da cobertura estampa os logos de patrocinadores.

A programação inclui reportagens, entrevistas e eventos sob o guarda-chuva de “sustentabilidade”, mas com financiamento das mesmas empresas frequentemente associadas a desastres ambientais e violações sociais.

Essa aproximação não é um acaso. A ideia de um agronegócio moderno, inclusivo e herói da economia nacional é cuidadosamente moldada por campanhas milionárias, como a que lançou o slogan Agro é tech, agro é pop, agro é tudo, amplificada pela Globo e patrocinada por gigantes como JBS e Bradesco.

Longe de ser “pop”, o agro é um mau negócio para o Brasil. Um estudo dos estudo dos pesquisadores Marco Antonio Mitidiero Junior Yamila Goldfarb contesta esse discurso com dados, e mostra: o setor depende de tecnologia estrangeira, emprega pouco e mal, arrecada menos do que parece, concentra lucros, e lidera a destruição ambiental no país.

Ailton Krenak, com a lucidez que lhe é característica, resumiu a situação: a COP 30 está se transformando em ‘um evento de empresários’. A declaração, ironicamente, foi publicada pela Folha ao lado das logos da JBS e da Vale.

O Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas é claro: o compromisso do jornalista é com a verdade e o interesse público, livre de influências comerciais ou políticas que possam distorcer a informação.

Alberto Dines (1932-2018), em O papel do jornal e a profissão de jornalista, também já advertia que a independência editorial não é um luxo, mas uma necessidade vital para a credibilidade da imprensa. Quem paga o baile não pode escolher a música.

*Daniel Camargos é jornalista, é repórter especial na Repórter Brasil; venceu diversos prêmios por reportagens, entre eles o Vladimir Herzog; dirigiu o documentário ‘Relatos de um correspondente da guerra na Amazônia’ e participou da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center.

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Zé Maria

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“Financeirização, Poder Corporativo e Expansão da Soja no Estabelecimento do Regime Alimentar Corporativo
no Brasil e na Argentina: o Caso da Cargill”
Por YAMILA GOLDFARB
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-08052014-112830/publico/2013_YamilaGoldfarb_VCorr.pdf

A LUTA PELA TERRA ENTRE O CAMPO E A CIDADE:
AS COMUNAS DA TERRA DO MST, SUA GESTAÇÃO,
PRINCIPAIS ATORES E DESAFIOS.
Por Yamila Goldfarb
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-02012008-112829/publico/TESE_YAMILA_GOLDFARB_PARTE_I.pdf

https://mst.org.br/download/mestrado-a-luta-pela-terra-entre-o-campo-e-a-cidade-as-comunas-da-terra-do-mst-sua-gestacao-principais-atores-e-desafios/
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Zé Maria

Excertos

A programação inclui reportagens, entrevistas e eventos
sob o guarda-chuva de “sustentabilidade”, mas com
financiamento das mesmas empresas frequentemente
associadas a desastres ambientais e violações sociais.

Essa aproximação não é um acaso.
A ideia de um agronegócio moderno, inclusivo e herói
da economia nacional é cuidadosamente moldada por
campanhas milionárias, como a que lançou o slogan
‘Agro é tech, agro é pop, agro é tudo’, amplificada
pela Globo e patrocinada por gigantes como JBS
e Bradesco.

Longe de ser “pop”, o agro é um mau negócio para
o Brasil.
Um estudo dos estudo dos pesquisadores Marco Antonio Mitidiero Junior e Yamila Goldfarb contesta
esse discurso com dados, e mostra:
o setor depende de tecnologia estrangeira, emprega
pouco e mal, arrecada menos do que parece, concentra
lucros, e lidera a destruição ambiental no país.

Ailton Krenak, com a lucidez que lhe é característica,
resumiu a situação:
a COP 30 está se transformando em ‘um evento de
empresários’.
A declaração, ironicamente, foi publicada pela Folha
ao lado das logos da JBS e da Vale.
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[O Monstro do Capitalismo Financista engole tudo
que possa significar Vida e Dignidade Humanas].
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