Dallagnol enquadra STF, diz que Dirceu pode espalhar doença e usa caso de traficante para espetar Gilmar: “Incoerência”; leia a fala do ministro ao repudiar procuradores

Tempo de leitura: 5 min

A incoerente soltura de José Dirceu pelo Supremo

por Deltan Dallagnol, no Facebook

O que mais chama a atenção, hoje, é que a mesma maioria da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que hoje soltou José Dirceu – Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – votaram para manter presas pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses.

A história de Delano Parente

O ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José Dirceu. Ele foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. São os mesmos crimes de Dirceu, mas praticados em menor vulto e por menos tempo. Foram 17 milhões de reais, entre 2013 e 2015, quando Dirceu é acusado do desvio de mais de 19 milhões, entre 2007 e 2014, sem contar o Mensalão.

O âmbito de influência de Delano era bem menor do que o de Dirceu. Chefiou o pequeno Município de 8.618 habitantes do interior do Piauí, Redenção do Gurgueia. Na data do julgamento no Supremo, em 7 de fevereiro de 2017, nem mais prefeito era.

Contudo, todos os integrantes da 2ª Turma entenderam que sua prisão era inafastável. A decisão de prisão original estava assentada na prática habitual e reiterada de crimes.

O Ministro Dias Toffoli afirmou: “O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar que tenha por fim resguardar a ordem pública quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa.”

A prisão de Thiago Poeta

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Preso aparentemente há mais de 2 anos (mais tempo do que José Dirceu), Thiago Maurício Sá Pereira, conhecido como “Thiago Poeta”, também não teve a sorte de Dirceu em julgamento de março deste ano.

Ele reiterou a prática de crimes de tráfico em diferentes lugares e foi preso com 162 gramas de cocaína e 10 gramas de maconha, além de alguns materiais que podem ser usados para manipular drogas. Sua pena foi menor do que a de Dirceu, 17 anos e 6 meses – a de Dirceu, só na Lava Jato, supera 30 anos, sem contar a nova denúncia.

Contudo, para Thiago, não houve leniência. Todos os ministros da 2ª Turma votaram pela manutenção da prisão.

O Ministro Gilmar Mendes assim se pronunciou: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública considerada a gravidade concreta do crime”.

E seguiu dizendo que “Ademais, permanecendo o paciente custodiado durante a instrução criminal, tendo, inclusive, o Juízo entendido por sua manutenção no cárcere, ao proferir sentença condenatória, em razão da presença incólume dos requisitos previstos no art. 312 do CPP, não deve ser revogada a prisão cautelar se não houver alteração fática apta a autorizar-lhe a devolução do status libertatis .”

Essas colocações também serviriam, aparentemente em cheio, para manter José Dirceu preso, com a ressalva de que a situação de Dirceu é mais grave.

O caso de Alef Saraiva

Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro votos, ausente o Ministro Gilmar Mendes, em razão da “gravidade do crime”.

O Ministro Ricardo Lewandowski foi assertivo na necessidade de prisão de Alef: “Com efeito, há farta jurisprudência desta Corte, em ambas as Turmas, no sentido de que a gravidade in concreto do delito ante o modus operandi empregado e a quantidade de droga apreendida — no caso, 130 invólucros plásticos e 59 microtubos de cocaína, pesando um total de 87,90 gramas, e 3 invólucros plásticos de maconha, pesando um total de 44,10 gramas (apreendidas juntamente com anotações referentes ao tráfico e certa quantia em dinheiro), permitem concluir pela periculosidade social do paciente e pela consequente presença dos requisitos autorizadores da prisão cautelar elencados no art. 312 do CPP, em especial para garantia da ordem pública.”

Conclusão

Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o tráfico matam igualmente.

Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela pobreza.

Enquanto o tráfico ocupa territórios, a corrupção ocupa o poder e captura o Estado, disfarçando-se de uma capa de falsa legitimidade para lesar aqueles de quem deveria cuidar. A mudança do cenário, dos morros para gabinetes requintados, não muda a realidade sangrenta da corrupção.

Gostaria de poder entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado aos casos acima.

O Supremo Tribunal Federal é a mais alta Corte do país. É nela que os cidadãos depositam sua esperança, assim como os procuradores da Lava Jato. Confiamos na Justiça e, naturalmente, que julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje, contudo, essas esperanças foram frustradas. Mais ainda, fica um receio.

Na Lava Jato, os políticos Pedro Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde abril de 2015, assim como João Vaccari Neto. Marcelo Odebrecht desde junho de 2015.

Os ex-Diretores Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015. Todos há mais tempo do que José Dirceu.

Isso porque sua liberdade representa um risco real à sociedade. A prisão é um remédio amargo, mas necessário, para proteger a sociedade contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da perigosa doença exposta pela Lava Jato.

Fontes dos casos: HCs 138.937 (Delano Parente), 139.585 (Thiago Poeta) e 135.393 (Alef Saraiva).



Ministro Gilmar Mendes durante o julgamento de habeas corpus de José Dirceu – 2ª Turma do STF

2 de maio de 2017

do Drive, Poder 360, Fernando Rodrigues

“Conforme noticiado na imprensa, nesta manhã foi distribuída uma nova ação penal em desfavor do paciente [Dirceu], por várias ocorrências de lavagem de dinheiro (…).

A imprensa publica que, nas razões que os valorosos procuradores de Curitiba dão para a data de hoje [para a denúncia] é que nós julgaríamos o habeas corpus hoje. Já foi dito isto na tribuna [pelo advogado de defesa, Roberto Podval].

[silencia durante durante 9 segundos]

Se nós devêssemos ceder a este tipo de pressão… quase que uma brincadeira juvenil… São jovens que não têm a experiência institucional nem a vivência institucional. E por isto fazem este tipo de brincadeira.

Se nós cedêssemos a este tipo de pressão, nós deixaríamos, ministro Lewandowski, de ser “supremos”. Curitiba passava a ser suprema. Nem um juiz passaria a ser supremo. Seriam os procuradores.

Quanta falta de informação! Quanta falta de responsabilidade em relação ao Estado de Direito! O Estado de Direito é aquele (…) em que não há soberanos. Todos estamos submetidos à lei. Não se pode imaginar que se pode constranger o Supremo Tribunal Federal.

Porque esta Corte tem uma história mais que centenária. Ela cresce nestes momentos. Essa é a sua missão institucional. Creio que hoje o tribunal está dando uma lição ao Brasil. A pessoas que têm uma compreensão equivocada do seu papel.

Não cabe a procurador da República, como não cabe a ninguém pressionar o Supremo Tribunal Federal. Seja pela forma que quiser. É preciso respeitar as linhas básicas do Estado de Direito.

Quando nós quebramos isto, nós estamos semeando o viés autoritário. É preciso ter cuidado com este tipo de prática”.

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