Cimi: Projeto da bancada ruralista ataca direitos territoriais dos povos indígenas garantidos na Constituição; íntegra

Tempo de leitura: 6 min
Foto: Guilherme Cavalli/ Cimi

Projeto em pauta na Câmara na prática acaba com demarcações de terras indígenas

O Projeto de Lei 490/2007 está na pauta da CCJ da Câmara, nesta quarta (26). Proposta escancara Terras Indígenas a empreendimentos predatórios

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, na manhã desta quarta (26), o Projeto de Lei (PL) 490/2007 permite que o governo tire da posse de povos indígenas áreas oficializadas há décadas, escancara as Terras Indígenas (TIs) a empreendimentos predatórios, como o garimpo, e, na prática, vai inviabilizar as demarcações, totalmente paralisadas pelo governo Bolsonaro.

O PL já passou pelas comissões de Agricultura e Direitos Humanos. Nesta última, recebeu parecer contrário.

Caso seja aprovado na CCJ, segue ao plenário e, se também for aprovado, vai ao Senado. O relator na CCJ é o deputado Arthur Maia (DEM-BA) e o autor, o deputado Homero Pereira (PR-MT), já falecido.

A proposta altera o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) e atualiza o texto da PEC 215, uma das maiores ameaças aos direitos indígenas que já tramitou no Congresso.

O projeto permite a supressão de direitos dos indígenas garantidos na Constituição, entre eles, a posse permanente de suas terras e o direito exclusivo sobre seus recursos naturais.

O projeto de lei permite a implantação de hidrelétricas, mineração, estradas e arrendamentos, entre outros, eliminando a consulta livre prévia e informada às comunidades afetadas.

A proposta permite retirar o “usufruto exclusivo” dos indígenas de qualquer área “cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União”.

Vai viabilizar ainda a legalização automática de centenas de garimpos nas TIs, hoje responsáveis pela disseminação da Covid-19, a contaminação por mercúrio, a destruição de nascentes e rios inteiros e desmatamento.

Marco temporal

O projeto também aplica às demarcações o chamado “marco temporal”, pelo qual só teriam direito à terra os povos indígenas que estivessem em sua posse, no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, ou que estivessem em disputa judicial ou conflito direto com invasores.

A tese desconsidera o histórico de expulsões, remoções forçadas e violências cometidas contra essas populações, em especial durante a ditadura.

Os ruralistas argumentam que ela deve ser aplicada a todas as demarcações e que já faz parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o que não é verdade.

Pelo menos cinco ministros da Corte – Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski – já se pronunciaram em sentido contrário.

Além disso, o STF prepara-se para votar um recurso extraordinário contra a reintegração de posse da TI Ibirama-Laklãnõ (SC), caso alçado à condição de “repercussão geral”, que deverá definir a aplicabilidade ou não do marco temporal.

Isso quer dizer que ele servirá como diretriz para orientar os procedimentos demarcatórios em todo o país.

Outro entrave às demarcações previsto é a possibilidade de apresentação de contestações em todas as fases do complexo e demorado procedimento demarcatório.

Questionamentos poderiam ser apresentados por municípios e estados, associações de fazendeiros e invasores.

Hoje, a contestação pode ser feita por qualquer pessoa, em até 90 dias após a publicação do relatório de identificação elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Retomada de terras

Se aprovado, o PL 490/2007 abre caminho para que a administração federal tome TIs “Reservadas”, caso julgue que o território não esteja sendo ocupado e usado adequadamente para a subsistência de seus moradores.

A “Reserva Indígena” é um tipo de TI estabelecida para assegurar a sobrevivência física e cultural de um povo indígena, mas onde não foi reconhecida, necessariamente, a ocupação tradicional, conforme os conhecimentos técnicos antropológicos atuais.

Isso acontece porque grande parte dessas áreas foi oficializada com base no Estatuto do Índio, de 1973. Muitas áreas compradas ou doadas aos povos indígenas também poderiam ser tomadas.

De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), há hoje no país 66 áreas nessas categorias, com população de quase 70 mil pessoas e uma extensão total de cerca de 440 mil hectares, o equivalente a quase 3 vezes a cidade de São Paulo.

Indígenas isolados

O PL 490 ainda abre brecha para o fim da política de “não contato” com os indígenas isolados, pois prevê contato por suposto “interesse público”, que poderia ser intermediado por “empresas públicas ou privadas” contratadas pelo Estado.

A hipótese permitiria contratar missões religiosas extremistas, prática que deixou de ser adotada pelo Brasil desde a Redemocratização.

Desde o final dos anos 1980, a Funai estabeleceu que esses grupos sem contato oficial com o Estado devem ter a opção de fazê-lo, no momento e na forma que acharem conveniente.

Em contrapartida, o governo deve proteger seus territórios de invasores e da degradação ambiental.

Foto: Renato Cortez

PL 490 ataca direitos territoriais indígenas e é inconstitucional, analisa Assessoria Jurídica do Cimi

Em nota técnica, Assessoria Jurídica do Cimi avalia PL 490, que busca inviabilizar demarcações e abrir terras indígenas para grandes empreendimentos econômicos

Assessoria de Comunicação do Cimi

A Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) produziu uma nota técnica em que analisa o Projeto de Lei (PL) 490/2007, em tramitação na Câmara dos Deputados.

Além de uma grande quantidade de dispositivos inconstitucionais, a análise aponta que o PL 490 afronta decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A análise baseou-se no relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), relator do PL 490/2007 e de um grande conjunto de projetos apensados a ele na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se aprovado na comissão, onde está em pauta, o projeto segue para votação no plenário da Câmara e, depois, para o Senado Federal.

A proposição legislativa, defendida pela bancada ruralista, prevê uma série de modificações nos direitos territoriais garantidos aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988, inviabilizando, na prática, a demarcação de terras indígenas e abrindo terras demarcadas para os mais diversos empreendimentos econômicos, como agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas, entre outras medidas (saiba mais).

Na avaliação da Assessoria Jurídica do Cimi, a própria forma do PL 490 é inconstitucional, pois a Constituição Federal não pode ser modificada por um projeto de lei.

A nota técnica também aponta como falaciosa a justificativa do relator, de que apenas estaria consolidando em uma lei um tema já pacificado pelo STF.

Além de enumerar um grande conjunto de decisões do STF que vão no sentido contrário ao proposto no PL 490, a nota técnica aponta que a discussão sobre os direitos territoriais indígenas ainda está em aberto na Suprema Corte.

O fato de que os ministros determinaram, por unanimidade, a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute a demarcação da Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, do povo Xokleng, evidencia esta contradição. Isso significa que o julgamento desse caso servirá de diretriz para os demais processos envolvendo demarcação de terras indígenas em todo o país.

“O Supremo nunca fixou uma tese ou pacificou a matéria indígena, tanto é verdade que foi conhecida a sua repercussão geral. Até uma definição pela Corte, os argumentos usados pelo relator do PL 490 e apensos são mera falácia, carecendo de viabilidade”, aponta a nota técnica.

“Não há que prosperar o referido projeto de lei por vício de inconstitucionalidade. Ainda que assim fosse, teria, necessariamente, de aguardar a definição da Suprema Corte quanto à análise final do RE 1.017.365”, avalia a Assessoria Jurídica do Cimi.

Entre as restrições às demarcações de terras indígenas que o PL 490 busca impor está a tese do marco temporal, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação daquelas terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988.

Esta tese deve ser analisada no processo de repercussão geral e também já conta com diversos posicionamentos contrários de ministros do STF – o que, na avaliação da Assessoria Jurídica do Cimi, também evidencia que não é um tema “pacificado” no Supremo, ao contrário do que defende a bancada ruralista.

“Desconsiderar o esbulho violento e os vícios nos processos de demarcação anteriores a 1988, bem como não levar em consideração as diretrizes constitucionais e técnicas para a efetivação da demarcação é violar o direito fundamental indígena à terra”, destaca a nota técnica.

A análise também identificou no PL 490 a previsão de flexibilizar o usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, e inclusive a possibilidade de que a União se aproprie e disponibilize para a reforma agrária terras em que tenha havido “alteração dos traços culturais da comunidade”.

“O instituto é assimilacionista e garante que se os indígenas perderem parte dos traços (sic), podem perder o território, o que é um absurdo. Ainda, reafirma o regime tutelar da Funai sobre os povos indígenas, o que não se poderia em tempo algum admitir”, frisa a nota técnica.

Para a Assessoria Jurídica do Cimi, a possível aprovação do PL 490 implicaria em “retrocessos inimagináveis” para os povos indígenas – o que é vedado pela Constituição Federal. “O direito indígena é cláusula pétrea e não se submete a reformas legislativas”, aponta a análise.

Cimi: nota técnica PL 490 by Conceição Lemes on Scribd


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