Cimi denuncia à Comissão de Direitos Humanos da OEA violação de direitos indígenas durante a pandemia

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Levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) Apib mostra que 129 povos já foram atingidos pela pandemia. Foto: Edgar Kanaykõ Xakriabá

Cimi denuncia violação de direitos indígenas na CIDH

Mais de 10 organizações sociais expuseram o agravamento dos ataques do governo brasileiro aos direitos humanos durante a pandemia

por Nanda Barreto, Assessoria de Comunicação do Cimi

A violação sistemática do governo federal aos direitos indígenas no contexto da pandemia de Covid-19 foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) nesta quarta-feira (15).

O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Oliveira, expôs a grave situação dos povos originários no país.

“A política do atual governo é contra os direitos humanos, de incitação ao ódio, preconceito e violência”, sintetizou.

Na avaliação de Eduardo, o presidente da República, Jair Bolsonaro, vai na contramão do que seria seu dever constitucional: o de proteger as populações mais vulneráveis.

“Todo o sistema de proteção aos direitos foi desestruturado, inclusive o Programa Mais Médicos, que atendia populações em suas aldeias. Com a chegada do novo coronavírus, milhares de indígenas ficaram sem proteção e atendimento”, enfatizou, acrescentando que organizações indígenas têm somado esforços para suprir o vazio deixado pelo Estado.

As denúncias foram recebidas pelo relator para o Brasil, Chile e Honduras, Joel Hernández García, durante reunião no âmbito da 176ª sessão da CIDH.

Mais de 10 organizações da sociedade civil participaram do encontro, expondo os ataques enfrentados pela população negra, carcerária, LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros queer e interesexos).

Também foram abordados assuntos como o descumprimento de regras de isolamento social, falta de saneamento básico, moradia adequada, retrocessos no mundo do trabalho e o aumento da violência policial e contra as mulheres, entre outros.

Além disso, as entidades ressaltaram a urgência no pedido de apoio, já que o Brasil desponta entre os países mais afetados pela Covid-19.

Mesmo com a subnotificação, o número de casos e óbitos segue em curva ascendente e o número registrado de mortes já ultrapassa 75 mil.

“Na semana passada, em mais um ato de desumanidade, o presidente Bolsonaro vetou 16 artigos do PL 1142, que previa, entre outras medidas, a garantia de acesso à água potável, alimentação, leitos hospitalares e medicamentos”

Veto a direitos básicos

Os vetos ao Projeto de Lei que buscava assegurar medidas emergenciais, durante a pandemia, para povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais foram ressaltados por Eduardo.

“Na semana passada, em mais um ato de desumanidade, o presidente Bolsonaro vetou 16 artigos do PL 1142, aprovado pela Câmara e Senado Federal, que previa, entre outras medidas, a garantia de acesso à água potável, alimentação, leitos hospitalares e medicamentos”.

A incompetência e negligência do governo federal no que diz respeito à divulgação de dados sobre contaminação foi levantada pelo secretário-executivo do Cimi.

“As organizações indígenas contabilizam mais de 500 óbitos, em 130 povos. Os dados oficiais do governo apontam pouco mais de 200 óbitos; isso devido à subnotificação, por não considerarem a existência de indígenas residentes em centros urbanos. Estes são sepultados sem nome e sem povo”.

A presença de invasores nos territórios indígenas foi pontuada por Eduardo, referindo-se aos garimpeiros, grandes mineradoras, madeireiros e latifundiários.

“São presenças criminosas que destroem suas terras, suas águas, suas florestas e seu modo de vida tradicional, afetando não apenas a sua sobrevivência, mas a de todo o planeta”.

Próximos passos

De acordo com Eduardo, o relator demonstrou preocupação com o cenário alarmante exposto pelas organizações.

“Ficou claro que o governo brasileiro não tem um planejamento mínimo para lidar com os desafios trazidos pela pandemia. O relator salientou sua apreensão em relação aos indígenas, em especial aos isolados, e indicou que fará um relatório com todas as questões e levará à plenária da CIDH para providências”.

Além de realizar reunião temáticas, a CIDH recebe denúncias formais de organizações sociais, que são analisadas e, quando comprovadas, encaminhadas para o julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) – podendo resultar em sanção ao governo federal.

Em 2018, por exemplo, a Corte responsabilizou o Estado brasileiro pela violação do direito à proteção judicial e à propriedade coletiva do Povo Indígena Xukuru, em Pernambuco. A indenização ao povo foi de US$ 1 milhão.

Entre as entidades que participaram da reunião estão a Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil; Fórum Ecumênico Act Brasil; Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexos; Centro de Educação e Assessoramento Popular; Comissão Pastoral da Terra, SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, Pastoral Carcerária Nacional, Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários UNISOL Brasil, e Processo de Articulação e Diálogo Internacional.


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Zé Maria

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Revista Science Revela as Maçãs Podres do Agronegócio Brasileiro

No Blog do Professor Pedlowski

A prestigiosa revista Science publicou nesta 5a. feira (16/07) um artigo na seção
“Forum Policy” que deverá levantar ainda mais rugas nas testas do presidente
Jair Bolsonaro e de seus auxiliares mais fiéis. Sob o título de “The Rotten Apples
of Brazil’s Agribusiness” (ou em bom português, “As Maçãs Podres do agronegócio
brasileiro”)*, o artigo que tem como autor principal o professor Raoni Rajão,
do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) apresenta um minucioso mapeamento que relaciona
a produção de soja, que em parte considerável acaba exportada para a
União Europeia, em terras ilegalmente desmatadas nos biomas da Amazônia
e do Cerrado [ver mapa linkado acima].

Como os próprios autores adiantam no texto, os resultados desse estudo
certamente criarão embaraços para o agronegócio brasileiro, não apenas
com seus parceiros europeus, mas eventualmente com os chineses.
É que dada a sensível situação que foi criada com a política do “passa boiada”
engendrada pelo presidente Jair Bolsonaro e levada a cabo com inegável
maestria pelos ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina
(Agricultura), agora ficará evidente que parte nada desprezível da soja brasileira
está sendo produzida em áreas onde há forte possibilidade de que a remoção da
vegetação nativa (floresta tropical ou Cerrado) foi feita de forma ilegal, ao arrepio
do que determina a própria legislação brasileira.

Os autores do artigo incluíram ainda um cálculo sobre emissões de gases estufa
associados à produção de commodities agrícolas produzidas em áreas desmatadas
ilegalmente, o que deverá expor o papel indireto que a União Européia (UE) no
aquecimento global por “não restringir as importações e consumir produtos
agrícolas produtos contaminados com o desmatamento, ilegal ou não”.
O cálculo feito para a emissão de gases estufa apenas a partir da importação
de soja mostra que a União Europeia (UE) poderia ser responsável pela emissão
indireta “de 58,3 ± 11,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e) do
desmatamento legal e ilegal nos principais biomas brasileiros entre 2009 e 2017“. Os autores apontam ainda que “é provável que a parte da UE aumente como
resultado de acordos comerciais Mercosul-UE e EUA-China“.

Uma curiosidade na publicação deste artigo e de outros que devem estar ainda
nas prensas é que todo movimento para conter as informações produzidas pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) são inúteis, e que informações
ainda mais danosas para os interesses comerciais podem ser produzidas por
equipes de cientistas que não estão sob o controle estrito do governo Bolsonaro.

Nesse sentido, a marcha da ciência é, digamos, imparável.

*(https://pedlowski.files.wordpress.com/2020/07/rajc3a3o-et-al-2020-main-text.pdf)
(https://pedlowski.files.wordpress.com/2020/07/rajc3a3o-et-al-2020-science-sm.pdf)
Marcos Pedlowski é Professor Associado da Universidade Estadual
do Norte Fluminense (UENF) Darcy Ribeiro, em Campos dos Goytacazes, RJ.
Bacharel e Mestre em Geografia pela UFRJ e PhD em “Environmental
Design and Planning” pela Virginia Tech.
Pesquisador Colaborador Externo do Centro de Ecologia, Evolução e
Alterações Ambientais da Universidade de Lisboa.

https://blogdopedlowski.com/2020/07/16/science-revela-as-macas-podres-do-agronegocio-brasileiro/

Leia também:
“Um quinto das exportações de soja
da Amazônia e Cerrado à UE tem
rastro de desmatamento ilegal”

Reportagem: Heloísa Mendonça, no El País BR
https://brasil.elpais.com/autor/heloisa-de-resende-mendonca/
https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-16/um-quinto-das-exportacoes-de-soja-da-amazonia-e-cerrado-a-ue-e-fruto-de-desmatamento-ilegal.html

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