Rede Médica pelo Direito de Decidir repudia interrupção de aborto legal em hospital em São Paulo

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Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e fachada da Maternidade-Escola Vila Nova Cachoeirinha, na capital. Fotos: Reprodução

Nota de repúdio pelo fechamento intempestivo do Serviço de Atenção à Mulheres e Meninas vítimas de violência sexual e de interrupção da gravidez prevista em lei do Hospital Municipal e Maternidade Escola de Vila Nova de Cachoeirinha, referência no atendimento às meninas, mulheres e pessoas que gestam na cidade de São Paulo

Rede Médica pelo Direito de Decidir, 21 de dezembro de 2023

É com profunda preocupação e indignação que a Rede Médica pelo Direito de Decidir – Global Doctors for Choice/Brasil recebeu a notícia de que a Secretaria Municipal da Saúde de Paulo (SMS/SP) suspendeu o serviço de atenção à vítimas de violência sexual e aborto legal no Hospital Municipal Maternidade Escola de Vila Nova de Cachoeirinha, região norte da cidade.

O serviço é destinado às meninas e mulheres que tenham sido engravidadas em estupros, ou seja, vítimas de violência sexual, que estejam em gravidez que coloque sua vida em risco, e ainda, as que tenham uma gestação de feto anencéfalo, os três casos de interrupção da gravidez previstos em lei desde 1940 e por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nestas circunstâncias as meninas, mulheres e pessoas que podem gestar devem ter o direito garantido pelo Estado ao atendimento multidisciplinar, gratuito, humanizado e seguro por meio SUS (Sistema Único de Saúde).

Assim, com o fechamento do serviço na Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, serão elas as mais profundamente impactadas.

Aliás, a Unidade Hospitalar é referência nacional também nos casos de anencefalia e má formação sem expectativa de vida extrauterina e a única com o serviço que não impunha limite de tempo gestacional para o aborto, barreira frequentemente enfrentada pelas meninas e mulheres que necessitam realizar a interrupção da gravidez.

Em notas anteriores, a Rede Médica pelo Direito de Decidir já apontou o quanto o procedimento do aborto, mesmo nas idades gestacionais mais avançadas, é marcadamente mais seguro que o de um parto.

Segundo o órgão da Prefeitura de São Paulo, responsável por realizar a gestão das políticas de saúde na esfera municipal, o serviço foi interrompido “para que seja realizado no local cirurgias eletivas, mutirões cirúrgicos e outros procedimentos envolvendo a saúde da mulher”.

No entanto, a Secretaria Municipal de Saúde não informou quando o serviço será retomado.

A Defensoria Pública de São Paulo já solicitou esclarecimentos, Movimentos Sociais e Organizações da Sociedade Civil em prol dos direitos sexuais e reprodutivos e contra todo tipo de violências de gênero seguem se manifestando pela previsível desassistência às vítimas de estupro da cidade de São Paulo, inclusive há uma petição pública para apoiar a reabertura imediata do serviço que é referência nacional, recebendo inclusive casos de outras regiões do Estado e do País.

Reiteramos a extrema preocupação da medida feita pela Secretaria Municipal de Saúde da cidade de São Paulo ao suspender o serviço, justificando a necessidade de oferta de outros procedimentos, também importantes para a promoção da saúde.

Assim, nos unimos aos que pedem a imediata reabertura do serviço de Atenção à vítimas de violência sexual e aborto legal às meninas e mulheres do Hospital Municipal e Maternidade Escola de Vila Nova de Cachoeirinha, em São Paulo, e enaltecemos a dedicação da equipe multidisciplinar da Maternidade Escola que há anos cumprem seu dever ético e profissional em prestar atenção de alta qualidade e servir de referência nacional na garantia dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das mulheres e meninas brasileiras.

A dimensão da formação de médicas e médicos tem papel fundamental nestes cenários de tentativa de desmonte de serviços essenciais que garantem direitos, justamente por isso, ressaltamos a relevância da Maternidade Escola na formação de profissionais de saúde especialistas em ginecologia e obstetrícia e de residência multiprofissional, por meio da qualificação no atendimento à mulher em toda sua complexidade e dimensão.

Neste processo, outra aliada imprescindível é a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) por meio das orientações nas ‘Diretrizes para o atendimento em violência sexual‘, segundo o qual os Programas de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia devem oferecer oportunidades de aprendizagem teórica e prática aos estudantes, para que eles possam desenvolver competências profissionais relacionadas à atenção integral a pessoas em situação de violência sexual e aborto previsto em lei, sendo esta uma obrigação incluída no currículo das residências médicas pela Comissão Nacional de Residência Médica.

Por fim, nós, médicas e médicos da Rede Médica pelo Direito de Decidir – Global Doctors for Choice/ Brasil, reforçamos o compromisso na defesa pela justiça reprodutiva, da ampliação, humanização e pela garantia integral de acesso a saúde sexual e reprodutiva a toda população, especialmente às meninas, mulheres e pessoas que podem gestar pobres e periféricas, justamente o público majoritário no Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova de Cachoeirinha.

E, ainda, lembramos que a gestão municipal paulistana descumpre a legislação federal da Lei 12.845/2013, que torna obrigatório o atendimento integral às pessoas vítimas de situação de violência sexual no SUS (Sistema Único de Saúde).

Referências

1) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – artigos 5०, incisos III e IX

2) Nota da Rede Médica pelo Direito de Decidir – Global Doctors for Choice/ Brasil: Cinco lições que o Brasil deve aprender com o caso da menina de apenas 10 anos do Espírito Santo – 18/08/2020

3) Febrasgo – Nota informativa aos tocoginecologistas brasileiros sobre o aborto legal na gestação decorrente de estupro de vulnerável. 22 Junho 2022. https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/1470-nota-informativa-aos-tocoginecologistas-brasileir os-sobre-o-aborto-legal-na-gestacao-decorrente-de-estupro-de-vulneravel

4) Diretrizes para o atendimento em violência sexual: o papel da formação médica: o papel da formação médica. FEBRASGO POSITION STATEMENT. Número 4 – Abril 202 https://www.febrasgo.org.br/images/pec/anticoncepcao/FPS—N4—Abril-2021—portugues.pdf

5) Petição pública pela reabertura imediata do Serviço de Aborto Legal do Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha destinado à Secretária Municipal de Saúde de São Paulo e ao Prefeito Ricardo Nunes elaborada por Rebeca Mendes, diretora executiva e fundadora do Projeto Vivas. https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR136877

6) Matéria “Prefeitura de SP suspende realização de aborto legal em hospital de referência”, por Mônica Bergano – publicada na Folha de S. Paulo em 20/12/2023.

7) LEI Nº 12.845, DE 1º DE AGOSTO DE 2013. Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral
de pessoas em situação de violência sexual.


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Comentários

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Zé Maria

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Se a Interrupção da Gravidez está Prevista na Legislação Brasileira,
a Recusa Arbitrária à Grávida Vítima de Estupro de exercer seu Direito
ao Aborto, por Qualquer Estabelecimento de Saúde, é Inconstitucional
e deve ser Objeto de Mandado de Segurança no Poder Judiciário.

Depois a Extrema-Direita vem zurrar contra a Corte Suprema por exercer
sua Competência e suas Funções Precípuas de “Fiscalização e Controle
da Constitucionalidade das Leis e dos Atos Normativos, quando há Tema
ou Controvérsia Constitucional Suscitada em Abstrato, Independente do Caráter Geral ou Específico, Concreto ou Abstrato de seu Objeto” (ADI
4.048 MC, rel. min. Gilmar Mendes, j. 14-5-2008, P, DJE de 22-8-2008.).

Código Penal (CP) de 1940
Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
[…]
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)*

Aborto Necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro
II – se a gravidez resulta de estupro
e o aborto é precedido de consentimento
da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal.

https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10624811/artigo-128-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940

* STF / Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54)

“Não nos custa lembrar: estamos a tratar do mesmíssimo legislador
que, [em 1940,] para proteger a honra e a saúde mental ou psíquica
da Mulher – da Mulher, repito, não obstante a visão machista
então reinante –, estabeleceu como IMPUNÍVEL o aborto provocado
em gestação oriunda de estupro, mesmo quando o feto é plenamente viável.”

(STF – ADPF: 54 DF , Relator: Min. MARCO AURÉLIO,
Data de Julgamento:12/04/2012, Tribunal Pleno,
Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013)

Íntegra do Acórdão:
https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=136389880&ext=.pdf
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334
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