Procuradoria recomenda e Ministério revoga suspensão de recursos para serviços de saúde mental; por ora, os CAPS sobrevivem, diz Tykanori

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A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e o psiquiatra Roberto Tykanori

por Conceição Lemes

Foram nove meses de dura batalha.

Finalmente, o Ministério da Saúde  revogou os efeitos de duas portarias de novembro de 2018,  que suspenderam o repasse de recursos para manutenção de serviços comunitários de saúde mental em diversas cidades do Brasil.

A anulação, por meio da portaria 2.387/2019, foi após recomendação (na íntegra, ao final) da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).

Para o psiquiatra Roberto Tykanori, ex-coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, a revogação das portarias significa que a política de saúde mental é uma política do Estado Brasileiro.

“Significa também que, enquanto houver forças democráticas, haverá resistência ao desmonte do Estado. E que, por ora, os CAPS [centros de Atenção Psicossocial] sobrevivem”, salienta.

INCONSISTÊNCIAS E SEM DIREITO À DEFESA

Em 14 de novembro de 2018, o Ministério da Saúde publicou a portaria 3.659, suspendendo o repasse de custeio mensal para dezenas de CAPS, Serviços Residenciais Terapêuticos, Unidades de Acolhimento e de leitos de Saúde Mental em Hospital Geral.

São entes que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de todo o país.

Alegou suposta inexistência do serviço ou por insuficiência ou irregularidades de informações fornecidas por meio dos sistemas de informação em saúde.

Oito dias depois, em 22 de novembro, a pasta publicou outra portaria, a 3.718, na qual listou municípios que receberam recurso para implantação de dispositivos da RAPS, mas não teriam executado no prazo determinado. Em consequência, teriam que devolver os valores recebidos.

A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e a coordenadora do GT- Saúde Mental da PFDC, Lisiane Braecher, contestaram.

Em documento, de 6 de dezembro de 2018 (na íntegra, ao final), ao então ministro da Saúde, Gilberto Occhi, a PFDC apontou inconsistência nas informações coletadas pelo Ministério da Saúde:

(…) muitos dos serviços suspensos [pela portaria 3.659/2018], a exemplo dos Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral do Hospital Regional do Gama (HRG), do Hospital Regional da Ceilândia (HRC), do Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), do Hospital Regional de Sobradinho (HRS), o CAPS de Sorocaba e as residências terapêuticas de Salto de Pirapora existem e estão em pleno funcionamento, o que enseja dúvida sobre a veracidade dos motivos que fundamentam o ato administrativo.

Além disso, também não há referência na Portaria ao período de apuração da inexistência de produção assistencial que ensejaria a suspensão, nem da inequívoca ciência dos Municípios.

(…)

Tem-se notícia de que alguns serviços nela [portaria  3.718/2018] listados , a exemplo do Hospital São José, de Aracaju, que teve recursos suspensos, mas já foi reabilitado pelo Ministério da Saúde por haver comprovado a inconsistência das informações colhidas nos sistemas de informação em saúde.

Além do mais, o cancelamento dos recursos se deu sem observância às garantias do contraditório e da ampla defesa, afrontando princípios constitucionais da legalidade e do devido processo legal.

Na  recomendação feita ao Ministério da Saúde, a PFDC destacou a inquestionável necessidade de regularização do registro sobre a assistência prestada, mas observou que essa medida precisava seguir os princípios da Administração Pública e do devido processo legal.

Para a Procuradoria, deve “ser garantida aos municípios a oportunidade de defesa e contraditório, e a todos os cidadãos a transparência do processo administrativo e da motivação da decisão”.

A RAPS foi criada para garantir a articulação e integração dos pontos de atenção de maneira regionalizada, qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às urgências, priorizando o Sistema Único de Saúde (SUS).

A RAPS, destaca a Procuradoria, atende às diretrizes da Lei 10.216/2001, assim como da Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015) e da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – ratificada pelo Brasil em 2008, com status de emenda constitucional.

O objetivo é garantir a dignidade da pessoa com transtorno mental, sua condição de sujeito de direito, a autonomia e a inclusão, assegurando que as políticas de cuidado em saúde mental  sejam realizadas pelos meios menos invasivos possíveis.

Recomendação da PFDC ao Ministério da Saúde by Conceição Lemes on Scribd


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