“Paraná vive momento mais traumático da assistência à saúde nos últimos anos; não há leitos do SUS nem privados”

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Márcia Huçulak, secretária da Saúde de Curitiba, e Vivian Feijó, superintendente do Hospital Universitário de Londrina (PR): Os profissionais de saúde estão exaustos, cansados, esgotados. Fotos: Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba e reproduções de vídeo

Por Conceição Lemes 

Nesse domingo (07/03), o Brasil do governo Bolsonaro atingiu a vergonhosa marca: 11.019.344 casos e 265.411 óbitos pela covid-19.

Os dados do Painel Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde), com base nos registros das secretarias estaduais.

Nenhum estado brasileiro escapa dessa tragédia criminosa.

Irresponsabilidade, negacionismo, cegueira religiosa e científica, oportunismo político, desprezo pela vida do outro.

Para quem ainda duvida da gravidade da pandemia, a secretária de Saúde de Curitiba (PR), Márcia Huçulak, postou nesse domingo em rede social: “Fizemos do Brasil um covidário, um lugar perfeito para a proliferação do vírus e das suas novas variantes”.

Embora critique o comportamento geral, em uma tática de tornar a culpa difusa e isentar a gestão do prefeito Rafael Greca (DEM-PR), a sua fala se aplica, claro, a todos gestores que nunca levaram realmente a sério os alertas dos profissionais de saúde sobre a pandemia.

Entre eles, o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PR-PSD).

O estado colapsou.

PARANÁ VIVE O SEU MOMENTO MAIS TRAUMÁTICO NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE” 

O depoimento da médica Vivian Feijó, superintendente do Hospital Universitário de Londrina (PR), durante sessão da Câmara Municipal da cidade, em 4 de março de 2021, é uma paulada.

Alguns trechos:

“Estou representando aqui um sistema de saúde que já está em colapso.

O Hospital Universiário é um hospital 100% SUS, mas na pandemia, agora, não tem mais SUS e não tem mais privado.

Estou aqui para falar para os senhores que, em nome da saúde, a gente clama por apoio, por reconhecimento, por parceria.  E algumas ações têm colocado em xeque a fala dos profissionais da saúde. Nós estamos esgotados, nós estamos cansados.

Só hoje o Hopital Universitário tem 66 leitos UTI Covid lotados. Cada doente que entra lá fica em média 15 dias deitado no leito

Só hoje o Hospital Universitário tem 20 leitos adulto não covid lotados, muitos deles com covid.

Nós invadimos todas as áreas do hospital.

Na enfermaria médico-cirúrgica, tem 8 doentes intubados, graves de UTI, e nós mandamos uma equipe volante de terapia intensiva. 

Só o Hospital Universitário tem na fila de UTI 56 pacientes.

No dia de hoje, o hospital teve 7 óbitos em 12 horas. Desses,  5 óbitos relacionados à covid-19.  

Estamos angustiados, estamos apreensivos.

Tenho sido abordada por políticos, representantes da sociedade, pedindo vaga para juiz federal, conhecidos, parentes de todas as as cidades, porque o Estado do Paraná está vivendo  o seu momento mais traumático de assistência à saúde dos últimos anos.

Estou suplicando por monitores e respiradores para pequenos municípios.

Em 22 anos de saúde pública,  eu nunca na minha vida vivi um momento como este. 

Não tem mais dúvida. A situação da rede de saúde é dramática, grave, preocupante. Não tem leito. Não é mentira, não é fake news, é real. 

Tanto que, em menos de um mês, a fila por uma vaga de UTI no Paraná cresceu 96 vezes.

Nesse sábado (06/03), de acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, havia 916 pacientes na fila, aguardando vaga:  486 pessoas esperavam leito UTI e 430 em enfermaria.

Um dia depois, a fila de espera por um leito para covid-19 aumentou no Paraná.

Foi de 916 pessoas, no sábado, para 989, no domingo.

Desses 989 pacientes, 519 aguardam vaga para leito na UTI e 470 na enfermaria.

 

Voltando ao texto da secretária de Saúde Márcia Huçulak postado nesse final de semana em rede social.

Ela o ilustra com a imagem da gravura acima.

Segue a íntegra da postagem:

“Essa gravura representa muito bem o momento que estamos passando.

Chegamos ao limite das nossas forças e da capacidade de resposta do sistema de saúde.

E não me venham dizer que não nos preparamos.

Realmente não nos preparamos para ver tanta negação de uma doença nova e grave. Não nos preparamos para ver o descaso das pessoas e o deboche em relação a todas as orientações dos cuidados para evitar o contágio.

Não nos preparamos para ver uma sociedade auto-referida e egoísta que só pensa em si.

O Brasil é o único lugar que as medidas restritivas não funcionam, porque aqui não há disciplina nem respeito.

Aliás, se houvesse não precisaríamos de medidas restritivas.

É avassalador ver a quantidade de pessoas que chegam aos serviços de saúde, o vírus se tornou “democrático”.

“Não importa mais se você é pobre ou rico, não vai ter UTI”.

E para os que pedem mais UTIs e hospitais de campanha, só um dado de realidade, não há mais profissionais de saúde e com saúde, para atuar nesses lugares.

Nossos profissionais de saúde chegaram à exaustão.

E um aviso aos incautos, 25% das pessoas que internam morrem, se for para UTI e for entubado 50% de óbitos.

Fizemos do Brasil um covidário, um lugar perfeito para a proliferação do vírus e das suas novas variantes.

Deus nos ajude!

#stopcovid19

#vidasnãovoltam”

“NÃO HÁ DISCIPLINA NEM RESPEITO” POR PARTE DE QUEM?

Uma observação em relação à postagem da secretária de Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak.

Ela afirma categoricamente: “O Brasil é o único lugar que as medidas restritivas não funcionam, porque aqui não há disciplina nem respeito”

Eu pergunto: “Não há disciplina nem respeito” por parte de quem?

A frase generaliza, coloca todo mundo no mesmo balaio.

Ela não explicita, mas, aparentemente, deixa no ar o cheiro de que a culpa, para variar, é da população.

Só que, em se tratando do Brasil atual, a secretária da Saúde de Curitiba tem ciência de que a culpa não é apenas da população.

Embora a sua crítica seja difusa, ela sabe que os responsáveis têm nome e sobrenome.

A começar pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido/RJ), e vários de seus ministros.

Em outros países as restrições funcionaram porque os governos reconheceram a gravidade da pandemia e adotaram medidas efetivas para o seu enfrentamento.

Por exemplo, fiscalização intensa, ações de comunicação, testagem em massa.

Se as regras são flexíveis e a fiscalização, frouxa, elas não funcionam em lugar algum do mundo, não só no Brasil.

A propósito. A partir da próxima quarta-feira (10/03), Ratinho Júnior deve liberar as atividades não essenciais, como comércio de rua e shoppings, e as aulas presenciais em escolas públicas e privadas.

Ao que indica o prefeito Rafael Greca seguirá a decisão do governador.

Considerando que o número de casos e óbitos por covid continua aumentando, de quem será a culpa pelo não funcionamento das medidas restritivas?


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