Carta aberta de médicos à Secretaria Municipal de Saúde do RJ: ‘Não vamos tolerar precarização e assédio moral’

Tempo de leitura: 4 min
O médico Daniel Soranz é o secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução

CARTA ABERTA DE MÉDICAS E MÉDICOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO

Frente ao avanço da pandemia no Brasil imposto pela variante Ômicron, as unidades da Atenção Primária à Saúde (APS) do município do Rio de Janeiro tem tido suas condições de trabalho ainda mais agravadas com sobrecarga dos serviços, adoecimento físico e psíquico de profissionais e ausência de diálogo por parte da gestão municipal.

De maneira diferente das variantes anteriores, a atual foi responsável pela explosão de casos de COVID-19 no Rio de Janeiro de forma muito acelerada, com aumento de mais de 6000% dos casos confirmados entre a última semana de 2021 e a primeira semana de 2022.

Este cenário veio agravar a sobrecarga dos serviços de APS, que durante quase dois anos tiveram de se readaptar ao surgimento da nova pandemia, ao aumento de casos com necessidade de intervenções médicas avançadas nas unidades, à vacinação em massa da população, a mudanças dos contratos de gestão e ao surto de influenza do final de 2021 com pouco apoio adicional das gestões.

Apesar de demandadas, não foram aumentadas as equipes, houve falta de estrutura física e de equipamentos de proteção individual, alguns profissionais acumularam mais de três anos sem férias devido às mudanças de contratos e os polos de testagem foram implantados em pequena escala e muito tardiamente.

Como exemplo ainda mais atual, houve a notificação com pouca antecedência (menos de 72h) sobre a expansão do horário de funcionamento das unidades no sábado, dia 15/01/22, com finalidade de atendimento e testagem para COVID-19.

No caso da AP 2.1 (Zona Sul da cidade), os trabalhadores foram informados sobre a expansão do funcionamento das unidades com menos de 24h de antecedência.

Vemos com preocupação, neste momento, a implantação de estratégias emergenciais que desconsiderem na prática a saúde das trabalhadoras e trabalhadores e a manutenção da organização da rede de cuidados primários da nossa cidade.

Não se pode esperar que a APS carioca, apesar dos êxitos evidentes ao longo da última década, seja capaz de garantir, sem incremento de equipe e com contingente reduzido de profissionais – seja pela vacância de médicos em muitas áreas da cidade, seja pelos profissionais diariamente afastados por COVID-19 -, acesso irrestrito ao atendimento de síndrome gripal e testagem em meio a uma onda hiperaguda de casos de COVID-19.

E isso ocorre enquanto precisamos garantir o acesso a outros cuidados inadiáveis como a vacinação e os atendimentos de pré-natal e a pessoas que vivem com HIV, tuberculose, doenças crônicas de alto risco e casos graves. O tempo de espera nas unidades e grandes filas por atendimento evidenciam essa realidade.

Para contornar essa situação, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) reduziu o tempo de afastamento dos que testaram positivo e seus contactantes, apesar desse protocolo ser contestado em diversos países no mundo e dentro dos próprios EUA.

Também orientou que as unidades não limitem os atendimentos e testagens, garantindo o acesso a qualquer usuário que busque a unidade, independente de território de adscrição ou de redução de contingente das unidades.

A implantação dos Polos de Testagem se iniciou apenas em dezembro de 2021, tardia e lentamente, atualmente com cerca de 10 polos, com equipes reduzidas e que não são suficientes para garantir a cobertura de todo o território municipal.

Percebemos que a principal preocupação da prefeitura é garantir o acesso, independente da capacidade das unidades, da qualidade dos serviços e do cuidado com os trabalhadores, gerando precarização do cuidado e do trabalho, que mais se assemelha a uma linha de produção fabril do que propriamente serviço de Cuidado em Saúde.

Sendo assim, frente ao cenário de avanço ainda sem previsão de diminuição dos casos por variante Ômicron e do adoecimento das trabalhadoras e trabalhadores, com a iminente e necessária campanha de vacinação de crianças contra COVID-19, enquanto trabalhadoras e trabalhadores da APS do Rio de Janeiro, exigimos que sejam implantadas novas estratégias de testagem e atendimento que visem reduzir a sobrecarga e o adoecimento de profissionais de saúde e o estabelecimento de diálogo institucional e permanente entre a gestão municipal e as trabalhadoras e trabalhadores. Como estratégias para alcançar essas exigências, propomos:

1. Expansão dos Polos de Testagem e garantia de condições de trabalho e assistência nos mesmos – ampliação das equipes, garantia de espaços com circulação de ar adequada para espera de sintomáticos e divulgação de priorização de atendimento aos usuários nesses locais por meio de mídias tradicionais e mídias sociais;

2. Contratação emergencial de equipes de resposta rápida para as unidades da Atenção Primária e de profissionais extras para vacinação, com profissionais contratados exclusivamente para este fim, de forma a garantir a viabilidade da fase pediátrica da campanha da vacinação contra a COVID-19, enquanto se mantém as demais atividades essenciais e se garante a saúde das trabalhadoras e trabalhadores;

3. Estabelecer limites para a capacidade de atendimento das unidades da APS, com redirecionamento do excedente não-grave para os Polos de Testagem, coibindo situações de assédio moral contra trabalhadores e gestores locais;

4. Estabelecer critérios clínicos para testagem de COVID-19, enquanto perdurar o reduzido efetivo profissional e durante a alta circulação do vírus, devendo ser reconsiderada a testagem em massa assim que as condições do sistema de saúde o permita nos Polos de Testagem;

5. Restringir expansão dos horários de funcionamento das unidades da APS aos sábados apenas para atividades da campanha de vacinação, com garantia de determinação e divulgação da informação com antecedência mínima de uma semana e revogação imediata do horário expandido do sábado, dia 15/01/22 até 17:00, notificado sem antecedência;

6. Estabelecer espaço de diálogo permanente entre gestão municipal, coordenações de área e profissionais de saúde, representados pelos sindicatos e instituições de categorias profissionais ou especialidades com periodicidade mensal enquanto durar a pandemia de COVID-19;

Por fim, reiteramos nosso compromisso com a defesa do SUS enquanto um sistema de saúde público, gratuito, universal e de qualidade.

Não toleraremos a desvalorização e precarização do nosso trabalho e situações de assédio moral.

Há quase 2 anos lutamos diariamente contra um vírus letal e nos colocamos em risco, assim como nossas famílias, em prol da saúde do povo carioca. Não somos máquinas de trabalho, somos trabalhadoras e trabalhadores e exigimos respeito!

Assinam a carta médicas e médicos da APS do Rio de Janeiro e entidades solidárias às suas demandas.

Para assinar também a carta aberta de médicas e médicos, clique aqui

Para assinar também, clique aqui.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

gonzalez

A crítica da matéria é verdadeira porém não expõem o fruto desses problemas. Mudança de contrato: As OS fazem parte destes problemas, contratos de milhões são assinados e os funcionários tem seu contrato entre pessoa e empresa e se submetem a essas condições e oferecendo serviço de péssima qualidade, serviços públicos devem ser realizados por funcionários públicos exclusivamente e com os seus devidos direitos e não sendo explorados,
porém médicos não querem deixar seus consultórios particulares, não por acaso tomografos não funcionam nos serviços públicos mas estão em perfeitos em clínicas de médicos que “trabalham” no serviço público, os problemas são muitos mas para começar a resolver é acabar com a festa das OSs e seus contatos.

Deixe seu comentário

Leia também