Carlos Ocké e Luiz Vianna: Open Health, um passo atrás que aumentará os lucros dos planos de saúde

Tempo de leitura: 3 min

Open health: propaganda enganosa?

Por Carlos Octávio Ocké-Reis e Luiz Vianna Sobrinho*, especial para o Blog da Saúde

No Brasil, a pandemia da covid-19 provocou até agora a morte de 655 mil pessoas.

Nos parece claro que o negacionismo do governo federal foi o principal responsável por esse número de óbitos.

Viu-se, no lugar de transparência, uma defesa insana, do ponto de vista das evidências científicas utilizadas em todo o mundo, de medidas que seguiam apenas a orientação de sua política (sic), situação da qual nos envergonhamos frente às entidades sanitárias e acadêmicas do Brasil e do exterior.

Não fossem os esforços de estados e municípios, bem como de instituições como a Fiocruz, além da dedicação dos profissionais da saúde para mitigar a dor e o sofrimento da população, a tragédia social teria sido mais grave.

Igualmente, apesar da hegemonia neoliberal, ficou evidente com a flexibilização das regras fiscais que o Estado brasileiro precisa ser fortalecido para garantir o financiamento de uma saúde pública de qualidade para todas e todos brasileiros, desmercantilizando um direito social consagrado na Constituição de 1988.

Nesse cenário, superando o teto de gasto, para tornar o SUS eficiente e sustentável, será necessário ampliar o gasto público per capita em saúde, visando, de um lado, melhorar de suas ações clínicas e epidemiológicas; de outro, a redução dos gastos das famílias e dos empregadores com bens e serviços privados de saúde; e ainda, a indução de um complexo econômico-industrial-digital da saúde no mercado interno.

Nessa linha, será preciso também superar um certo laissez-faire regulatório presente na atuação da ANS perante os planos empresariais, se não bastassem os casos relatados na CPI da covid, em particular sobre a Prevent Sênior, bem como a tentativa de diminuir o rol de procedimentos cobertos pelas operadoras no Superior Tribunal de Justiça.

Vale dizer, o setor vive um processo de financeirização, que promove, a um só tempo, o desfinanciamento do SUS e a privatização do sistema de saúde.

O mercado de planos de saúde passou a funcionar como uma plataforma de acumulação de agentes econômicos que operam na bolsa de valores (“primazia dos acionistas”), favorecendo um movimento selvagem de concentração, por meio de fusões e aquisições, entre donos de planos, hospitais, farmácias, organizações sociais e laboratórios.

Para além da portabilidade dos planos individuais, o Ministério da Saúde pretende refrear tal concentração com a criação do open health, compartilhando dados dos usuários entre os planos de saúde, valendo-se da experiência dos bancos através do conhecido open banking.

Além de inócuo diante desse padrão de competição oligopolista, segundo juristas, trata-se de uma proposta inconstitucional e ilegal, que representa um retrocesso em relação ao direito dos consumidores.

Ademais, continua difuso, para os órgãos de defesa do consumidor, como resolver a fragmentação de sistemas de informação, tampouco a falta de segurança das bases de dados do Ministério da Saúde, em especial como se garantirá o direito à proteção dos dados dos pacientes.

Entre analistas de políticas de saúde, é consenso que o open health pretende radicalizar a seleção de riscos – fundamento desse mercado – com o intuito de favorecer a escolha de indivíduos com menor probabilidade de adoecer.

Contudo, a Lei Geral de Proteção de Dados proíbe expressamente “a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade, assim como na contratação e exclusão de beneficiários” (art. 11, parágrafo 5º), para que não haja discriminação, impossibilitando a realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos (cf. art. 6º, inciso IX).

Pior: a rigor, na perspectiva de desregular o mercado, essa proposta vai ao encontro das mudanças que setores do congresso nacional pretendem fazer na Lei 9.656 – aquela que disciplinou os planos de saúde em 1998 –, dando agora um passo atrás, ao permitir a oferta de produtos subsegmentados, de baixa cobertura, condenados pelos sanitaristas, e cujos custos acabarão sendo socializados pelo SUS, uma vez que não abrangem as necessidades de saúde concretas das camadas populares.

No último mês de fevereiro, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho para discutir o open health.

Se fosse garantida a participação de amplos setores da sociedade, seria possível demonstrar que se trata de propaganda enganosa, pois sem capacidade para implantar a concorrência regulada no contexto da financeirização, essa proposta contribuirá tão somente para o estabelecimento de um “ambiente de negócios internacionalizado” com lucros crescentes, seleção de riscos e pesados subsídios fiscais – subvenções que acabam subtraindo recursos hoje imprescindíveis para o SUS combater os efeitos da pandemia.

Não pode haver imposição. A história já nos mostrou o desempenho da gestão do Ministério da Saúde no momento mais agudo da pandemia.

Nos cabem agora coragem e decisão para virar o jogo e buscar um verdadeiro sentido civilizatório ao SUS.

Carlos Octávio Ocké-Reis é economista, ex-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES e autor do livro “SUS: o desafio de ser único” (Editora Fiocruz, 2012)

Luiz Vianna Sobrinho é médico, doutor em bioética, ética aplicada e saúde coletiva (ENSP/Fiocruz) e autor do livro “O ocaso da clínica: a medicina de dados” (Zagodoni, 2021)

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