Débora Calheiros: Racismo ambiental em Mato Grosso prejudica pescadores em benefício de grupos econômicos e políticos; vídeos

Tempo de leitura: 7 min
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Por Débora Calheiros

Audiência pública realizada em 13 de junho de 2023 na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (MT). Foto: Reprodução


Por Débora Calheiros*

Sim, por incrível que pareça, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), está impondo, arbitrariamente, uma política de “racismo ambiental” com apoio de grande parte dos deputados estaduais

Trata-se do projeto de lei nº 1363/2023, que proíbe a pesca nos rios do Estado por um período de cinco anos.

Apelidado de Transporte Zero ou Cota Zero, ele é explicitamente contra os pescadores profissionais-artesanais de todo o estado, incluindo povos e comunidades tradicionais ribeirinhas, e até contra a população em geral, que culturalmente adora pescar e acaba por fazer economia no orçamento familiar ao trazer peixes para a alimentação.

O PL1363/2023 ameaça tanto os moradores urbanos e ribeirinhos que pescam para garantir comida à mesa como aqueles que buscam a pesca por lazer.

O governo enviou-o à Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) em 31 maio de 2023, como mostra o protocolo abaixo.

No mesmo dia, 31 de maio, o PL1363/2023 foi lido em caráter de ”urgência urgentíssima”.

E, em 2 de junho, os deputados já fizeram a primeira votação, aprovando o texto sem qualquer discussão com a sociedade. Um verdadeiro rolo compressor.

Foram 11 votos a favor, cinco contra, seis ausências e duas abstenções, como levantamento feito pelo site pelo site Olhar Direto e confirmado pelo Midiajur.

SIM
Beto Dois a Um (PSB)
Carlos Avallone (PSDB)
Claudio Ferreira (PTB)
Diego Guimarães (Republicanos)
Dilmar Dal Bosco (União)
Gilberto Cattani (PL)
Gilberto Figueiredo (União)
Max Russi (PSB)
Paulo Araújo (PP)
Reck Junior (PSD)
Valter Miotto (MDB)

NÃO
Dr. João (MDB)
Elizeu Nascimento (PP)
Lúdio Cabral (PT)
Thiago Silva (MDB)
Wilson Santos (PSD)

AUSENTES
Dr. Eugênio (PSB)
Fabinho (PSB)
Valdir Barranco (PT)
Valmir Moretto (Republicanos)
Júlio Campos (União)
Sebastião Rezende (União)

ABSTENÇÃO
Janaina Riva (MDB)
Faissal Kalil (Cidadania)

Entre os que votaram contra, vale ressaltar a firme atuação do deputado Wilson Santos (PSD) em prol do rio Cuiabá livre de barragens nos últimos anos, justamente para manter a produção pesqueira que sustenta milhares de famílias ribeirinhas, bem como a pesca profissional e turística, e agora luta para que o mesmo possa ser garantido em todo o Estado.

A segunda votação já tem data marcada: 28 de junho, quarta-feira da semana que vem.

RACISMO AMBIENTAL ESCANCARADO

De forma geral, segundo o Wikipedia (grifos são nossos), racismo ambiental

”é um termo usado para descrever situações de injustiça social no meio ambiental em contexto racializado, ou seja, nas quais comunidades pertencentes a minorias étnicas, como as populações indígenas, negras e asiáticas, são particularmente afetadas. Situações de injustiça ambiental podem incluir a inacessibilidade a recursos naturais (como ar limpo, água potável e outros benefícios ecológicos), a exclusão da tomada de decisão sobre territórios tradicionais e recursos naturais locais, e também o sofrimento das mazelas das degradações ambientais, como: inundações, queimadas, poluição, exposição à resíduos tóxicos, ausência de saneamento básico, situação precária de moradia.”

Ou seja, ao excluir a população afetada da tomada de decisão, o governo de Mato Grosso praticou  racismo ambiental explícito, escancarado.

E os deputados, ao aprovarem o projeto, foram cúmplices.

Vejam bem.

A pesca é uma atividade que envolve segurança alimentar, em especial de populações tradicionais e das urbanas em vulnerabilidade social.

A sua proibição envolve violação de direitos dos povos e comunidades tradicionais (ribeirinhas, pescadores artesanais, indígenas e quilombolas) aos seus modos de vida e de acesso ao alimento.

Envolve ainda a violência quanto ao respeito à cultura das próprias comunidades tradicionais, assim como de toda a sociedade.

Em áreas onde os rios ainda estão saudáveis, a pesca é também uma forma de lazer, com profundas raízes culturais, inclusive gastronômicas, ainda mais em Mato Grosso.

Na bacia do Alto Paraguai, formadora do bioma Pantanal, a única bacia hidrográfica que tem dados científicos robustos em relação à produção pesqueira, para embasar qualquer tomada de decisão, as populações de peixes ainda estão vigorosas e capazes de movimentar uma economia de cerca de R$ 1,9 bilhão/ano.

Foram estudos coordenados pela Embrapa Pantanal e Agência Nacional de Águas (ANA), em parceria com mais de 80 pesquisadores de todo o país (UFMT, UNEMAT, UFMS, UEMS, UEM, UFRGS, UnB e outras unidades da Embrapa).

Estudos da Universidade de Brasília (UnB) avaliaram que a chamada Pesca Difusa, ou de barranco, é capaz de gerar economia das famílias pelo acesso a lazer barato e obtenção de alimento rico em proteína, como o peixe.

Esta modalidade foi capaz de gerar, sozinha, o montante de R$ 1,45 bilhão/ano !!!

O restante do valor gerado sustenta as famílias de pescadores profissionais-artesanais, por meio da pesca profissional, além do gerado pelo turismo de pesca.

Os turistas que vem pescar em Mato Grosso são de estados como São Paulo, Paraná e Minas Gerais, onde a maioria dos rios já está poluída e/ou bloqueada por hidrelétricas. Ou a pesca profissional foi fechada, como acontece em Goiás.

GOVERNO BASEIA-SE EM RELATÓRIO MALFEITO E IGNORA MINUTA DO CEPESCA

A ideia de acabar com a pesca profissional no estado é recorrente.

Em 2021, a ALMT contratou uma consultoria paga para fazer um relatório sobre a atividade pesqueira no Estado de Mato Grosso.

O resultado foi um documento muito mal elaborado, sem qualidade técnica, amplamente criticado por especialistas.

Entre outras pérolas, a consultoria alegou que produção de peixes no estado estaria diminuindo  e recomendou que seria necessário fechar a pesca por cinco anos para recompor os estoques,  liberando apenas a pesca na modalidade pesque-solte.

Curiosamente a mesma justificativa que consta da mensagem do governador à ALMT propondo a nova lei.

Ele diz que a medida se deve “em razão da notória redução dos estoques pesqueiros em rios do Estado de Mato Grosso e estados vizinhos, tendo como principal razão a pesca predatória, que acaba por colocar em risco várias espécies nativas”.

Indício de que o governo do Estado se baseou neste ”estudo” malfeito pago pela Assembleia Legislativa.

Só que este não era o único documento que o governo Mauro Mendes tinha em mãos para elaborar uma nova lei.

Em agosto de 2022, o Conselho Estadual da Pesca de Mato Grosso (Cepesca) aprovou em plenário uma minuta de lei (abaixo, a primeira página) que “Dispõe sobre a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca e regula as atividades pesqueiras”.

A sua aprovação se deu após intenso debate ocorrido desde 2020 e do qual participaram representantes de vários segmentos da pesca (profissional-artesanal e turística), órgãos governamentais e universidades (UFMT, UNEMAT, IBAMA, MAPA), além da sociedade civil.

Esta sugestão de minuta de lei foi, posteriormente, enviada ao governador pelo presidente do Cepesca, sr. Alex Marega.

Não é a ideal, tem problemas, mas foi construída no Cepesca sobre bases técnicas e de modo participativo, ao contrário da lei autoritária do governo apoiada por grande parte dos deputados que quer simplesmente acabar com a pesca. Exemplo claro de outro conceito, o negacionismo ideológico.

Estranhamente:

1. O governador desconsiderou a minuta de lei do Cepesca. Nem a menciona.

2. A minuta aprovada pelo plenário do Cepesca em agosto de 2022 não está disponível ao público.

A editora do Viomundo, Conceição Lemes, solicitou-a reiteradamente ao presidente do Cepesca, Alex Marega, via assessoria de comunicação da Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso.

A assessoria de comunicação respondeu que a solicitação deveria ser feita à Casa Civil, embora o Cepesca esteja no âmbito da Secretaria do Meio Ambiente.

Já os deputados nem receberam a minuta oficialmente.

Mas que ela existe, existe.

NEGACIONISMO IDEOLÓGICO OU APENAS ”ACHISMO’ DO GOVERNADOR?

A quem interessa a proposta do governador aprovada por 11 deputados estaduais?

Quem vai se beneficiar com a interrupção da pesca durante cinco anos?

Pela proposta, ganha certamente o turismo de pesca na modalidade pesque-e-solte.

Em consequência, outro setor diretamente favorecido é a piscicultura, que utiliza rações de grãos de soja e milho produzidas por famílias bem poderosas de Mato Grosso, como os Maggi.

Também será beneficiado o setor de geração de energia hidrelétrica, com forte influência política no governo estadual e nos órgãos colegiados de tomada de decisão, como os Conselhos de Meio Ambiente – Consema e de Recursos Hídricos – CEHIDRO.

Mas já há questões sendo levantadas:

1. Como o Estado pode decidir em relação aos rios Cuiabá, Paraguai, Araguaia, Teles Pires, Juruena, entre outros, que são de competência federal?

2.Como os gestores públicos podem decidir sem dados confiáveis, embasados cientificamente?

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que é presidente do PSD de Mato Grosso, recomendou aos deputados do partido que votassem contra o projeto, por apresentar ”graves vícios”.

O PSD tem dois deputados. Um deles, Reck Junior, já disse que não seguirá a orientação do partido. Aliás, votou sim na primeira votação.

Em entrevista à mídia local, o governador minimizou os questionamentos feitos pelo ministro da Agricultura:

“Isso tudo tem, a Assembleia fez e não precisa de estudo nenhum, é só ir na beira do rio. O próprio pescador sabe que o peixe está acabando”.

O deputado Dilmar Dal Bosco (União Brasil), líder do governo na ALMT, segue o mesmo diapasão.  Alega que o número de peixes reduziu drasticamente e que não é necessário nenhum estudo técnico, bastando apenas ir até um rio e avaliar

Negacionismo ideológico ou somente “achismo” de Mauro Mendes e Dilmar? Talvez ambos.

A propósito, o PSD divulgou a seguinte nota sobre o PL Cota Zero:

“O PL contém graves vícios e causa prejuízos irreparáveis à categoria do pescador profissional, violando a Constituição Federal e Estadual. Dentre as irregularidades e ilegalidades foram citados os seguintes aspectos:

1 – O Projeto de Lei nº 1363/2023 não possui Projeto Técnico;

2 – O PL nº. 1363/2023 não foi submetido à avaliação do Conselho Estadual da Pesca – CEPESCA-MT;

3 – O PL nº. 1363/2023 não consultou os povos originários, conforme estabelece a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);

4 – O PL nº. 1363/2023 desrespeita o direito adquirido dos profissionais da pesca (art. 170 da Constituição Federal)”.

São os mesmos argumentos levantados por pesquisadores e pescadores.

Ou seja, racismo ambiental, violência cultural e favorecimento de grupos econômicos e políticos que sustentaram a reeleição do governador e de muitos deputados estaduais.

Em tempo: no PL 1363/2023 não houve previsão de onde serão tirados os recursos para pagar o “auxílio” aos pescadores nem como ficarão as famílias que dependem do peixe como segurança alimentar.

Com a palavra, nos vídeos abaixo, pescadores da Colônia Z2, de Cáceres (MT).

Leia também:

Observatório de Mato Grosso alerta: Emendas e substitutivo de projeto do governo mantêm a pesca proibida

Michael Esquer: STF acata ações que podem derrubar lei que protege rio Cuiabá

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Débora Calheiros

Bióloga, especialista em ecologia de rios do Pantanal e de conservação e gestão de bacias hidrográfica. É voluntária do FONASC – Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas.


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Zé Maria

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O PODER DA MOTOSSERRA

AGENDA DE DEVASTAÇÃO AMBIENTAL AVANÇA NO CONGRESSO NACIONAL

Revista Carta Capital | Edição 1305:
https://www.cartacapital.com.br/edicao/1305-2/

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Zé Maria

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Bancada BBB (Balas, Bois e Burros)
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Bancada Ruralista Mantém a Ofensiva Contra a Legislação Ambiental
Apesar de Perdas Acumuladas pelo Agronegócio com Mudanças Climáticas

Recentemente, foi Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
da Câmara o PL 364/2019, que Enfraquece as Proteções da Mata Atlântica, deixando 48 Milhões de Hectares de Diversos Biomas Vulneráveis ao Desmatamento.

Esse é apenas Mais um Exemplo do Contínuo Ataque à nossa Natureza,
com Setores Políticos Ligados ao Agronegócio colocando em risco
nossos Preciosos Recursos Naturais.

[ Reportagem: Fabíola Mendonça | CartaCapital ]

Recentemente, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA)
entregou ao governo federal um pedido de socorro para ajudar
os produtores rurais impactados pela crise climática.

No documento, a entidade apresenta uma série de propostas para minimizar
os prejuízos causados por eventos extremos, como secas prolongadas
e inundações, os quais foram potencializados pelo fenômeno El Niño e
teriam provocado “danos substanciais às plantações e rebanhos em
várias regiões do País”.

Só no setor de grãos, a previsão é de 13,5 milhões de toneladas a menos,
queda de 4,2% em relação à safra anterior.

Os ruralistas lamentam as perdas, mas insistem em ignorar a origem do problema.

Sua bancada no Congresso Nacional não recua nem um milímetro
nos ataques à legislação de proteção ambiental, como se viu
no empenho do grupo para alterar e aprovar o Projeto de Lei 364/19.

A proposta do deputado Alceu Moreira, do MDB gaúcho, inicialmente
previa a exclusão dos campos de altitude situados nos estados do Sul
da Lei da Mata Atlântica, passando a ser regidos pelo Código Florestal.

Com isso, seria permitido aos produtores rurais da região manter as atividades desenvolvidas na área sem sofrer multas ou embargos
de órgãos ambientais.

“Essa alteração legislativa é fundamental para que a produção agrícola
das regiões de campos de altitude não seja completamente anulada”,
diz trecho do projeto original, ressaltando que a atividade já acontece
em larga escala e precisa ser regulamentada.

O texto recebeu o aval até mesmo de ambientalistas.

No entanto, foi incorporado um “jabuti” na proposta, emendas
que resultaram num “liberou geral”.

Depois de passar por sete versões, em março a Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o relatório do deputado
Lucas Redecker, do PSDB gaúcho, que retira a proteção de toda vegetação
nativa não florestal do País, e não apenas da Mata Atlântica, autorizando
a exploração de cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos.

https://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/tiro-no-pe-4/

Leia também:

Receita Federal Investiga Fraudes Fiscais de R$ 550 Milhões no Agronegócio

Esquema Consistia na Abertura de Empresas de Fachada [Fictícias],
para Emissão de Notas Fiscais Eletrônicas Frias de Venda Falsa de
Insumos Agrícolas.

O nome da operação, Dagon, faz referência a uma divindade da agricultura
dos filisteus, povo que ocupou a costa sudoeste de Canaã (Oriente Médio).

O deus Dagon apresenta duas faces.
Uma delas, adorada em um momento da história,
e a outra, retratada como demônio.

As duas primeiras fases da operação foram realizadas no Rio Grande do Sul.

A terceira fase expandiu as ações para o restante do país.

A operação agora está concentrada nos estados de Goiás e da Bahia.

Íntegra:

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/receita-investiga-fraudes-fiscais-de-r-550-milhoes-no-agronegocio/
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Zé Maria

Ameaça da Especulação ao “Milagre Urbano” em São Paulo

São Paulo precisa levar os benefícios climáticos dos bairros-jardins
para suas outras regiões, e não o contrário

“Liberar as ilhas de refrigeração dos bairros-jardins para
a especulação imobiliária chega às raias da desfaçatez”

Por Carlos Bocuhy * e Heitor Marzagão Tommasini **,
Carta Para o Futuro #18 (CartaCapital+PROAM)

São Paulo possui em seu tecido urbano um verdadeiro tesouro ainda não espoliado pela especulação abusiva do uso e ocupação do solo. São os bairros-jardins, oriundos de conceitos urbanos dos séculos XIX e XX, próximos do atual conceito de sustentabilidade.

Essas áreas foram beneficiadas por tombamento histórico, urbanístico e ambiental. Permitem o benefício de refrigeração da cidade em função de áreas não impermeabilizadas e bem arborizadas. Nada mais sadio diante das novas perspectivas de calor extremo decorrentes das mudanças climáticas, excessiva impermeabilização e concretagem do solo que aumentaram sensivelmente desde a segunda metade do século XX.

Essa riqueza dos bairros-jardins, tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), está ameaçada por uma iniciativa de revisão de tombamento.

Claro que há um dedo de usura que favorece a especulação imobiliária e interesses específicos. O objetivo da revisão é alterar as diretrizes originais que disciplinam a manutenção e recomposição da massa arbórea; as diretrizes de remembramento e desmembramento de lotes, além da alteração de diretrizes que autorizaria prédios de três pavimentos (em algumas situações de até 15 metros), além de condomínios residenciais.

Tudo contrariando o tombamento original e descaracterizando o bem tombado.

A iniciativa lobística que tramita no Condephaat gerou revolta.

Mais de uma centena de entidades e especialistas manifestou-se contra a proposta, por meio de um manifesto pela manutenção integral do tombamento original, que será encaminhado ao Condephaat e ao Ministério Público, uma vez que o bem tombado assim o foi pelo reconhecimento de seus atributos ambientais, que ainda estão presentes hoje.

Ressalte-se que representam maior valia, em função da maior raridade
dos serviços ecossistêmicos que beneficiam a qualidade de vida da cidade.

É espantoso que São Paulo tenha conseguido este modelo urbanístico,
mantendo essas áreas e sobretudo conseguido protegê-las, mesmo em
meio de um processo de intensa especulação imobiliária.
Mais espantoso ainda é que este pequeno milagre urbano esteja agora
sob séria ameaça.

A ideia inicial deste modelo é atribuída ao progressista Ebenezer Howard,
que, desencantado com a “sórdida urbanização do século XIX”, buscava
o urbanismo cidade-campo como uma política para o equilíbrio social,
urbanístico e ambiental.

Como em São Paulo, o conceito de cidade-jardim e posteriormente,
de bairro-jardim, já havia se espalhado pelo mundo no século XIX.

Letchworth Garden City, no Reino Unido, é uma cidade conhecida por ser
o primeiro modelo por suas áreas verdes e planejamento urbano
que promove uma vida comunitária e sustentável, seguida por
Welwyn Garden City e Milton Keynes.

Nos Estados Unidos são muitos exemplos: Residence Park em New Rochelle
e Garden City, em Nova York; Woodbourne em Boston; Newport News,
Hilton Village da Virgínia; Chatham Village em Pittsburgh; Radburn,
Nova Jersey; Greenbelt, Maryland (perto de Washington, DC) e Greenhills,
Ohio (perto de Cincinnati), entre outros.

Também o Canadá possui diversos exemplos de bairros e comunidades
de bairro-jardim, como Mount Royal, Montreal, Quebec, e outros que
seguem ideias semelhantes de Howard, assim como em vários outros
países, incluídos Singapura e Japão.

Os bairros-jardins de São Paulo, em sua maioria implementados na primeira
metade do século XX pela Cia City de Desenvolvimento, são protegidos
por contratos estabelecidos no modelo original, que restringe alterações
do espaço planejado dentro da cidade, sustentável e organizado.

A questão da construção de subsolos atingindo o lençol freático, que é
muito aflorado, levou a Cia City a adotar o atual modelo de ocupação
dos terrenos, com grande área permeável e arvoredo abundante.

O Jardim América, já no começo do século passado, foi provavelmente
o primeiro bairro ecológico do Brasil.

Inadmissível permitir que se possa aniquilar esta preciosidade consolidada
e pelos seus moradores ao longo desses últimos 100 anos, exemplo
urbanístico adotado e compreendido em todo o Brasil.

O tombamento dos bairros-jardins consagrou o estado de preservação
da concepção do modelo original do espaço planejado dentro da cidade.

As diretrizes originais do tombamento têm natureza técnica e interesse
público, com amparo no princípio da menor restrição e fundamento
no art. 216, §1º da Constituição Federal.

A finalidade do tombamento é salvaguardar o patrimônio cultural,
garantindo sua preservação e defesa.

No caso dos bairros-jardins, assegura a manutenção da gênese
e concepção do modelo original idealizado de forma sustentável
e organizada, se sobrepondo assim à lei de uso e ocupação do solo
ou outras leis específicas, como de projetos urbanísticos.

Os valores urbanísticos, ambientais, paisagísticos e turísticos foram
caracterizados e reconhecidos nas diretrizes do tombamento original
que preserva e defende os bairros-jardins por quase 40 anos.

Agora, a ameaça aponta para a descaracterização, contrariando o objetivo
e finalidade do tombamento, sob a pueril motivação do dinamismo urbano.

O bem tombado é alçado à qualidade de patrimônio cultural urbanístico-
ambiental, na esfera do direito público e difuso.

Trata-se de bem jurídico indisponível e inegociável, em que o Poder Público
e a sociedade têm o dever de defender e preservar.

O modelo de bairros-jardins encontra abrigo em princípios do Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios – Icomos/Unesco; em vários Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável que consolidam um “movimento mundial
que visa obter tecidos urbanos onde o espaço construído e o espaço natural são equilibrados, obtendo uma qualidade ambiental específica na qual a natureza, especialmente o verde da vegetação, está presente de modo
marcante nas áreas públicas e nos lotes.

Com amplos espaços verdes, traz a concepção de uma nova paisagem
urbana e um novo modo de habitar, integrando o homem na trama urbana,
tendo sido reconhecidos os valores histórico, ambiental e paisagístico
para determinar a preservação integral do conceito e da gênese do bem
tombado, para as presentes e futuras gerações”.

São Paulo precisa se dedicar à adaptação climática na perspectiva de levar
os benefícios climáticos dos bairros-jardins para suas outras regiões, e
não o contrário.

Paris está estudando sua morfologia urbana, para compreender quais
alterações serão necessárias para proteger os mais vulneráveis do
calor extremo.

Com pragmatismo climático, os franceses estudaram cenários adversos
e pretendem se preparar para enfrentar +4ºC de temperatura média
nas áreas metropolitanas para o ano de 2100.

Quando se fala em aumento da temperatura média em mudanças climáticas
deve-se pensar nos picos das ondas de calor extremo, que ganham
amplitudes com temperaturas bem mais elevadas.

São Paulo ganhou o reconhecimento da Unesco pelo seu cinturão verde
envoltório.
A reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Mata Atlântica da Cidade
de São Paulo foi uma conquista da ativista Vera Lúcia Braga, ex-funcionária
do Instituto Florestal, depois de anos de intensos apelos às instâncias locais
e internacionais.

São Paulo ganhou o tombamento dos bairros-jardins por intenso empenho
de movimentos da sociedade civil liderados por arquitetos idealistas como
Paulo de Mello Bastos e Candido Malta Campos Filho, entre tantos outros
cidadãos preocupados com a qualidade ambiental e urbana da cidade.

Há uma história interessantíssima por detrás de iniciativas similares,
que remontam a Elisabeth I da Inglaterra e seu cordon-sanitaire, em
pleno século XVI, prevenindo ameaças bacteriológicas e provocando
benefícios para a produção ecossistêmica de água.

A história continua.

As ameaças são mais complexas, os efeitos sinérgicos no meio urbano
são maiores e os cenários já são extremos.

O modelo civilizatório está levando o planeta a um estágio de ebulição
climática, agravada por cada El Niño que se repete.

Nesta perspectiva, pensar em retroagir sobre questões tão relevantes
para o metabolismo urbano de São Paulo, como liberar as ilhas de
refrigeração para a especulação imobiliária, chega às raias da desfaçatez.

*Carlos Bocuhy é presidente do instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam); foi coordenador do Programa Metrópoles Saudáveis (OPAS)

**Heitor Marzagão Tomasinni foi diretor do Movimento Defenda São Paulo

https://conteudo.cartacapital.com.br/cartacapital-newsletter-cartaparaofuturo

Leia Mais no Parecer do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM) a seguir:

http://www.proam.org.br/2008/imagens/documentos/179.pdf

Zé Maria

Não pode pescar mas pode
criar peixe para comercializar?
E quem cria peixe pra comercializar
são só os que detém poder econômico,
os grandes produtores que têm dinheiro?
É isso?
Ah,tá.

Zé Maria

Constituição Federal de 1988

TÍTULO III
DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
CAPÍTULO I
DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

Art. 20. São bens da União:
[…]
III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
[…]
VIII – os potenciais de energia hidráulica;
IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
[…]
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Art. 21. Compete à União:
[…]
XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; …

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[…]
IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
[…]
XIV – populações indígenas; …

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

Zé Maria

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Diante da Série de irregularidades e ilegalidades nesse Projeto,
como a invasão da Competência Federal para legislar sobre Rios
entende-se que, se for aprovado, não restará outra Alternativa
que não o Ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Já Conhecemos o Caminho do AgroGolp Tóxico e Predador
no Império da Ganância a qualquer Preço, inclusive o da Vida.
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Excerto

“Em consequência, outro setor diretamente favorecido é a piscicultura, que utiliza rações de grãos de soja e milho produzidas por famílias bem poderosas de Mato Grosso, como os Maggi.

Também será beneficiado o setor de geração de energia hidrelétrica, com forte influência política no governo estadual e nos órgãos colegiados de tomada de decisão” …

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