Bióloga Débora Calheiros, em carta aberta aos ministros do STF: Votem pela salvação do bioma Pantanal

Tempo de leitura: 4 min
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Por Débora Calheiros

Fotos: Mario Friedlander

A responsabilidade jurídica para a conservação do Pantanal

Carta aberta aos Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal

Por Débora Calheiros*

Peço desculpas pela ousadia, sou apenas uma bióloga que estuda há mais de 30 anos os processos ecológicos, no caso, hidroecológicos que regem o maior sistema de áreas úmidas do mundo.

Refiro-me ao bioma Pantanal, que, pela Constituição do Brasil, é Patrimônio Nacional.

No artigo 225 da nossa Carta Magna, estão previstos aspectos como responsabilidade do Poder Público e da coletividade em respeitar e conservar.

Atuo também na gestão de bacias hidrográficas, por meio da implementação no território da Política Nacional de Recursos Hídricos, que é regulamentada pela Lei 9.433/1997, no âmbito do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

A lei 9.433/97, conhecida como a Lei das Águas, determina, como ferramenta de planejamento e gestão, a necessidade de avaliação em nível de bacia hidrográfica. 

Isso significa avaliação de toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP) no que diz respeito à garantia dos usos múltiplos dos recursos hídricos e à previsão do instrumento de Outorga do Direito de Uso dos Recursos Hídricos para todos os usos, inclusive para o aproveitamento hidrelétrico.

No caso de rios federais, tal direito é conferido pelo órgão gestor federal, ou seja, pela ANA — a Agência Nacional de Águas.

 O bioma Pantanal não é apenas Patrimônio Nacional. É considerado também Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO (2000).

Especificamente na Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá, há dois Sítios Ramsar, segundo a Convenção Ramsar de Conservação de Áreas Úmidas de Interesse Internacional, da qual o Brasil é signatário, desde 1993.

Esses dois Sítios Ramsar de Importância Internacional são a Reserva Particular de Patrimônio Natural SESC Pantanal e Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense.

Se forem instalados ali os SEIS barramentos [barragens artificiais em rios para retenção de grandes quantidades de água] previstos para geração de energia hidrelétrica, esses dois Sítios serão afetados diretamente pelas alterações nos processos hidroecológicos, desrespeitando as diretrizes da Convenção Ransar e da UNESCO. Portanto, os compromissos que o Estado Brasileiro assumiu perante a comunidade internacional

Pois bem, a BAP, a bacia formadora do bioma Pantanal, tem o rio Paraguai como principal canal de drenagem de todo o Sistema BAP/Pantanal. E o rio Paraguai, por sua vez, tem como seu principal tributário o rio Cuiabá.

Esta sub-bacia é responsável pela maior produção pesqueira de todo o Sistema Pantanal, com reflexos na base da socioeconomia local e regional. Tanto pela geração de trabalho e renda quanto pela segurança alimentar por meio da pesca profissional, difusa, e do turismo de pesca.

Ou seja, a saúde ambiental do Sistema BAP/Pantanal garante os serviços ecossistêmicos e os benefícios à sociedade local e regional, como determina o artigo 225 da nossa Constituição.

A saúde ambiental do Sistema BAP/Pantanal preserva assim as bases das principais atividades econômicas regionais e a qualidade dos modos de vida das populações tradicionais.

Essas informações são frutos de estudos científicos que embasaram as decisões do Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Rio Paraguai, aprovados em 2018-2020, em especial a Nota Técnica Conjunta ANA 03/2020.

Esses estudos estimaram que a atividade da pesca na BAP gera uma movimentação econômica relevante:  cerca de R$ 1 bilhão e 700 milhões/ano!!!

Trata-se de uso de recursos hídricos de elevada importância cultural e socioeconômica, incluindo povos e comunidades tradicionais pantaneiras.

São usos pré-existentes ao aproveitamento hidrelétrico que querem implantar e devem ser considerados com base no respeito ao princípio de Usos Múltiplos, previsto na Lei de Recursos Hídricos.

No caso das hidrelétricas previstas para o rio Cuiabá, as outorgas NÃO FORAM CONCEDIDAS.

Estabeleceu-se um mapeamento das áreas de restrição de uso para aproveitamento hidrelétrico pela identificação de impactos expressivos no rio Cuiabá em termos de alteração do transporte de sedimentos e nutrientes e do livre fluxo de peixes migradores. Respectivamente, de importância geomorfológica, ecológica e socioeconômica para o Pantanal do Rio Cuiabá e todo o bioma (vide Nota técnica ANA 03/2020 mencionada acima).

Em geral, as decisões judiciais relacionadas a pleitos envolvendo conservação ambiental, direitos socioambientais e socioeconômicos são desfavoráveis. 

Costumam alegar que a conservação ambiental levaria à “grave lesão da ordem econômica” em relação ao potencial de desenvolvimento econômico que geraria.

Contudo, neste caso, já foi cientificamente comprovado que o valor econômico estimado pela atividade de pesca profissional, turística e difusa é muito mais significativo e tem maior alcance social e econômico em comparação ao valor resultante da geração de energia elétrica na principal bacia do bioma Pantanal, a bacia do rio Cuiabá. 

Esse valor econômico muito mais significativo da atividade de pesca profissional, turística e difusa é resultante da geração de trabalho e renda, economia familiar e segurança alimentar da população regional, incluindo comunidades e povos tradicionais, promovido pelo acesso ao peixe como proteína de alta qualidade e de grande atrativo para o turismo.

Por outro lado, também no meu entendimento como bióloga que há mais de 30 anos estuda o tema, a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) regulamenta os artigos Constitucionais que dizem respeito à competência da União em legislar sobre água, energia e potenciais de energia hidráulica, e os identificam como bens da União, por meio de concessão dos serviços de aproveitamento energético dos cursos d’água (Arts. 20 III e VIII; 21 XII “b”; 22 IV e 176), uma vez que:

Pela Lei das Águas todo empreendimento hidrelétrico deve ter o instrumento da outorga do direito de uso dos recursos para geração de energia hidrelétrica, concedida pela ANA em rios federais, além da aprovação do projeto e concessão pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e, posteriormente, ainda contar com o licenciamento ambiental.

Além disso, devemos considerar o nosso dever constitucional como coletividade em conservar o meio ambiente, em especial o bioma Pantanal, defendendo-o e preservando-o para as presentes e futuras gerações. É um dever da coletividade e do Poder Público.

Portanto, apelo fortemente aos senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal que avaliam a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7319.

Votem pela salvação do bioma Pantanal!

Inovem considerando a importância dos aspectos socioambientais também previstos no texto Constitucional, bem como os acordos internacionais.

Essa ADI é movida pelo setor elétrico contra a Lei do Estado de Mato Grosso (Lei 11.865/2022), que proibiu a construção de hidrelétricas no rio Cuiabá.

Uma única empresa se apossará de um rio que é um bem comum de TODOS os pantaneiros e de TODOS os brasileiros.

Débora Calheiros é bióloga, especialista em ecologia de rios do Pantanal e de conservação e gestão de bacias hidrográfica. É voluntária do FONASC – Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas.

Leia também:

Débora Calheiros: Pressão popular impede sequestro do rio Cuiabá pelo poder econônico em conivência com o Estado

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Débora Calheiros

Bióloga, especialista em ecologia de rios do Pantanal e de conservação e gestão de bacias hidrográfica. É voluntária do FONASC – Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas.


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Comentários

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Zé Maria

Tá Explicado: https://t.co/H4HePDaiSF

“Agenor Tupinambá, o tiktoker [da Filó], não é um ribeirinho (povo tradicional da região) como tem sido divulgado na internet, mas sim um ruralista e estudante de agronomia, cuja fazenda de criação de búfalos está inserida em área invadida e desmatada com um longo histórico de autuações por órgãos ambientais.”

https://twitter.com/AndreTrig/status/1654893505452310530

Zé Maria

A Água Doce é um Bem Público,
de Uso Coletivo, portanto,
constitucionalmente Protegido.

O Setor Privado está cometendo Crime
ao se apropriar ilegalmente
de um Rio,
no caso, o Cuiabá.

Zé Maria

Trecho do Artigo

“Neste caso, já foi cientificamente comprovado que o valor econômico estimado pela atividade de pesca profissional, turística e difusa é muito mais significativo e tem maior alcance social e econômico em comparação ao valor resultante da geração de energia elétrica na principal bacia do bioma Pantanal, a bacia do rio Cuiabá.

Esse valor econômico muito mais significativo da atividade de pesca profissional, turística e difusa é resultante da geração de trabalho e renda, economia familiar e segurança alimentar da população regional, incluindo comunidades e povos tradicionais, promovido pelo acesso ao peixe como proteína de alta qualidade e de grande atrativo para o turismo.”

Zé Maria

Excerto

“No meu entendimento como bióloga que há mais de 30 anos estuda o tema, a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) regulamenta os artigos Constitucionais que dizem respeito à competência da União em legislar sobre água, energia e potenciais de energia hidráulica, e os identificam como bens da União, por meio de concessão dos serviços de aproveitamento energético dos cursos d’água (Arts. 20 III e VIII; 21 XII “b”; 22 IV e 176), uma vez que:

Pela Lei das Águas todo empreendimento hidrelétrico deve ter o instrumento da outorga do direito de uso dos recursos para geração de energia hidrelétrica, concedida pela ANA em rios federais, além da aprovação do projeto e concessão pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e, posteriormente, ainda contar com o licenciamento ambiental.

Além disso, devemos considerar o nosso dever constitucional como coletividade em conservar o meio ambiente, em especial o bioma Pantanal, defendendo-o e preservando-o para as presentes e futuras gerações.

É um dever da coletividade e do Poder Público.

Portanto, apelo fortemente aos senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal que avaliam a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 7319.

Votem pela salvação do bioma Pantanal!

Inovem considerando a importância dos aspectos socioambientais também previstos no texto Constitucional, bem como os acordos internacionais.”

Jandira Maria Pedrollo

Parabéns pelo excelente, esclarecedor e oportuno artigo. Espero que atinja a sensibilidade do STF

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