Patrick Mariano: Que falta faz a ocupação de território de Brizola, Oscar e Darcy!

Tempo de leitura: 6 min

Quando se ocupava território através da educação – os CIEPS e a coragem de Brizola, Niemeyer e Darcy.

por Patrick Mariano, especial para o Viomundo

Dias antes do carnaval de 1984, o império das organizações Globo colocou todo seu aparato midiático bélico para detonar, ao mesmo tempo, a coragem de Leonel Brizola, a genialidade de Niemeyer e a visão anos luz à frente de Darcy Ribeiro.

Como sempre acontece, a ação midiática ecoa seus tentáculos pelo Poder e, somando-se à campanha virulenta da Globo contra os três, o porta-voz do General João Figueiredo, Carlos Átila, ao ser indagado sobre a inauguração do sambódromo na Sapucaí, cravou sem pudor algum: “tomara que chova três dias sem parar”.

A Rede Globo abriu mão dos direitos de transmissão [1]. O Carnaval do Rio não ia passar na TV. Diante desta ofensiva, Brizola contra-atacou e convocou todos os secretários, presidentes de empresas públicas para uma reunião, no auditório do Instituto de Educação, na Tijuca, e determinou que todos venderiam ingressos. A TV Manchete assumiu a transmissão.

O desejo das Organizações Globo e do General Figueiredo não só não se concretizou como o projeto de Niemeyer, Brizola e Darcy foi, e até hoje é, um espetáculo admirado no mundo inteiro.

E o que despertava tanto ódio das classes dominantes e do império Global? Embaixo das escadas em que todo ano se vê o público cantar sambas enredos que se tornam clássicos da música popular brasileira, havia escolas públicas que funcionariam em período integral. Só mesmo a genialidade e o compromisso de Darcy Ribeiro com a construção de uma nação, para pensar em casar o lúdico do carnaval, com educação pública de qualidade durante o ano todo.

Junto com o sambódromo funcionariam 2 CIEPs de Educação Infantil, uma creche e uma escola de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Um bom exemplo para se pensar na utilidade de estádios depois da Copa.

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Os CIEPS foram, de longe, o mais audacioso projeto educacional do Brasil. Representam, também, a recuperação do ideal do educador Anísio Teixeira e um sopro democrático, depois de décadas de abandono pelo regime ditatorial de uma proposta educacional pública séria para o País.

Interessante, neste ponto, o texto da Doutora Ana Maria Villela Cavalieri [2], da UFRJ:

A concepção básica, apresentada nos documentos oficiais, especialmente no “Livro dos CIEPs” (Ribeiro/1986) articulava, pelo regime de turno único, linhas de ação nas áreas de instrução, saúde e cultura, que pretendiam resultar numa escola democrática, com funções sociais e pedagógicas ampliadas. O projeto, criado e coordenado por Darcy Ribeiro, era fortemente influenciado pela obra teórica e prática de Anísio Teixeira.

Sobre os CIEPS [3]:

Os CIEPs, tal como projetados por Darcy Ribeiro, são unidades escolares onde os alunos permanecem das 8 da manhã às 5 da tarde. Cada CIEP possui três blocos. No bloco principal ficam as salas de aula, centro médico, cozinha, refeitório e um grande pátio coberto. No segundo bloco fica o ginásio com vestiário e quadra polivalente (pode ser utilizada também para apresentações teatrais, shows, etc.). No terceiro bloco fica a biblioteca e sobre ela as moradias para alunos residentes. Ainda segundo o projeto original, os CIEPs contariam com professores de educação física, artes, estudo dirigido, teleducação e animadores culturais.

Ao todo foram construídos 500 CIEPS e 400 CIACs (adaptação da proposta pelo governo Collor).

A proposta não se restringia, por óbvio a um governo, mas exigia que fosse incorporada como política de Estado. Como alguns governos não deram continuidade ao sonho do trio, se perdeu uma grande oportunidade de ação social nas periferias das grandes cidades.

A objeção das elites à escola pública de qualidade é antiga e visceral. No caso da Rede Globo, vem desde quando deu sustentação ao regime ditatorial e abriu seu capital para o grupo norte-americano Time-Life.

O regime militar de 1964 destruiu a educação como proposta de emancipação e transformação ao aceitar o acordo Mec-Usaid.

Sobre este acordo, vale resgatarmos a denúncia do inesquecível deputado Márcio Moreira Alves [4]:

A transformação das universidades brasileiras em fundações não representa apenas uma tentativa de se restringir ainda mais as já quase nulas possibilidades de acesso dos filhos da pequena classe média e do operariado ao ensino superior, o que lhes proporcionaria ascensão social. Vai muito além. É a colocação de todo o sistema universitário brasileiro na dependência do interesse direito e imediato do poder econômico norte-americano no Brasil.

Luiz Antônio Cunha [5] relata a ação nefasta no campo educacional praticada pelo novo regime político:

Assim, reitores foram demitidos, programas educacionais e sistemas educativos foram atingidos. Alguns casos dramáticos exemplificarão isso. Anísio Teixeira, que ocupava a reitoria da Universidade de Brasília, foi sumariamente demitido, logo nos primeiros dias do golpe. O Programa Nacional de Alfabetização, que utilizava o método Paulo Freire, que o dirigia, foi liquidado, até mesmo em termos financeiros. (…) O Movimento de Educação de Base, desenvolvido pela Igreja Católica, principalmente no Nordeste, foi contido por todos os lados, tendo seu material educativo apreendido, monitores perseguidos e verbas cortadas.

Pois bem, esse acordo (todos sabem) foi o estopim de uma série de atos públicos de repúdio por parte daqueles que acreditavam em um País melhor e, que para tanto, indispensável se fazia atenção e prioridade para a educação. O regime militar que se iniciava, contou com a complacência da Rede Globo para impor este duro golpe na educação brasileira.

Vê-se, portanto, que o flerte da emissora com o autoritarismo e contra os interesses de construção deste Brasil que se pretendia altivo e soberano, vem de longe. E, também, foi esta uma das causas da própria construção do império Global. Basta ler Chatô, o Rei do Brasil, de Fernando Morais, para se ter mais claro como isto se deu.

O apoio da Rede Globo à recente intervenção militar na favela da Maré

Este retrospecto histórico que tivemos que fazer visa fornecer elementos para explicar o porque de todo ódio da emissora desferido contra Brizola, Darcy e Niemeyer. Explica, também, a razão de toda a rejeição à proposta dos CIEPS e ao sambódromo.

É senso comum que para resolver os problemas de criminalidade e violência ao qual se vêem envolvidos uma parcela de nossos jovens, se faz necessário educação de qualidade e em tempo integral. No entanto, esta ação conflita historicamente com interesses poderosos que fazem com que este sonho se torne distante.

Recentemente, assistimos a “ocupação” de uma favela no Rio de Janeiro pelas Forças Armadas. Leio, no jornal O Globo[6] que 3 mil (!) crianças não tiveram aulas em razão das ações do Exército e do Bope no Complexo da Maré. A foto estampada na reportagem é simbólica: ao fundo um CIEP fechado, na frente soldados das Forças Armadas.

Nenhum País no mundo se fez grande, verdadeiramente, sem educação pública integral e de qualidade. Da mesma forma, intervenções repressoras não libertam territórios. Cria-se um círculo vicioso: suprimem-se liberdades individuais e se sufoca para impor uma ordem à qual aquelas pessoas nunca pretenderam. É a ordem dos de cima se impondo contra a dos de baixo. Tremendo contra-senso.

Os ilegais e arbitrários mandados coletivos de busca e apreensão nas casas dos moradores atentam contra a Democracia e nos remetem a períodos sombrios de exercício do poder sem peias.

Sintomático que a Rede Globo apóie a intervenção pelo exército nas favelas do Rio de Janeiro. Nada estranho nisso, dado o histórico da emissora. Coerente, portanto, pois sempre se colocou contra a educação pública de qualidade e favorável ao autoritarismo pela repressão das liberdades. É o medo da emancipação cidadã e de um projeto libertador voltado para os pobres.

O governador Leonel Brizola apresentou ao Brasil uma outra proposta de ação estatal na periferia que se dava através do investimento em escola pública de qualidade. Neste caso, o verbo ocupar está empregado corretamente. Foi trucidado pelo maior império de comunicação deste País.

Incorreto, portanto, o verbo empregado pelo Secretário de Segurança quando diz: ocupamos mais um território. Quando uma ação se dá através das armas e pela força bruta, pode se falar em invadir, vilipendiar, usurpar ou violentar. Nunca em ocupar.

50 anos passados do Golpe Militar, ainda nos vemos às voltas com ideais autoritários. Caiu o regime militar com a redemocratização. Sim, é verdade. No entanto, aquele pensamento que serviu de base para sua sustentação ainda está por aí, como espectros a nos rondar.

Que falta nos faz a coragem de Brizola, a genialidade de Niemeyer e a inquietude criativa de Darcy Ribeiro. E bons tempos aqueles em que se ocupava território com educação, cultura, esporte e, porque não, com o carnaval.

Notas

[1] A história pode ser melhor apreciada no texto de Fernando Brito: http://tijolaco.com.br/blog/?p=14704

[2] << http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/017_ana_maria_vilella.pdf >> Acesso em 31.03.2014.

[3] idem.

[4] ALVES, MARCIO MOREIRA. Beabá dos MEC-USAID, Ed. Gernasa, Rio de Janeiro, 1968, pg. 24.

[5] CUNHA, Luiz Antônio. O Golpe na Educação – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p.36.

[6] << http://oglobo.globo.com/rio/exercito-faz-buscas-por-armas-em-terreno-de-ciep-na-mare-11988315 >> Acesso em 29.03.2014.

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