O jornalismo não é um exercício de morbidez
28 de Novembro de 2013 | 23:39
O trabalho da repórter é pífio, metido a engraçadinho e brinca de “beliscar” a ideia de que o Hotel Saint Peter, onde – talvez – o ex-ministro José Dirceu trabalhará no seu regime prisional semiaberto, seja um hotel de luxo (embora, como a própria matéria o registra, esteja bem longe disso). Natural, coisa de alguém que acha que jornalismo é diversão descomprometida e tem as ideias de “matéria de ambiente” que transitam sobre o território da subliteratura.
Mas o editor do site do Estadão não foi apenas fútil como a repórter.
Agiu deliberadamente para “criar” uma impressão de “poder” ao escrever um título – a parte mais lida de qualquer matéria – assumidamente mentiroso.
“Novo trabalho de Dirceu terá vista para a Praça dos Três Poderes“ é a frase que encima a matéria.
Quatro linhas abaixo, a repórter escreve:
“Muito diferente da sala no 4° andar do Palácio do Planalto, com vista livre para a Praça dos Três Poderes, o novo endereço do ex-ministro será um espaço no subsolo do hotel, em um corredor mal iluminado próximo à garagem.”
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Não, não foi o chefe deste editor que o mandou fazer isso.
Foi a morbidez que tomou conta de minha profissão.
Já vi muito coleguinha de TV forçando a barra para fazer seu entrevistado chorar, combinando com o cinegrafista.
O ser humano objeto de sua matéria perde essa condição.
Vira algo a ser explorado: lágrimas e “mundo cão” dão “ibope”.
Os condenados estão sendo exibidos como pessoas cheias de regalias, em lugar de ser exibido um sistema cheio de crueldades.
Não choca a ideia de que negros, pobres e anônimos sejam maltratados num presídio, onde, em tese, vão se recuperar de seus descaminhos e regressar ao convívio social.
O chocante é que alguém não seja tratado como um animal, embora recolher-se, todo fim de tarde, a um presídio não seja propriamente a vida de um “rei dos camarotes”.
Mas não basta punir, é preciso maltratar, humilhar, porque a morbidez assim o exige.
E morbidez não é jornalismo.
É doença.
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Do Facebook, escrito pela Céli Pinto:
Nós gaúchos muitas vezes nos perguntamos porque este estado está tão decadente. Porquê nossos índices no ENEM são tão baixos, porquê temos uma dívida impagável? Por que somos o estado campeão em estupros? Ficamos nos interrogando: afinal Porto Alegre ficou conhecida no mundo pelo Orçamento Participativo e pelo Fórum Social Mundial, duas experiências que marcaram definitivamente as lutas por democracia nas últimas décadas do século XX e início do XXI e agora assistimos manifestações nazistas, nos deparamos com uma ultra direita doida e inculta e perguntamos porquê? Talvez a resposta esteja na artigo abaixo ou pelo menos ele explica muito de nossa ignorância e provincianismo. Um Estado onde um dos principais colunistas do seu principal jornal escreve um artigo na segunda página com o teor deste abaixo muito coisa se explica. Com este nível de reflexão só nos resta enfrentar a decadência com humildade.
Complementado pela Cris Rodrigues:
Bem falou a Céli Pinto, e completo: tá na hora de a imprensa ser apontada e se assumir como uma das principais causas da degradação intelectual e política que ela mesma critica.
Ego
O hipócrita tem o freio da própria hipocrisia, se os outros não gostam, ele hesita
por David Coimbra
Desconfio de qualquer um que seja doutrinário. O acólito, o seguidor de doutrina, o radical de qualquer crença, partido, igreja ou ideal, esse é inevitavelmente um idiota. Impossível ser radical sem ser idiota.
O radicalismo é um desvio de personalidade. Porque, ao radical, pouco importa no que ele acredita. O que importa é ele acreditar radicalmente em alguma coisa. O radicalismo é apenas um meio. Um instrumento em que ele exercita o seu egoísmo.
Assim a mulher feminista. É o pior tipo de mulher com quem conviver, porque ela justifica o seu egoísmo intelectualmente. A mulher feminista, quando faz o mal ao seu companheiro, alega estar sendo honesta com seus sentimentos. E sai pelo mundo de nariz erguido, repetindo com orgulho: sou uma mulher honesta! Sou uma mulher honesta!
Ora, ela foi honesta com os sentimentos DELA. E os dele? Uma pessoa que se preocupa só com os seus sentimentos e esquece o dos outros, o que é?
Egoísta. No caso da feminista, uma egoísta com discurso, cruzcredo.
Fuja da mulher feminista.
Também o político. Se você tiver de escolher entre um político idealista e um político hipócrita, quem você escolherá? O idealista, claro.
Pois você fará má escolha. O hipócrita tem o freio da própria hipocrisia. Se os outros não gostam, ele hesita. Quer dizer: mesmo que seja por interesse, ele, de certa forma, se preocupa com o sentimento dos outros.
Já o idealista não vacilará em cometer os maiores desatinos e as maiores desumanidades em nome do seu ideal. Porque o ideal dele está acima de tudo, inclusive das pessoas. Seja que ideal for, na ponta direita ou na ponta esquerda. O importante é que ele tenha essa justificativa para o seu egoísmo. Ele passa por cima dos outros e ainda bate no peito: tive que fazer isso, porque era no que acreditava.
José Dirceu é um idealista. Ele não queria se locupletar com o mensalão. Nada disso. José Dirceu tinha um projeto de poder para o PT, e acreditava que aquele projeto salvaria o Brasil, assim como a feminista acredita estar sendo honesta quando coloca os sentimentos dos outros como subalternos aos seus.
É por isso que José Dirceu acredita, de fato, que é um preso político, que é um injustiçado. Porque seu ideal dava salvo-conduto para quaisquer de suas ações, o ideal transformava seu egoísmo em doutrina. Para Dirceu, o seu egoísmo era mais do que isso: era heroísmo.
Ah, mas às vezes os egoístas são desmascarados, e aí lhes aguarda a danação. Aos egoístas, e às egoístas, está reservada a maldição dos versos finais da composição imortal de Lupicínio, Vingança:
“Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada. Sem ter nunca um cantinho de seu pra poder descansar”.
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