Dr. Rosinha: O Piauí vai permitir que Catarina e filhos morram?

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Tá doendo, amor? Tá doendo, não?

por Dr. Rosinha, especial para o Viomundo 

No segundo semestre do ano passado, foi instalada no Congresso Nacional uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar a violência contra a mulher no Brasil, cujo relatório final deve ser votado ainda este mês.

No início deste ano, o jornalista Luiz Carlos Azenha fez uma série de reportagens para a TV Record (publicada também neste blog) sobre a violência contra mulheres, crianças e adolescentes, principalmente na região norte do país.

Após contato entre meu mandato e a jornalista Conceição Lemes, do Viomundo, para a troca de informações, decidimos formar na Comissão de Seguridade Social e Família, a qual presido, uma subcomissão para investigar a violência contra a mulher e assim, dentro de nossas possibilidades, continuar o trabalho feito inicialmente na CPMI e pelas reportagens de Azenha.

A primeira viagem que fizemos pela subcomissão foi para o Piauí. Duas outras já estão programadas: Tocantins e Amapá. O artigo abaixo é o primeiro, espero que de uma série, e é fruto da ida ao Piauí.

***

Os muros são altos e acima deles há fios eletrificados. Para mim, homem simples sem nenhuma capacidade e técnica para saltos ou para escalar qualquer obstáculo, são muros impossíveis de transpor.

Os muros e as cercas eletrificadas são de uma casa num bairro residencial e distante do centro de Teresina, capital do Piauí. As casas próximas são moradas simples e modestas, sem muros altos e tampouco cercas eletrificadas. Isso demonstra que o bairro não é violento. Caso seja, os moradores são tão pobres que não têm recursos para erguer muros.

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Mas esta cerca e este muro não são para impedir que se roubem objetos, mas sim que se ceifem vidas.

Dentro dos muros a casa também é simples, modesta e limpa, como as outras do bairro, com as janelas e a porta da frente sempre fechadas. A porta dos fundos dá para um pequeno quintal, com uma pequena horta e uma mangueira alta, que no momento esparrama pelo chão suas folhas amareladas.

Dentro desta casa vivem seis crianças e quatro mulheres, além das funcionárias e dos seguranças que todos os dias entram e saem. Essas mulheres vivem, com suas crianças, prisioneiras de seus ex-maridos, ex-companheiros. Estão prisioneiras por que no Piauí, e no Brasil, não há polícia e tampouco Justiça. São mulheres e crianças ameaçadas de violência física, sexual, psicológica e de morte.

Diz a lei que não posso chamar estes homens (ex-maridos, ex-companheiros) de criminosos, porque não foram condenados. Mas como devo chamá-los, se são homens que violentaram suas mulheres e filhos? Se a lei não permite que assim sejam chamados, o corpo e a alma dessas mulheres que falam e gritam por Justiça permitem que assim a eles me refira.

Ao invés de a polícia agir e prender quem deve e a Justiça julgar com a rapidez exigida, ficam protelando. A lentidão da ação policial e do Poder Judiciário faz com que as vítimas estejam prisioneiras e os criminosos soltos.

Essas mulheres estão numa Casa Abrigo, sem o direito de ir e vir, enquanto seus ex-companheiros e ex-maridos, que são seus agressores, continuam soltos e felizes, ameaçando-as.

Catarina (o nome é fictício para protegê-la), uma dessas mulheres, tem cinco filhos e está no abrigo com três deles, que são menores. São lindas e carinhosas crianças. Os abraços que recebi dessas crianças são de profunda afetividade e de esperança. Sente-se em seus abraços, de pequenos braços, a esperança de poderem viver em paz e em liberdade. Viver sem medo. Seus olhares pedem socorro. São vítimas do pai e da inoperância do Estado.

Foram crianças espancadas e abusadas sexualmente, na frente da mãe, um irmão abusado diante do outro. Antes, o pai-monstro afirmava para Catarina que só esperava a filha fazer dois anos, idade em que estaria pronta para que ele a usasse sexualmente.

Há quatro meses há uma ordem de prisão contra o pai-monstro. No entanto, a polícia não sabe onde ele se encontra, apesar de todos os outros saberem.

Ele, segundo Catarina e o advogado da defensoria pública, presente no depoimento que nos foi dado, ameaçou-a de morte na frente do juiz. E o juiz o que fez? Nada, tanto que o monstro continua solto.

Foram muitos os espancamentos que Catarina sofreu e um deles foi tão violento que ela acabou internada na UTI. Nessa época, o monstro invadiu o hospital e desferiu nela 11 facadas. Catarina teve o nariz decepado e parte do rosto arrancada. Salva, está presa no abrigo, enquanto o monstro continua livre e a ameaçando.

Em lágrimas, que comovem a todos e a todas que ouvem seu depoimento, Catarina desfia um rosário de sofrimento e diz que “não tem palavras” para descrevê-lo. E nós sabemos que é verdade.

Tudo que se possa imaginar o monstro já fez: cortou o cabelo dela e dos filhos, à faca, sempre os ameaçando. Com uma faca de serra, destas de cozinha, também chegou a cortar lentamente uma perna de Catarina (que tem uma cicatriz comprovando a tortura) enquanto perguntava: “Tá doendo, amor? Tá doendo, não?”.

Segundo ela, o monstro nunca pôs comida dentro de casa. Passavam fome. Quando os vizinhos podiam, lhe entregavam um prato de comida pelo muro, sempre à noite e sempre às escondidas.

Ela, entre soluços, diz: “Estou marcada para morrer”.

Pela ineficiência do Estado e pelo machismo predominante na sociedade e nas instituições públicas, principalmente na polícia e na Justiça, esta mulher está marcada para morrer. O estado do Piauí vai permitir que isso ocorra?

Com a palavra, o governador.

DR. ROSINHA, médico pediatra, deputado federal (PT-PR), presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.

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