A editora Leila, Saldanha e eu no International Broadcasting Center de Roma
por Luiz Carlos Azenha
Em 1990 eu era correspondente da Rede Manchete em Nova York. Fiz parte da equipe que cobriu a Copa do Mundo da Itália. Foram quase dois meses percorrendo o país. Um trabalho agradável, já que não tinha compromisso com as notícias diárias nem com o terrível deadline, o prazo final para concluir reportagens. Viajava de carro com um cinegrafista brasileiro e um motorista italiano, de Nápoles, que frequentemente nos levava para comer o macarrão da mama.
Depois que o torneio começou, numa partida da qual já não me recordo, consegui entrar com a câmera nas arquibancadas — imaginem se isso seria possível numa Copa dos dias de hoje — e gravar minha participação com o jogo em andamento. O pessoal da central, em Roma, gostou, e passei a ser escalado também para acompanhar alguns jogos.
De nossa equipe faziam parte o Zagallo, o ex-árbitro Armando Marques e o inesquecível João Saldanha, que contrariando ordens médicas havia embarcado para a Itália. O estado de saúde dele era grave, João não tinha um dos pulmões e sofria de enfisema, provavelmente por causa de uma vida dedicada, como dizíam os antigos, à boêmia. Saldanha montou a melhor seleção brasileira de futebol de todos os tempos, a que venceu a Copa do Mundo de 1970, no México, mas foi substituído por Zagallo pouco antes do campeonato. Diz-se que foi por interferência do regime militar brasileiro, já que os ditadores não aceitariam dividir as glórias de um título com o comunista Saldanha.
Em Roma, Saldanha tinha acessos de tosse e a direção da equipe da TV Manchete em Roma ficou preocupada em mantê-lo sozinho em um apartamento de hotel. Providenciou-se um rodízio de colegas para dividir o quarto com Saldanha e ficar de olho nele durante a noite, enquanto a emissora providenciava a vinda da esposa do comentarista, o que aconteceu depois de alguns dias. Saldanha era levado de cadeira de rodas para o estádio Olímpico de Roma, comentava os jogos e voltava para descansar. Acreditem, ele continuou a dar algumas tragadas! Naturalmente que Saldanha ventava fogo contra o futebol medíocre da seleção de Sebastião Lazaroni, que foi eliminada pela Argentina.
Uma das partidas que cobri foi o sofrível 0 a 0 entre Inglaterra e Holanda em Cagliari, apelidado de “confronto dos hooligans”, já que havia grande temor de confusão entre os torcedores violentos dos dois países (a onda de violência nos estádios, que faria um grande número de vítimas em anos subsequentes na Europa, estava tomando corpo). Estive também nos bastidores da inesquecível semifinal de Nápoles, entre Itália e Argentina. Inesquecível não pelo futebol, o jogo foi 1 a 1. Mas pela presença de Maradona, o grande craque da Copa, vestindo a camisa argentina no estádio do time em que era considerado um semideus, o Nápoli. Naturalmente que Maradona provocou comoção nacional na Itália explorando o regionalismo e fazendo apelos aos napolitanos para que torcessem pela Argentina, já que no restante do ano eles eram, nas palavras de Maradona, “desprezados” pelos compatriotas. Os argentinos ganharam a semifinal nos pênaltis (Maradona marcou o dele). Foi divertido.
No dia da final, em Roma, estávamos sem credenciamento para assistir a decisão. O repórter Antonio Petrin se mostrava inconformado: “Viemos a Roma e não vamos ver a decisão?”. Por sugestão dele, fomos para diante do estádio Olímpico tentar cavar uma oportunidade. Encontramos com cerca de 300 torcedores argentinos, que realizavam um protesto e tentavam entrar na marra. Ficamos por perto, de olho na movimentação. Foi quando correu a notícia de que para evitar confronto os organizadores permitiriam a entrada daquele grupo, ao qual rapidamente nos juntamos gritando “arrentina, arrentina”. E foi assim que eu e o Petrin fomos parar nas arquibancadas do estádio Olímpico para ver a final. Como não havia lugares vagos para todos, nos sentamos na escadaria e vimos um jogo feio, em que a Alemanha Ocidental — naquela época ainda havia Alemanha Ocidental — derrotou a Argentina por 1 a 0, gol de Andreas Brehme (obrigado, leitores que me corrigiram), de pênalti. Foi meu dia de “argentino” derrotado, em Roma.
Dias depois, já de volta a Nova York, recebi a terrível notícia. Internado antes do jogo decisivo, por causa do agravamento de sua situação de saúde, João Saldanha morrera em um hospital de Roma.
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