Coordenador da ”Cátedra Google-USP em IA Responsável” é pai do diretor jurídico da Google Brasil
Tempo de leitura: 4 min
Coordenador da “Cátedra Google-USP em IA Responsável” do Instituto de Estudos Avançados é pai do diretor jurídico da Google Brasil
Informativo Adusp Online (Associação dos Docentes da USP)
Nomeado pela direção do Instituto de Estudos Avançados (IEA) coordenador acadêmico da “Cátedra Google-USP em Inteligência Artificial Responsável”, o professor titular Glauco Antonio Truzzi Arbix, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), é pai do diretor jurídico da Google Brasil, Daniel do Amaral Arbix.
A mais nova “cátedra” do IEA é fruto de uma parceria firmada em outubro último e lançada, em A mais nova “cátedra” do IEA é fruto de uma parceria firmada em outubro último e lançada, em cerimônia oficial realizada no último dia 2 de dezembro, na sala do Conselho Universitário e na presença do reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. e de Fábio Coelho, presidente da Google Brasil.
O professor Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Geociências da Unicamp, foi escolhido para liderar a “Cátedra Google-USP em IA Responsável”, cabendo a Glauco Arbix a coordenação acadêmica.
Pacheco e Arbix exerceram cargos importantes em instituições federais e estaduais de ciência e tecnologia.
Pacheco presidiu a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep, 1999-2002), foi reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA, 2011-2015) e, ainda, presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp, 2016-2025).
Arbix, por sua vez, presidiu o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA, 2003-2006) e a Finep (2011-2015) e foi membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (2007-2011).
De acordo com o Jornal da USP, órgão oficial da Reitoria, Arbix é o “idealizador” da Cátedra Google-USP em IA Responsável. No IEA, ele é o coordenador do Observatório de Inovação e Competitividade. Além disso, é o coordenador da área de Humanidades do Centro para Inteligência Artificial USP-Fapesp-IBM, outra parceria do instituto com uma multinacional do setor de Tecnologias da Informação (TI).
Apoie o VIOMUNDO
Reportagem do Informativo Adusp Online publicada na semana passada relatou duras críticas à parceria entre IEA e Google (Alphabet) por docentes da USP que identificaram total incompatibilidade entre os anunciados propósitos da “Cátedra Google-USP em IA Responsável”, de um lado; e os conhecidos interesses econômicos dessa big tech, bem como sua ativa oposição à regulação das plataformas, de outro lado.
“Não parece crível que pesquisa sobre o uso responsável e ético de tecnologias subsidiada pelos fornecedores destas mesmas tecnologias pode ser feita de maneira independente e isenta. Há um conflito de interesses gritante”, disse o professor Ewout ter Haar, do Instituto de Física (IF).
“Há aqui um conflito de interesses evidente: a produção intelectual e crítica de uma instituição pública não pode se confundir com os objetivos corporativos de empresas cujo histórico de atuação muitas vezes contraria os interesses mais amplos da sociedade”, manifestou o professor Sérgio Paulo Amaral Souto, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA).
Porém, a surpreendente informação, que surgiu posteriormente, de que existe um forte parentesco entre o coordenador acadêmico da nova “cátedra” do IEA e o diretor jurídico da Google Brasil acrescenta um novo componente à avaliação de conflito de interesses.
O Informativo Adusp Online encaminhou perguntas sobre o caso ao professor Glauco Arbix e à professora Roseli de Deus Lopes, diretora do IEA. Até o fechamento desta matéria, contudo, não recebemos respostas. Caso cheguem, esta matéria será devidamente atualizada.
“Sou incrédula e tenho receio principalmente desta parte: ‘equilibrar controle e inovação e negociar com USP e Google um arcabouço jurídico para experimentação’”, diz Priscila Leal, geóloga do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo (SinTPq), referindo-se ao primeiro tema a ser estudado pela cátedra em 2026, segundo o Jornal da USP, que é “Regulação e sandbox regulatório”.
Graças a uma parceria firmada diretamente com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Google apoderou-se do prédio histórico do IPT, empresa pública formalmente vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, e seu presidente no país anunciou, no lançamento da nova “cátedra”, que vai transferir para lá o seu centro incubador de startups (o IPT não pertence à USP, mas também se situa na Cidade Universitária do Butantã).
“Sabemos que existe um forte movimento, inclusive de partidos de esquerda, com vistas a ampliar a ‘elasticidade’ da lei de inovação paulista, dentro da Alesp, com respaldo de ‘fundações de apoio’ a universidades e institutos de pesquisas, sendo as ‘apoiadas’ apartadas deste debate. Tendo isto em vista, não tem como pensar que uma gigante da tecnologia como a Google não irá influenciar nas tomadas de decisão e moldar, através destas iniciativas, o pensamento acadêmico em benefício próprio”, adverte Priscila.
“Num momento de evidente atuação das corporações digitais contra a regulação, inclusive no Brasil, valendo-se de seu poder de mercado para desvirtuar o debate público, vide PL 2.630, e evitar a votação do PL sobre IA, atuando no Congresso Nacional contra questões centrais para a democracia e os direitos, como a proibição de desenvolvimento de IAs que tragam altos riscos; e em um contexto de aliança explícita das big techs com a extrema direita global, a partir de Donald Trump, inclusive contra a regulação da IA, causa espanto que uma universidade pública transforme seus espaços em centro de produção e difusão de propostas alinhadas a seus interesses”, avalia Helena Martins, professora do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Ao contrário, as universidades públicas, que historicamente foram centrais no desenvolvimento tecnológico e da própria Internet no Brasil, deveriam ser espaços para a produção de soluções tecnológicas e também de regulação com vistas à soberania digital, uma agenda que está posta em todo o mundo e que cresce no Brasil”, sustenta ela.
“Hoje, as universidades públicas pagam bilhões de reais para uso de softwares dessas big techs. Imaginemos que haja uma lei que determine o uso prioritário de softwares públicos. Com qual condição a USP participaria desse debate? Ela teria autonomia para contrapor-se aos interesses do próprio coordenador acadêmico da ‘cátedra’, pai do diretor jurídico da Google Brasil?”, questiona a docente da UFC.




Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!