De um leitor, via e-mail
Trabalho em uma área administrativa e tenho um cargo mediano dentro da hierarquia (“consultor” – algo intermediário entre analistas e gerentes), que é devidamente agraciado com o carimbo de “cargo de confiança”, o que significa que não há compensação das horas-extras em pagamento ou em “banco de horas”.
Oficialmente, deveria trabalhar as 8 horas diárias mas na prática dificilmente a jornada dos “cargos de confiança” é menor que 10 ou 11 horas por dia, ou seja, entrando às 9hrs da manhã dificilmente saímos antes das 20hrs ou 21hrs, sendo rotineiro ficarmos até às 23hrs e não são poucas as vezes que saímos no meio da madrugada.
É comum recebermos demanda após as 20hrs para a manhã seguinte sem que haja nenhuma espécie de desconforto por parte dos gestores, sendo também não raro alguém se indignar quando liga para alguém as 20hrs, por exemplo, e não ser atendido, como também é comum receber “cara feia” (e um follow up de todas as pendências) dos gestores se nos levantamos às 19hrs, assediando e constrangendo quem ousar ter uma agenda pessoal. Vale frisar que esta não é uma rotina deste ou daquele departamento, mas como relatei, faz parte de uma cultura bastante difundida dentro da empresa.
Deixando a questão legal momentaneamente de lado, gostaria de refletir sobre o conceito por trás deste tipo de cultura. Lógico que é normal em qualquer ambiente, setor ou empresa alguns picos de demanda (os famosos “fechamentos” financeiros ou jornalísticos, por exemplo) ou algum evento extraordinário que nos faça virar a noite uma vez ou outra, mas a relação de trabalho estabelecida e a qual tenho me submetido oprime tanto que o trabalhador acaba considerando jantar com a mulher ou tomar uma cerveja com os amigos artigos de luxo, da mesma forma em que estudar ou assumir qualquer outro tipo de compromisso regular como esportes ou algum hobbie se torna impraticável.
Até mesmo cursos envolvidos diretamente com sua função na empresa (ou seja, a empresa só ganha com a tua qualificação) são impraticáveis e o teu compromisso acaba sendo motivo de constrangimentos.
Desta forma, evidentemente, a empresa passa a contar com funcionários menos motivados e menos criativos. A rotatividade dos funcionários é maior e há inúmeros casos de afastamento por síndrome do pânico, sem contar sintomas secundários como pressão alta, obesidade etc.
Minha atividade, por exemplo, me gera um prazer grande ao desenvolvê-la, mas meu poder criativo e analítico com certeza estão sufocados por este ambiente opressor e confesso que abriria mão desta atividade se tivesse a oportunidade de trabalhar em uma jornada normal de trabalho e pudesse me dedicar também aos outros aspectos da minha vida. Ou seja, até do ponto de vista da empresa, de produtividade, poder de realizações, etc., esta política de sufoco é contraproducente.
Gostaria de tentar entender o porquê desta “miopia”. Me assusta também que há muitas pessoas que trabalham desta forma e acham que é normal e que parecem já anestesiadas com este sufoco e o aceitam.
O segundo ponto que quero levantar é a utilização dos chamados “cargos de confiança” para validar jornadas extremas sem limitação (a maior eficiência de pagamento pela hora extra não seria a remuneração em si, mas a “pena” para a empresa e conseqüente limitação para a utilização desta) e sem o constrangimento de se utilizá-las, incorporando-as totalmente na cultura da empresa.
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Há áreas em que todos os funcionários são “de confiança” sem que nenhum seja considerado executivo ou tenha equipe abaixo, ou seja, há respaldo jurídico em chamá-los de confiança e ignorar qualquer limitação das jornadas? Os cargos de confiança não estariam desvirtuados quando não há neles posição de comando e quando eles preenchem majoritariamente algumas áreas? Estes cargos de confiança (consultores, como no meu caso) não seriam simplesmente “analistas de luxo” sem limitação de jornada?
O último ponto que gostaria de levantar é a falta de um respaldo para qualquer tipo de reivindicação. Me sinto desamparado em todas as esferas em que poderia reivindicar algum tipo de decência na minha relação trabalhista, me sentindo coagido a aceitar qualquer tipo de situação, sem contar a difamação natural como “esse cara não agüenta nada”, “fracote”, “pinel”, etc.
Conversando com meu chefe (que não é nenhum crápula mas incorpora este tipo de relação e cultura trabalhista), vou ouvir que esta é a situação da empresa e que se eu não agüento eu tenho que sair. Se procurar o RH, vou ficar com a pecha de “dedo-duro” e logicamente que isso será compartilhado com meu chefe e certamente teria represálias.
Na terceira esfera onde poderia reivindicar algo, na justiça trabalhista, como todos sabemos há uma ameaça velada de não empregabilidade se entrarmos com qualquer processo, afinal sabemos que esta é uma consulta rotineira entre os RHs e assim ficaria “queimado”. Desta forma, a opressão é maior ainda, pois temos que agüentar calados e aceitar esse tipo de relação antiga, insalubre e extremamente opressora.
Um abraço




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