Heloisa Villela: Os americanos aprenderam pouco com o 11 de setembro
Tempo de leitura: 4 min

Sadako tinha muito a ensinar
por Heloisa Villela, de Nova York
Um museu-memorial. Mais um para o 11 de setembro.
Confesso, me deu preguiça só de pensar em entrar e ver do que se tratava.
Lá se vão mais 15 anos do atentado que pegou os Estados Unidos de surpresa. Acompanhei de perto quando aconteceu. Filho recém nascido, outro já andando, totalmente alheios, claro, ao que se passava.
Hoje prestes a sair de casa para ingressar na faculdade, eles conhecem a história daquele dia, visitaram o local com a escola. Mas até onde conhecem realmente tudo que diz respeito ao ataque? Ao antes? Ao durante? E especialmente, ao depois?
Eles acompanham o que eu faço. Sabem das guerras que se seguiram e das mentiras pregadas para chegar lá.
Com eles não me preocupo tanto. Mas os colegas, país afora, sabem pouquíssimo. E foi por isso, segundo Lee Ielpi, que mais um museu foi criado.
Este, iniciativa dos parentes dos mortos no ataque. Lee Ielpi é guia aqui sempre que pode. E ele quase sempre está disponível. Me leva da entrada às galerias. Uma a uma. Começando em uma sala bastante escura.
Apoie o VIOMUNDO
Na parede, uma tela com as cenas da época. Aquelas conhecidas: os aviões se chocando contra as torres. Partindo aço e vidro como se fossem facas fatiando o arranha-céu. Aquela caixa escura e envidraçada que tinha ar de poder e dinheiro se torna frágil e débil em questão de segundos. O que vem a seguir é o horror já conhecido.
Dali para as primeiras consequências. Grandes lascas de metais retorcidos. Objetos incinerados. E o colete do bombeiro Jonathan Ielpi todo queimado. Jonathan, filho de Lee, era bombeiro como o pai.
Na parede da memória, montagem de fotos, ele aparece sorridente, deitado de barriga para baixo.
Os dois filhos pequenos deitados sobre ele. Meninos que hoje são adultos. Um se lembra bem do pai. O outro, nem isso.
Lee não consegue terminar a visita sem marejar os olhos e embargar a voz. “É sempre assim”, me diz. “E no dia que eu não sentir mais nada, vai ser hora de parar”, explica.
A ideia aqui, conta, é fazer com que as pessoas sintam mesmo. Se emocionem. Por isso, todos os guias são parentes de pessoas que morreram no ataque ou os que enfrentam as consequências do trabalho de limpeza.
Quem ficou ali mais de um ano trabalhando, retirando os escombros, hoje tem problemas sérios de saúde. Lee é um deles. Ele não arredou pé do lugar.
Trabalhou o tempo todo e encontrou o corpo do filho. Foi dos poucos. A grande maioria encontrou um dedo, um braço…
Mas Lee não me deixa enveredar demais pelo sofrimento dele. Conta que tem nódulos no pulmão, uma sinusite que não passa e segue em frente como se não fosse grande coisa.
Ele quer chegar nas duas últimas galerias. O ponto principal deste museu. Aqui, os parentes contam o que estão fazendo em memória do filho, pai, mãe, tia, irmão, primo que perderam.
Lee destaca as americanas que perderam os maridos no ataque e foram para o Afeganistão montar escolas para viúvas afegãs. Ele me diz que a saída é fazer algo. Comprometer todos os visitantes que passam por aqui com alguma ação, projeto, organização que busque mudanças. Que combata o ódio e brigue pela construção de um mundo melhor.
A principal peça de decoração da sala são origamis enormes, pendurados no teto, formando um grande móbile de ponta cabeça, leve e colorido.
Na mesma sala, um origami minúsculo chama a atenção. No Japão, diz a lenda que quem dobrar mil pássaros de origami realiza um desejo.
E foi por isso que colegas de escola de Sadako Sasaki convenceram a menina a fazer os pássaros de papel. Sadako ficou doente por causa da radiação da bomba atômica americana lançada sobre Hiroshima quando ela era muito pequena, no fim da segunda guerra mundial.
Aos 12 anos, em 1955, Sadako estava morrendo de leucemia. Quando se deu conta de que as crianças do hospital, com a mesma doença, estavam morrendo, ela entendeu que não sobreviveria e mudou o pedido.
Ao invés de sobreviver à doença, ela continuou fazendo os origamis pedindo paz no mundo. A foto de Sadako está no memorial do 11 de setembro, ao lado de uma foto da menina. O país que jogou as bombas atômicas no Japão homenageia a criança japonesa que pediu paz no mundo.
Lee diz que é responsabilidade de todos brigar por dias, meses a anos melhores. Por isso eu quero saber o que ele tem a dizer sobre a guerra do Iraque, deflagrada como resposta aos atentados de setembro de 2001. Uma mentira que hoje o mundo inteiro sabe que foi inventada pela Casa Branca.
Lee não tem opinião. Insisto. E vem a resposta americana clásscia: “não falo de política”. Mas Lee, essas respostas individuais não vão dar conta do recado. Se não houver uma resposta coletiva, nada acontece, nada muda. Ele é taxativo e fecha questão. Não está aqui para tratar de política. Mudo a pergunta.
— Como cidadão, não como guia do museu ou parte do conselho diretor dessa organização, como cidadão que vota, que é representado pelo governo A, B ou C, como reage às guerras feitas em seu nome?
Sem chance. Lee mostra os projetos de ONGs criadas depois dos atentados. Os fundos levantados para programas no Afeganistão, no Iraque…
Toda a emoção que ele despertou em mim, a solidariedade e a empatia, se transformam em frustração e até uma certa raiva. Aqui existe sempre esse muro intransponível.
Se for preciso analisar, criticar, pensar de onde vem o ódio que levou aos ataques, o que fazem os Estados Unidos no planeta, as ocupações, guerras e conflitos…
É como se não fosse com eles, ou em nome deles, eleitores americanos, que os governos agem. E aqui acaba a conversa. Acaba a visita e fica claro que é pouca a chance real de mudança.
Leia também:




Comentários
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!