Nasser: Revolta da rua árabe vai chegar ao solo europeu

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Foto Revista Fórum

por  Manuela Azenha

O professor Reginaldo Nasser, mestre em Ciência Política pela UNICAMP e doutor em Ciências Sociais pela PUC (SP), tem opiniões que vão contra o “senso comum”, quando se trata das revoluções no Oriente Médio e no norte da África. Ele acha que a alta do preço do petróleo é mero movimento especulativo, já que todos os envolvidos nas revoltas querem preservar o petróleo como sua principal fonte de renda.

Ele acredita que a revolta vai provocar mudanças nas lideranças de Israel, mas também do movimento palestino.

E que o Irã, ao contrário do que muitos comentaristas tem escrito, pode sair perdedor deste período de turbulências.

Publicamos agora a terceira e última parte da entrevista. Para quem não leu, faz mais sentido no contexto geral das partes anteriores.

Manuela– E com esses aliados dos EUA e de Isarel caindo, qual é a implicação para o Irã?

Reginaldo Nasser
– Tem muita gente dizendo que o Irã ganha, mas eu acho que o Irã perde. O Irã está perdendo porque o Ahmadinejad só fica bem num ambiente com radicalização.

Ele se vira bem porque ele afere benefícios disso. Nesse ambiente sem radicalização, ele não tem o que dizer. Ele está tentando desesperadamente capitalizar esses movimentos.

Ele ganharia quando tinham as oposições porque ele dizia lá dentro do Irã, que o Mubarak é um vendido para os Estados Unidos e ele estava certo. Dizia que Isarel queria atacá-lo e era verdade.

Ele vai começar a perder o apoio interno. Ele tem muito apoio popular mas de influência política na região ele perde.

O bin Laden nem se diga, Netanyahu, neoconservadores, estão perdendo. O Iraque, semana passada teve um movimento igualzinho ao da Líbia. Foram mortos dezenas de civis desarmados.

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As notícias que vem do Iraque ou são de bomba dos EUA ou de bomba de atentado. Era uma movimentação pacífica e foram reprimidos e mortos.

Se não tivesse havido a invasão, com certeza iriam derrubar o Saddam Hussein agora, sem matar 200 mil pessoas. E os manifestantes não querem ajuda estrangeira.

Materialmente até, tudo bem, mas simbolicamente a ajuda estrangeira é muito ruim. Só serve para não ter assimetria, os caras tem avião supersônico e nós não temos nada. Então tira a zona aérea que nós resolvemos aqui.  Isso é a melhor coisa, é uma das coisas mais importantes que tem.

Manuela – Na Líbia, diferentemente do Egito e da Tunísia, eles carecem de instituições fortes devido à centralização do Gadaffi, instituições que ajudaram a conduzir o processo de transição no Egito e na Tunísia. Como isso vai se resolver na Líbia?

Nasser – Vai ser mais complicado. Mas em Benghazi e na Cirenaica, eles poderiam muito bem ter declarado a independência de Cirenaica e eles não fizeram isso.

Mal comparando com o que já existiu na Europa, nos Bálcãs, eles não fizeram porque eles estão pensando na Líbia. A intencionalidade dos manifestantes é de união.

Terão dificuldade institucionais, é verdade, mas não na intenção. Estão levantando a bandeira da Líbia. Até o momento, não está aparecendo em nenhum lugar nenhum movimento de separatismo.

Isso é muito importante. Muita gente confunde isso com pan arabismo. Isso é da década de 60 e foi entre governantes.

Eu estou falando da rua árabe. É legal porque o Egito fez referência à Tunísia, a Líbia faz ao Egito. Isso é complicado para os EUA .

O [Anuar] Sadat que precedeu ele [Mubarak, no Egito], quando fez o acordo com Israel, que tem a foto com o Jimmy Carter espalhada pelo mundo como momento de paz, foi momento de problema dentro do Oriente Médio, porque ele disse: eu assino o acordo de paz e o resto que se vire, isolando o movimento dos palestinos.

O Egito era o líder do pan arabismo. Israel vai devolver o Sinai [ao Egito], vamos viver bem com Israel, a Síria que se dane, Jordânia que se dane. E depois um a um, foram fazendo suas partes sem essa, conexão então ficou um despropósito.

Os governos se separaram e restou a rua árabe. O Zogby, instituto de pesquisa dos EUA, mostra que a questão palestina e árabe é um problema interno, da rua árabe.

Não tem essa ideia de esquecimento na rua árabe e é essa rua que está trazendo as coisas de novo. Os governantes se venderam, as elites se venderam.

É tudo hipocrisia que alguém ajudou os palestinos, ninguém ajudou em absolutamente nada.

Manuela– E a questão das migrações, como vai se resolver?

Nasser – Quando começou essa rebelião, o Ahmadinejad falou: vai alastrar e vai para a Europa. Ele sabe do que está falando. O problema do europeu não é com o petróleo, é com a migração.

Disso eles estão morrendo de medo. O problema se alargou por causa da migração. A Europa está um caldeirão, um barril de pólvora, vai explodir.

Cresce a direita, aumenta a repressão aos migrantes e vai crescendo a rejeição e a xenofobia. No caso da França, os filhos dos argelinos são mais radicais do que os pais que nasceram na Argélia.

Eles sentem a rejeição da sociedade a reagem a isso. Chamam essa questão da migração de crise humanitária.

Crise humanitária é o que tem em vários países da África. Eles chamam de crise humanitária quando vai para a Europa.

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