Crise nas arquibancadas: A torcida alheia é melhor que a nossa?

Tempo de leitura: 4 min

Colombianos torcem em Brasília. Eles empurram mais o time que os brasileiros?

por Luiz Carlos Azenha

O Brasil vive uma crise na Copa. Uma crise da qual não ser quer falar, por ser politicamente incorreto. Afinal, mesmo que indiretamente, representa uma crítica a outros brasileiros.

Não estávamos lá, mas uma boa parte dos jornalistas presentes a Brasil x México, em Fortaleza, considera que a torcida mexicana ganhou o duelo.

Por que?

Não sabemos. Podemos apenas aventar algumas hipóteses. Tivemos a sorte de testemunhar os dois jogos da Colômbia até agora nesta Copa. Um em Belo Horizonte, outro em Brasília. Em ambos, a torcida colombiana fez o papel de décimo terceiro jogador, incentivando o time com o grito de “ole, ole, ole, ole, ole, ola, hoy mi Colombia va ganar”. É a chamada “febre amarela”.

Enquanto o refrão dos colombianos diz respeito diretamente à seleção, o mais conhecido dos brasileiros diz respeito a eles próprios, torcedores: “Eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”.

Ou seja, é um agrado ao próprio umbigo, de uma torcida que parece mais preocupada em postar “selfies” no Facebook e não entende a dinâmica do jogo.

No mesmo Facebook, um leitor chegou a propor uma ideia radical:

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Mauro Moreira

Sem falar dos lugares vazios, ingressos destinados a patrocinadores que não foram usados, etc. Se EU fosse a DILMA, já coordenava com o Ministério dos Esportes, Comitê Organizador e FIFA uma solução. Que tal após o inicio de um partida, permitir a entrada nos estádios de uma quantidade X de torcedores? Poderia se articular com comunidades carentes, fazendo uma cadastro reserva, etc.

Essa sugestão foi feita depois que eu, Azenha, na brincadeira, sugeri que se convocasse urgentemente a torcida do Flamengo, com o que eu quis dizer convocar “o povo” a torcer pelo Brasil. Torcedores que saibam puxar coros e inventar refrões, como a torcida do Flamengo e de tantos outros clubes brasileiros.

Numa pesquisa não científica feita em três partidas da Copa, constatei que a grande maioria dos brasileiros presentes não é frequentadora de estádios e mal sabe torcer.

Tratamos disso em um capítulo do livro O Lado Sujo do Futebol: a privataria vai afastar os pobres do estádio, aqueles que realmente se importam com o destino de seus clubes de futebol.

Esta reportagem da Folha de S. Paulo dá uma ideia do que pode vir a prejudicar o Brasil nas próximas partidas:

Comunidade pobre ao redor do Castelão assistiu à ‘elite’ desfilar

ELIANE BRUM

ENVIADA ESPECIAL A FORTALEZA

17/06/2014 18h23

“Você viu o corredor?”, pergunta Michele Sancho, 28 anos, professora universitária. “Me senti muito mal.”

Michele se referia ao longo corredor por onde ela e a família, junto com outros milhares de torcedores, passaram para entrar no Castelão, em Fortaleza, para assistir ao Brasil jogar contra o México. Mais de uma centena de metros em linha reta, atravessando a comunidade pobre que se debruçava sobre a grade na tentativa de vender alguma coisa ou só “ver como as pessoas se vestem”. Michele escreve uma dissertação de mestrado sobre o “Conceito Constitucional da Dignidade Coletiva”. “Vi minha dissertação ir embora ao passar por aquele corredor.”

A cena era impressionante — pelo menos para quem se impressiona. Uma passarela em que torcedores, a maioria brancos, desfila sua felicidade rumo ao estádio, enquanto os pobres, a maioria pretos e pardos, se debruçam para vê-los passar. Há quem se constranja, como Michele e a família, assumindo-se como “elite”. “Uma situação como essa estimula a raiva e o ódio”, diz Marcos Sancho, 62 anos, administrador de empresas. “Napoleão já dizia que, se não fosse a religião, os pobres tinham devorado os ricos.”

Há os que recusam a classificação. “Não pode dizer que todo mundo aqui dentro é filhinho de papai. Tem gente que trabalha dentro do estádio, não fica esperando o governo”, pontifica Victor Hugo Batista de Araújo, 33 anos, “dono de imobiliária, mas comecei como corretor”. Ele faz questão de dizer que foi um dos que xingou Dilma no Itaquerão. “Gritei porque não gosto dela e tem de ser agressivo mesmo.”

Poucas vezes o lado de dentro foi tão imageticamente dentro. Ao ouvir a opinião de Araújo, o advogado paulistano Marco Aurélio Purini aborda a repórter. “Eu penso totalmente diferente dele, quer ouvir? Vim para cá de táxi e o taxista, que mora aqui perto do estádio, disse que queria muito poder entrar. Eu entrei, ele não. Passei por esse corredor inteiro pensando que toda a população brasileira queria estar aqui, mas só eu e muito poucos conseguem entrar. O Castelão reflete o Brasil: uma arena moderna, de última geração, convivendo com uma das partes mais pobres de Fortaleza.”

Do lado de fora, dessa vez explicitamente fora, Jurandir Fernandes da Silva, 45 anos, decorador de gesso, assiste ao desfile com os amigos. “A gente fica triste de mais uma vez ficar de fora, mas a vida toda foi assim, não podemos fazer nada. Só ver eles entrar e sair.” E ele vê, com os amigos, como se estivesse diante de um programa de TV, conformado com o lugar de plateia. Alguns metros antes dele, Robson Tavares Galvão, 32 anos, motoboy desempregado, tenta vender latinhas de cerveja. “Não adianta protestar por ficar sempre do lado de fora. Isso é reserva de classe social.”

O cozinheiro Antonio Erlir Paiva, 33 anos, levou três dos quatro filhos para assistir ao desfile dos torcedores. “Esses são meus filhos”, apresenta, orgulhoso da lindeza de seus meninos. Maria Suiane, de sete, Antonio Alisson, de seis, e Maria Iasmin, de dez, botaram roupa bonita e até maquiagem Iasmin fez. “O Brasil ainda não está no ponto de ser todo mundo igual, mas a gente fica satisfeito só de olhar, ver como as pessoas se vestem”, ele diz. “Tou esperando minha patroa passar. Ela sempre passa por aqui e ontem me ligou dizendo que conseguiu ingresso. Eu gosto de ver ela passar.”

Leia também:

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