
O mauricinho ganha para criticar o salário alheio
Acorda Gustavo
Publicado em 14/05/2014
por Luiz Carlos de Freitas, em seu blog, sugerido por Vanessa Crecci, no Facebook
No Japão todos se curvam perante o Imperador – menos o professor. E não me consta que o Imperador faça um teste para saber quais são os bons ou maus professores. Reclamam do salário também, mas são respeitados.
No entanto, no Brasil dos reformadores empresariais, Gustavo Ioschpe (G.I.) se permite pontificar em seu artigo na Veja, chamado “Professores, acordem!” de 11-05-2014 que:
“… nos últimos anos tenho chegado à conclusão de que falar com o professor médio brasileiro, na esperança de trazer algum conhecimento que o leve a melhorar seu desempenho, é mais inútil do que o proverbial pente para careca.”
Para GI, os professores são ignorantes e não conhecem a realidade. Ele sim conhece. Não me consta que ele dê aulas no ensino básico, mas quem sabe… ainda se lembre de algo do seu tempo de estudante.
Gustavo Ioschpe é proprietário e presidente da G7 Cinema, empresa dedicada a produção e distribuição de filmes cinematográficos, operação de salas de cinema e edição de livros. Ioschpe participa de algumas organizações não-governamentais brasileiras ligadas à área da educação. É membro fundador do Todos pela Educação e membro dos Conselhos do Instituto Ayrton Senna e Fundação Iochpe. Também participa do conselho de administração da Maxion-Ioschpe onde substituiu seu pai em 2007.
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O mau humor de GI é agravado pela rejeição que sofre entre os próprios reformadores empresariais. Pelo seu radicalismo, ninguém faz eco a ele, só a Veja.
Ele precisaria ouvir as “cobras e lagartos” que se diz dele entre os próprios reformadores. Nem mesmo estes toparam as placas com o IDEB que ele queria levantar em cada escola.
Passa seus dias ganhando dinheiro com seus empreendimentos e nas horas vagas é franco atirador contra aqueles que deveriam ser respeitados pela tarefa que têm em suas mãos, ou seja, a tarefa de formar as novas gerações por um valor mensal muito inferior ao que ele ganha.
Diz ele:
“A imagem que vocês vendem não é a de profissionais competentes e comprometidos, mas a de coitadinhos, estropiados e maltratados. E vocês venceram: a população brasileira está do seu lado, comprou essa imagem (nada seduz mais a alma brasileira do que um coitado, afinal). Quando vocês fazem greve — mesmo a mais disparatada e interminável —, os pais de alunos não ficam bravos por pagar impostos a profissionais que deixam seus filhos na mão; pelo contrário, apoiam a causa de vocês. É uma vitória quase inacreditável.”
Menos GI. Estamos avançando, mas ainda não podemos falar em vitória. Mas a teremos. Incrédulo e desanimado, ele acha que toda a população brasileira está errada. Foi enganada pelos professores. Mas ele, com sua sabedoria, não foi. Curvemo-nos ao sábio e honorável guru. Entre GI e os 80 pesquisadores ao redor do mundo que questionam suas sábias estratégias para melhorar o ensino e os professores, fico com os últimos.
Irado em seu “artigo” na Veja, GI vaticina:
“Os 10% do PIB e os royalties do pré-sal serão a danação de vocês. Porque, quando essa enxurrada de dinheiro começar a entrar e nossa educação continuar um desastre, até os pais de alunos de escola pública vão entender o que hoje só os estudiosos da área sabem: que não há relação entre valor investido em educação — entre eles o salário de professor — e o aprendizado dos alunos.”
Curioso como negando que o salário seja central, fixa sua análise exatamente no salário. Coloca nas costas dos sindicatos e professores algo que ele inventou. A questão não é só salarial e os professores e seus sindicatos sabem muito bem disso.
Além disso, os sindicatos estavam aqui muito antes da qualidade da educação ser um problema.
Mas… note bem – ele já tem a solução:
“Existem muitas coisas que vocês precisarão fazer, na prática, para melhorar a qualidade do ensino, e sobre elas já discorri em alguns livros e artigos aqui.”
Leiam GI, é simples. De preferência, contratem-no para palestras. Ilustrem-se…
“… vocês não podem menosprezar a ciência e os achados da literatura empírica sempre que, como na questão dos salários, eles forem contrários aos interesses de vocês. Ou vocês acreditam em ciência, ou não acreditam.”
Bem, se usarmos a lógica de GI com seu próprio “artigo” na Veja, podemos chegar a conclusão idêntica: seu artigo é absolutamente inútil para a formulação de políticas públicas exatamente por esta razão. Ignora a ciência disponível.
Se GI levasse em conta a evidência disponível sobre suas ideias, não persistiria nelas. Sua conversa é a mesma dos reformadores empresariais americanos nos últimos 30 anos. Não consta que ela tenha melhorado a educação americana.
Isso sim é ciência. E está disponível para estudo. No Chile, mesma coisa, com a novidade que o país agora começa um processo de reversão da aplicação das ideias que GI propõe, após passeatas que variaram entre 80 e 100 mil pessoas. Acorda Gustavo.
O fenômeno educacional é multideterminado. Se isolar o salário do contexto, ele não resolve. Não há bala de prata em educação. Mas se lidar com o salário no contexto das outras variáveis (por exemplo, nível sócio econômico do aluno, escola de tempo integral, infraestrutura da escola, etc.) então, o conjunto faz diferença.
E claro, para quem é empresário e não vive de salário, é sempre fácil dizer:
“… abandonem essa obsessão por salários. Ela está impedindo que vocês vejam todos os outros problemas — seus e dos outros. O discurso sobre salários é inconsistente.”
Finalmente, GI termina com uma pitada de empreendedorismo salvacionista empresarial:
“O respeito da sociedade não virá quando vocês tiverem um contracheque mais gordo. Virá se vocês começarem a notar suas próprias carências e lutarem para saná-las, dando ao país o que esperamos de vocês: educação de qualidade para nossos filhos.”
Está dito.
Bem, fiquemos por aqui. Na Roma antiga, para cada cristão que era lançado aos leões, apareciam outros dez. O melhor é não fazermos mártires. Vai passar.
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