Raquel Rolnik: Ampliação da marginal do Tietê, mais enchentes

Tempo de leitura: 3 min

Ampliar a marginal repete erro histórico do urbanismo paulista. Mais enchentes e colapsos do sistema viário

Publicado em 10/09/2009

por Raquel Roknik, no seu blog

Um estudo publicado na quarta-feira, 9, no jornal “O Estado de S. Paulo”, mostrou que a construção de novas pistas na marginal do Tietê terá como conseqüência a redução da área permeável da cidade. É verdade que haverá uma compensação ambiental, mas nem todas as árvores serão plantadas exatamente na marginal.

No mesmo dia o governador José Serra negou que as obras tenham contribuído para o transbordamento do rio, o que não ocorria há dois anos. Segundo ele, a ampliação das pistas não vai tirar um metro quadrado de permeabilidade do solo por causa da compensação ambiental. E o Ministério Público quer paralisar as obras da marginal, que mal começaram.

Em primeiro lugar, não é verdade que a construção de novas pistas na marginal não diminuirá a permeabilidade do solo. A cidade vai sim perder permeabilidade. Com essa obra serão perdidos 19 hectares – como se fossem 19 quadras da cidade de área permeável virando asfalto. A compensação ambiental, por meio do plantio de árvores, não irá compensar isso, pois as árvores serão plantadas em áreas verdes, que já são permeáveis hoje.

Mas é importante explicar que não é só porque perderemos esses 19 hectares que as enchentes aumentarão. No temporal de terça-feira houve sim um volume de água excepcional. Mas volumes de água excepcionais irão acontecer muitas vezes daqui para frente. A principal questão é que quando você coloca todo o sistema viário principal da cidade amarrado em cima dos rios, sempre que há um alagamento ele fica totalmente paralisado.

Por essa razão, o alargamento da marginal do Tietê é um erro urbanístico. É repetir o erro que já foi feito na história da cidade, fazer com que ele seja reiterado. E a prova disso foi a enchente que acabou de acontecer.

Mas não é só isso. Um problema é a área impermeável lá embaixo, ao lado do rio. Outro, mais importante, é a quantidade de área sendo impermeabilizada mais para cima, de onde vem a água que enche o rio. O Tietê tem pelo menos 16 afluentes, e esse volume todo desce das áreas altas, com terra e lixo. Essa mistura vai assoreando os rios e córregos e a própria calha do Tietê e do Pinheiros – e, com cada vez menos chuva, ocorrem mais alagamentos.

Podemos resolver esse problema do assoreamento de duas formas. A primeira é que está na cara que nossa cidade limpa está cidade imunda. A quantidade de lixo aumentou e esse lixo se acumula nos rios. Se o lixo se acumula porque o povo é mal educado, então temos que investir em campanhas, como fizemos com o fumo e com a lei seca, para que as pessoas não joguem mais lixo na rua. Mas é fato que o serviço de varrição foi reduzido, tanto que há um monte de gari desempregado agora.

E não basta apenas manter as galerias limpa, temos que coletar todo o lixo. Não pode haver nenhum pedacinho de papel no chão em lugar nenhum da cidade, incluindo nos assentamentos informais de baixa renda, que também precisam de coleta de lixo.

Outra questão é que existe algo chamado planejamento do uso e da ocupação do solo. Se você ampliar a cidade para qualquer lado, indiscriminadamente, impermeabilizando cada vez mais, teremos cada vez mais problemas de drenagem. É preciso planejar a expansão urbana. E isso é uma coisa que até hoje, na metrópole de São Paulo, simplesmente não existe.

Não há planejamento metropolitano. Cada município faz o que bem entende, não há dialogo entre eles. E os rios, infelizmente, não obedecem a limites municipais. Uma decisão tomada em Cotia ou em Barueri vai interferir naquilo que acontecerá na capital, pois o sistema hídrico é interligado.

O que o caos de terça-feira demonstrou foi que o modelo que vigorou até agora, que é pegar os rios, tamponar, canalizar e colocar todo o sistema viário em cima deles, é um modelo falido. Um modelo que não pode subsistir. Nesse sentido, entendo perfeitamente a posição da Promotoria, que questionou as obra da marginal.

As obras começaram com um licenciamento ambiental feito a toque de caixa, sem um debate adequado, e repetem um erro histórico do urbanismo paulista e paulistano. Isso depois de 450 arquitetos e urbanistas assinarem um manifesto dizendo “não repita, está errado, isso não pode ser feito”, o que foi absolutamente ignorado.

Acho que agora o governador Serra deveria parar um pouquinho para refletir. Em vez de dizer “Vocês querem que a cidade ande de burrico?”, deveria responder à população da cidade de São Paulo com uma alternativa consistente. Porque essa, mais do mesmo, a gente já viu que não vai dar certo.

Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.


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Comentários

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edy

NAO CONSIGO ME CONFORMAR COMO PESSOAS COMO JOSE SERRA CONSEGUEM PASSAR POR CIMA DE TODO MUNDO, E NADA CONSEGUE PARALO ,as pessoas tem que exercer sua cidadania e entrar na justiça contra estes cidadoes,a cidade e de todos nos

Roberto Locatelli

Os demotucanos são a favor de Estado mínimo e, portanto, serviços mínimos e governo mais mínimo ainda.

Serra, por exemplo, tem preguiça de governar. Não fez nada de relevante, exceto gastar alguns bilhões (4 bi, se não me engano) para transformar as margens do rio Tietê numa imensa placa de concreto armado. Não resolveu porcaria nenhuma de congestionamento, pois a solução é transporte público de qualidade e em quantidade, e isso os demotucanos não aceitam, são ideologicamente contra.

E, além de não resolver o caos no trânsito, a concretagem das margens do Tietê piorou as enchentes, exatamente como os especialistas alertaram.

Só lembrando: o Viomundo demonstrou, em reportagem, que não houve limpeza da calha do rio Tietê em 2006, 2008 e 2009. E isso agravou enormemente as enchentes. Outro fator foi a privataria nos reservatórios do alto Tietê. As empresas, que agora são proprietárias da água da chuva que enche os reservatórios, não querem abrir as comportas preventivamente, pois para elas a água é mercadoria que vendem à Sabesp – a companhia de águas de SP. Se não abrem as comportas preventivamente, depois são obrigadas a abrir na cheia, inundando cidades do interior paulista. Crime de responsabilidade dessas empresas e do governo do estado de SP.

Com esta mídia paulista indigente paulistas preparem-se para as enchentes de 2010 | Maria Frô

[…] Leia uma crítica à ampliação das marginais, que levaram mais automóveis para as margens do rio que transborda! […]

Daniel

Título adequado: "Ampliação da Marginal Serra, mais enchentes. É a DemoTucanalhagem, estúpido"

Cobrança tardia (ou tudo igual na relação da mídia com os tucanos) | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Leia uma crítica à ampliação das marginais, que levaram mais automóveis para as margens do rio que transborda! […]

LuisCPPrudente

E quando o finado José Serra, então governador de São Paulo, mandou construir as novas pistas das marginais Tietê, ele já sabia deste problema, mas como ele precisava inaugurar obras e garantir o caixa de campanha eleitoral e o caixa das "ações entre amigos" do PSDB, ele ignorou solenemente as críticas e com a ajuda do PIG conseguiu colocar as obras em funcionamento.

Gustavo Pamplona

Daqui uma semana ninguém VAI LEMBRAR deste artigo… ainda mais àqueles que nem o leram porque estavam fora… (tsc… tsc…)

Você se lembra deste artigo, meu caro Azenha? Quando você chamou seus leitores de idiotas.
http://www.viomundo.com.br/arquivo/opiniao/todo-m

Eu escreveria o título daquele artigo assim:

"Todo blog é arquivado, só você Azenha é idiota."

adhemar

a na gestão da marta investiu mais na limpeza da cidade,a coleta melhorou 100%,na minha rua passou ter coleta seletiva,com ajuda do municipio cedendo o transporte ao pessoal coleta,marta foi rotulada de martaxa pelo pig,na gestão tucana voltou a ser como era antes,basta ver o lixo permanece o dia todo na rua,criaram a taxa veicular,terceirazaram o serviço 1000 vezes mais cara,efeito zero,e ainda se criou um comercio paralelo,ja se ve muitos lugares gente oferecendo servirço p/passar na expção,mas o pig como sempre esconde essa triste realidade

Jucapato

Sou pela construção de High Elevated Super Large Minhocons. Com financiamento externo, sem licitação.
A parte de baixo, adequadamente construida e bem dimensionada, serviria para armazenar boa quantidade de lixo, impedindo que fosse levado pelas águas da chuva. Com a vantagem extra de poder abrigar, creio, fatia considerável da população miserável – sem maiores custos.

Talitha

Claro, o Serra tem razão. Burrico é muito chato, o bom é a cidade andar de barquinho a vela…

duarte

São Paulo caminha a cada dia para a falta de solução em seus serviços urbanos. Pior ainda é desprezar o potencial científico de tantas universidades em troca de políticos de quinta categoria para a gestão da cidade. Que diabo de cidade é essa onde apenas as elites podem ter acesso a serviços de primeiro mundo?

daniel neto

Falar sobre enchente em SP é mais do mesmo. Post de 2009 que, com certeza, se não estivesse datado, poderia passar como escrito há instantes. Os críticos, governantes, especialistas, etc. dizem a mesma coisa sempre, há anos. Infelizmente, quem paga mais é quem tem menos voz nesse bolo todo…

edv

E olha que o post é de 2009…

Jorge

E não adianta ficar fazendo coleta de lixo e limpeza das ruas apenas na região central, tem que cuidar também do que ocorre nas áreas de drenagem dos bairros a montante do Tietê e também nos que estão nas áreas de drenagem a montante dos seus afluentes.

broz

Estive em sp no fim do ano agora e lá um grandes obras, lindas pontes, viadutos e metrôs sendo construídos e o lixo sem ser coletado jogado pelas ruas e calçadas, sem falar no cheiro de esgoto pra todo lado. Notei que tá faltando coleta mesmo o serviço está uma porcaria pra quem quiser ver e denunciar. E o que a prefeitura faz: lança uma campanha na TV para que as pessoas colaborem com a limpeza da cidade, exatamente o contrário do que fala a Rolnik.
Alguns estão até iludidos com a possível ida de Kassab para o PMDB, que com isso daria um belo golpe no tucanato daqui, o golpe realmente seria bonito e gostoso. Mas não o suficiente para mudar a realidade. A realidade é que Kassab é um demotucano, se for para o PMDB será um demotucano no PMDB, um safado de marca maior, anti-povo e etc.

Jairo_Beraldo

Já que é o Rio Tietê é o centro do problema, a solução é simples…TIREM ELE DE LÁ!

    edv

    Capaz de algum demotucano sugerir deixar o rio e mudar a cidade.
    Deixariam apenas os "jardins" das varzeas inundáveis, livrando-se deles…
    E ja imaginou a grana em obras?

    Juliano Iowa

    Fala com o Maluf… ele sempre dá um jeito, não?

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