Paul Krugman: Dor sem ganho

Tempo de leitura: 4 min

por Paul Krugman, no New York Times

Na semana passada, a Comissão Europeia confirmou o que todo mundo já suspeitava: as economias que ela monitora estão encolhendo, não estão crescendo. Ainda não é oficialmente uma recessão, mas a única pergunta verdadeira é: qual será a profundidade do declínio?

E este declínio está atingindo nações que nunca se recuperaram da última recessão. Apesar de todos os problemas dos Estados Unidos, o seu produto interno bruto finalmente ultrapassou o pico pré-crise; o da Europa, não. E algumas nações estão sofrendo em níveis da Grande Depressão: Grécia e Irlanda têm quedas de dois dígitos na produção, a Espanha tem desemprego de 23%, o colapso da Grã-Bretanha agora já dura mais do que o declínio dos anos 30.

Ainda pior, os líderes europeus – e um bocado de jogadores influentes aqui – ainda defendem a doutrina econômica responsável por este desastre.

As coisas não precisavam ir tão mal. A Grécia estaria afundada em problemas, não importa qual fosse a decisão de política adotada, e o mesmo é verdade, em menor extensão, a respeito de outras nações da periferia da Europa. Mas os problemas foram agravados mais do que o necessário pela forma com que os líderes europeus — e mais amplamente a política da elite — substituiram análises por moralização, lições da história por fantasias.

Especificamente, no começo de 2010 a austeridade econômica – a insistência de que os governos devem cortar gastos mesmo diante de altas taxas de desemprego – se tornou um mantra nas capitais europeias. A doutrina garantia que os efeitos negativos diretos do corte de gastos sobre o desemprego seriam cancelados pelas mudanças na “confiança”, que a economia com o corte de gastos levaria ao aumento do consumo e dos gastos das empresas, enquanto as nações que não fizessem esses cortes veriam uma evasão de capitais e alta das taxas de juros. Se isso soa, para você, como algo que Herbert Hoover teria dito, você está certo: soa e ele disse.

Agora, os resultados apareceram – e eles mostram exatamente o que três gerações de análises econômicas e todas as lições da história já deveriam ter lhes dito que aconteceria. A confiança praticamente não apareceu: nenhum dos países que cortou os gastos vivenciou a recuperação do setor privado que era prevista. Ao contrário, os efeitos depressivos da austeridade fiscal foram reforçados pela queda dos gastos do setor privado.

Ainda por cima, os mercados de bonds [títulos da dívida] continuam se recusando a cooperar. Até mesmo as grandes estrelas pupilas da austeridade, países que, como Portugal e Irlanda, fizeram tudo que foi exigido deles, ainda estão diante de altíssimos custos para tomar empréstimos. Por quê? Porque o corte de gastos deprimiu suas economias profundamente, reduzindo a base de arrecadação de impostos a ponto da relação dívida-PIB, o indicador padrão do progresso fiscal, estar piorando e não melhorando.

Enquanto isso, países que não embarcaram no trem da austeridade – mais notavelmente Japão e Estados Unidos – continuam a ter baixo custo de empréstimo, desafiando as previsões calamitosas dos falcões fiscais.

Mas nem tudo deu errado. No ano passado, os custos de empréstimo na Espanha e na Itália dispararam, ameaçando um desastre financeiro geral. Esses custos agora caíram, entre suspiros de alívio generalizados. Mas essa boa notícia foi, na verdade, um triunfo da antiausteridade: Mario Draghi, o novo presidente do Banco Central Europeu, deixou de lado as preocupações com a inflação e comandou uma grande expansão de crédito que era exatamente a “receita do médico”.

Então, o que vai ser preciso para convencer a Convenção da Dor, as pessoas dos dois lados do Atlântico que insistem que podemos cortar nosso caminho rumo à prosperidade, de que elas estão erradas?

Afinal, os suspeitos de sempre foram ligeiros em decretar como morta para sempre a ideia de estímulo fiscal depois que os esforços do Presidente Obama para produzir uma rápida queda no desemprego falharam – apesar de muitos economistas terem alertado antecipadamente que o estímulo era muito pequeno. Ainda assim, até onde posso ver, a austeridade ainda é considerada responsável e necessária, apesar de seu fracasso catastrófico na prática.

O fato é que poderíamos fazer muito para ajudar nossas economias simplesmente revertendo a austeridade destrutiva dos últimos dois anos. Isso também é verdade nos Estados Unidos, que evitaram austeridade total na escala federal, mas registraram grandes cortes de gastos e de empregados nos governos estaduais e municipais.

Você se lembra de toda a barulheira sobre a existência de projetos prontos, em número suficiente, para tornar viável um grande programa de estímulo? Bem, não importa: tudo o que o governo federal precisa fazer para injetar  ânimo na economia é dar ajuda aos governos locais, permitindo que esses recontratem centenas de milhares de professores que eles demitiram e retomem projetos de construção e manutenção que cancelaram.

Veja, eu compreendo porque as pessoas influentes relutam em admitir que ideias de políticas que achavam refletir profundo conhecimento na verdade resultaram em completa insensatez destrutiva. Mas já é hora de deixar para trás crenças ilusórias sobre as virtudes da austeridade em economias deprimidas.

PS do Viomundo: O título se refere a um ditado americano: no pain, no gain. Ou seja, se não doi, não resolve.

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Comentários

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[…] Paul Krugman: Dor sem ganho Economias europeias encolhendo, apesar da austeridade econômica […]

jaime

Faz todo o sentido do ponto de vista dos credores: recebem seus dividendos e deixam para os "governos", suas marionetes, todo o custo político. Controlam os países sem precisar enfrentar eleições, essas coisas inconvenientes, partes do sistema político democrático.

A. Carlos

Será que o ditado "no pain, no gain" , embora negativo, não teria mais a ver com o nosso, positivo, "o que arde cura; o que aperta segura"?

    Conceição Lemes

    A. Carlos, tem, sim. A própria Heloisa Villella nos lembrou disso. abs.

Manuel Ribeiro

Ler "Utopia e Realtà" e "Le Origini del Bene e del Male".

Ver nos sites:
http://utopiaerealteleoriginidelbeneedelmale.blog
http://utopiaerealidade-utopiaandreality.blogspot
http://www.edizioniatena.it/economia.asp

m

Jorge Nunes

Pior que isso não tem lógica. A única lógica é o ganho financeiros de bem poucos. A completa alienação da Grécia só beneficia alguns pouco.

No passado um imperador romano comparou as províncias a carneiros, que deve-se apenas tirar o pelo e não a pele.

Hoje os modernos gestores da Europa querem o pelo e a pele da Grécia, Portugal, Espanha e o que mais vier.

Não há sentido, nem política pois destrói as bases da democracia.
Não há sentido econômico que pois é uma política de terra arrasada sem tropas invasoras.

A América do Sul saiu da crise neoliberal, simplesmente quebrando a ideologia neoliberal ou a reduzindo ao mínimo que podia ser reduzida.

Ivo F Mathias

Um menor de 14 anos, pegou sem supervisao de um adulto um jetski. Com ele, o idiota, perdeu o contrôle e matou uma menina de 3 anos. Logo depois o menor infrator com ajuda e cumplicidade de sua familia, fugiu, sem prestar socorro.
O Brasil precisa de um exemplo!!! Nos chamados paises desenvolvidos, este caso estaria sendo discutido no congresso. O presidente teria feito uma declaracao, os canditos teriam feito uma declaracao, a sociedade estaria se mobilizando para impedir que tragedias como essa se repetissem.
Para evitar a que a barbarie continue no Brasil e necessario que o marginal e aqueles que o acobertaram paguem um preco alto, altissimo.
Sua filha ou seu filho serao os proximos…

ZePovinho

http://www.ecocidio.com.br/2010/01/05/a-ilha-dos-

A Ilha dos Náufragos – Uma fábula para entender o dinheiro – parte 1
janeiro 5th, 2010 | Author: Ecocidio

A fábula “A Ilha dos Náufragos”, de Louis Even, serve para entendermos o sistema financeiro desenvolvidopelo engenheiro escocês C. H. Douglas, que foi chamado de Crédito Social: um sistema econômico muito mais justo e equitativo para todos, sem hierarquias ou monopólios e onde cada um, para viver e prosperar, realiza as atividades que gosta!

Nota: a tradução usada mantém a linguagem e os termos usados na época em que o livro foi escrito.

Dividi o texto em três para não ficar um único e enorme post:

beattrice

Quanto mais rápido a dita EUROZONA despencar melhor para as populações dos países envolvidos, não há solução no fim do túnel enquanto estiver em vigencia o IV REICH.

Cleverton_Silva

Fórmula simples: governos arrecadam do povo, este povo mantém as empresas privadas na condição de consumidores. "Medidas de austeridade" reduzem drasticamente investimentos em políticas públicas para quê? Para os governos sustentarem as irresponsáveis estripulias dos especuladores financeiros. Com salário achatado num cenário de crise, a população aperta os cintos, deixa de consumir, desacelera a roda da economia e os governos não têm como arrecadar tanto quanto antes e nem manter as empresas que já não encontram tantos consumidores. Os europeus estão dando um show de burrices, enquanto o Dr. Lula da Silva (em Coimbra-POR e PE) mostrou o certo a se fazer. As maldades do FMI e UE são casos para o Tribunal de Haia!

souza

primeiro momento – dor sem ganho;
segundo momento – dor com perda;

francisco.latorre

a amerika empurrou o mico.

pros euro-otários.

..

francisco.latorre

ex-europa.

..

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