Mauricio Metri: O Bolsa Família Rica que poucos souberam que existiu

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aécio armínio fraga

*A Dívida Pública nos Governos Cardoso, Lula e Dilma: uma análise comparativa

por Mauricio Metri*

Durante o 1º governo Cardoso (1995-1998), a política monetária esteve presa à estabilização do câmbio (então fixo e sobrevalorizado), a principal âncora para controle inflacionário.

Pressões cambiais, decorrentes de saídas de capitais, eram arrefecidas por meio de elevações das taxas de juros básicas da economia.

Como a valorização excessiva do real comprometia o desempenho das contas externas, essa política tornava estruturais e crônicos tanto a tendência altista da taxa de juros, quanto o componente financeiro do gasto público, além de submeter a economia a recorrentes solavancos recessivos.

Em linhas gerais, a gestão da dívida pública brasileira esteve atrelada às necessidades de captação de recursos estrangeiros.

Nesse contexto, grupos privados, residentes ou não, aproveitaram para realizar oportunidades de lucros associados a uma ciranda financeira internacional.

Tomavam recursos em mercados exteriores (em dólares) a juros baixos e aplicavam-nos no mercado financeiro brasileiro (em ativos denominados em reais), principalmente em títulos públicos federais.

Como o câmbio era fixo e o diferencial de juros expressivo, o lucro tornou-se certo, considerável e sem grandes esforços. Para se ter uma ideia, enquanto as taxas de juros básicas praticadas pelo FED estiveram na casa dos 5% a.a. nesse período, as taxas básicas da economia brasileira oscilaram na faixa dos 20% a 40% a.a., com picos superiores a isto.

Os dados confirmam o endividamento externo privado excessivo. Sua participação no total saltou de 40% em 1994 para 62% em 1997. Para maiores detalhes ver, Gremaud, et. al., A Economia Brasileira Contemporânea, Editora Atlas, São Paulo, 2002.

O que era uma oportunidade de ganhos fáceis e significativos transformou-se num pesadelo em 1998, quando ocorreu uma fuga expressiva de capitais do Brasil por contágio da crise russa, em meados daquele ano. Diante disso, o governo Cardoso bem que tentou arrefecer as pressões sobre o câmbio, a partir de uma expressiva elevação das taxas de juros, na ocasião, para acima dos 40% a.a. Ademais, acenou com um forte arrocho fiscal. No entanto, as medidas não surtiram efeito, e a sangria prosseguiu. Entre agosto e setembro, a perda de reservas do Banco Central foi da ordem de 30 bilhões de dólares. Ver Gremaud, et. al., op. cit.

Para o governo, o problema não era apenas econômico, mas também político, pois o presidente Cardoso encontrava-se em plena disputa eleitoral, e sua reeleição dependia da manutenção da estabilidade monetária e, portanto, cambial. Para os grupos privados endividados em moeda estrangeira, a situação também implicava sérias preocupações.

Pairavam no horizonte prejuízos expressivos (ou mesmo risco de falência) decorrentes de uma provável e muito próxima desvalorização do real.

A única saída para esses grupos passou a ser a de encontrar algum “desavisado” que se dispusesse a vender ativos em dólares ou atrelados a ele de modo a assumir o risco (prejuízo) cambial (certo), promovendo assim a proteção (o hedge) de que tanto necessitavam.

Mas quem entraria no mercado “vendendo dólares” (ou emitindo dívidas indexadas direta ou indiretamente ao câmbio) com a certeza de uma desvalorização iminente? Quem se disporia a assumir os prejuízos dos que haviam ganhado muito dinheiro com uma ciranda financeira internacional?

Assim como em outros momentos da história econômica brasileira, coube ao Estado assistir os grupos privados fornecendo-lhes proteção e abrigo. Implementaram-se dois movimentos “estratégicos” durante o 2º semestre de 1998. De um lado, o governo recorreu ao FMI, que lhe concedeu recursos pouco antes das eleições, no valor de 42 bilhões de dólares, associados a uma agenda de contrapartidas bastante severas à sociedade brasileira.

Por outro lado, além de atuar no mercado de câmbio vendendo dólares, o governo emitiu títulos públicos indexados ao dólar ou que acompanham indiretamente o movimento do mercado de câmbio (títulos com juros pós-fixados).

A dívida pública transformou-se no instrumento de socorro aos grupos privados; sua gestão se orientou pela socialização de prejuízos privados; e, como estratégia, levou-se a cabo a sua quase que total “dolarização”. Em resumo, a dívida pública foi utilizada como uma espécie de “bolsa família” aos que haviam realizado grandes lucros e não aceitavam prejuízos de uma ciranda financeira internacional.

Por isto que, quando veio a desvalorização cambial de 65% em 01/1999, os agentes privados já não estavam somente “hedgeados” (protegidos) em relação às suas dívidas em dólares, mas também aproveitaram o contexto para realizar mais alguns outros ganhos patrimoniais.

A magnitude do processo de socialização dos prejuízos privados pode ser estimada pelo impacto direto desta desvalorização sobre a dívida pública, que cresceu aproximadamente 50 bilhões de reais somente naquele mês. Para ser ter uma ideia do significado desse aumento, basta lembra que, dois anos antes, em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce havia sido vendida por 3,5 bilhões de reais (valores corrigidos aos preços de 1999). Ver, Gremaud, et. al., op. cit.

Não por acaso, houve uma elevação da dívida pública líquida em relação ao PIB durante o primeiro governo Cardoso.

Em 1994, ainda no governo Itamar, a dívida correspondia a 30% do PIB; em 1999, chegou a 44,5% do PIB; e, no último ano do segundo governo Cardoso, em 2002, a dívida já havia alcançado aproximadamente 50% do PIB. Maiores detalhes, ver: Sales, T. “Vulnerabilidade Externa ao Longo dos Governos FHC e Lula”, dissertação de mestrado, PEPI, IE-UFRJ, 2012.

Nota-se, também, que essa evolução da dívida pública não ocorreu como contrapartida de um processo de transformação de forças produtivas, de industrialização ou de conquistas sociais, mas como resultado de um endividamento externo privado excessivo e de seu repasse posterior a toda sociedade brasileira por meio das finanças do Estado.

Além da socialização de prejuízos, outra conseqüência dessa gestão foi, como dito, a quase que completa “dolarização” da dívida pública federal. Houve uma expressiva redução da participação dos títulos pré-fixados na dívida total (de 55% em 05/1998 para 3% em 12/1998), os quais não permitem proteção aos movimentos no mercado de câmbio.

Em contrapartida, os títulos indexados ao câmbio passaram de 15% para 21% do total; e os pós-fixados, de 41% a 69%, contabilizando 90% de toda dívida pública. Para se ter uma noção, em 1994, estes dois tipos (indexados aos câmbio e pós-fixados) correspondiam a apenas 24% do total. Maiores detalhes, ver: Sales, T. op. cit.

Mas qual seria o problema em se ter 90 % do total da dívida pública “dolarizada”? Acentuou-se sobremaneira a vulnerabilidade da economia brasileira a choques internacionais. Oscilações cambiais passaram a ter, durante os anos seguintes, efeitos diretos e expressivos sobre a dívida.

Como se tratava de uma economia com crônica tendência ao desequilíbrio externo (vulnerabilidade excessiva), comprometeu-se severamente a capacidade de o Estado realizar políticas públicas em geral, eliminando a possibilidade de iniciativa estratégica do governo na efetivação de investimentos públicos, gastos sociais, etc.

Se, por um lado, o governo Cardoso conseguiu salvar os grupos privados ao mesmo tempo em que garantiu a sua reeleição, por outro, lançou o Estado e seu segundo mandato (1999-2002) a um imobilismo excessivo e a uma elevada vulnerabilidade fiscal e externa.

Para a sociedade, fora o prenúncio de anos bastante difíceis.

É difícil imaginar quais teriam sido os efeitos da crise de 2008 na economia brasileira, a maior desde 1929, caso a gestão da dívida pública prosseguisse na orientação do governo Cardoso no sentido de sua dolarização. No entanto, antes da crise, instaurara-se a percepção no governo Lula (2003-2010) acerca da necessidade de se retomar a capacidade de iniciativa estratégica do governo.

O contexto favorável para isto adveio dos resultados positivos nas contas externa no início do governo Lula, decorrentes da própria desvalorização da moeda, de uma diplomacia ativa em relação à política de comércio exterior, associada a uma política externa de orientação sul-sul, e do aumento dos preços das commodities internacionais.

Nesse processo de restruturação da dívida pública, no sentido de sua “desdolarização”, o alvo principal foram os títulos indexados ao câmbio, que passaram de 22% (em 2002) para 1% (em 2008), e os pós-fixados, de 61% (em 2002) para 36% (em 2008).

Em contrapartida, os pré-fixados aumentaram sua participação de 2% (em 2002) para 32% (em 2008). Ademais, o estoque da dívida pública líquida caiu de 52% do PIB em 2002 para 35% em 2008, voltando aos patamares do período do governo Itamar.

No governo Dilma (2010-2014), permaneceu a orientação de se evitar a dolarização da dívida pública. Em agosto de 2014, 40% eram de pré-fixados, 35% atrelados a índices de preços e, apenas, 20% de pós-fixados e 4% indexados ao câmbio.

O mais importante a se observar é que, quando se deflagrou a crise internacional de 2008 e seus desdobramentos durante os anos seguintes, já havia sido retomada a capacidade de o Estado atuar de modo a arrefecer os efeitos de uma severa crise econômica por meio de políticas fiscal e monetária expansivas.

Os bons resultados nas contas externas nos anos anteriores e a “desdolarização” da dívida pública foram decisivos para tanto.

Assim, diferente da crônica tradicional da história econômica brasileira, o governo não lançou mão de ajustes econômicos recessivos.

Ao contrário, inverteu as prioridade e, por decisões de natureza política, trabalhou de modo a defender o nível de emprego e renda das camadas mais vulneráveis da população brasileira, em vez de priorizar a proteção dos interesses e a riqueza patrimonial de grandes grupos privados.

*Professor de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Comentários

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João B. do Amaral

O Sr. Sergio Maranhão está equivocado no seu comentário . O tamanho da Dívida Pública Federal não é medido pelo seu valor nominal e sim pela proporção em termos percentuais da Divida/PIB . No início do governo FHC em 1995 esta proporção era de 35% do PIB . No final de seu governo em 2002 passou a ser de aproxiadamente 65% do PIB, mesmo levando em consideração o crescimento de 40% da carga tributária , por exemplo com a CPMF, e a arrecadação das privatizações, onde argumentavam que a finalidade das privatizações era para diminuir a dívida. Hoje em 2014 ela recuou para aproximadamente 39% do PIB, mesmo considerando a crise financeira internacional de 2008 que impactou profundamente as nações mais ricas do planeta. Por analogia , se uma empresa há 12 anos atrás tinha uma receita de R$ 1 BI e tinha dívidas de R$ 700 milhões , ou seja com uma proporção de 70% da dívida em relação a sua receita e se hoje tem uma receita de R$2,4 BI e uma dívida de R$ 1,2 BI , proporção de 50% da dívida em relação a sua receita , é evidente que a situação da empresa no presente é bem melhor que a sua situação de 12 anos atrás , mesmo considerando que a sua dívida teve um crescimento nominal de R$ 500 milhões , a sua proporção em relação a receita teve uma variação para menor de 20%

Carlos

Sabe qual é problema? Quem vai ler um texto um pouco mais longo, principalmente entre jovens e pessoas que não conseguem mais do que ler manchetes ou aquelas montagens feitas com fotos e textos do facebook? Isto tudo é informação demais para as vazias cabecinhas manipuladas pela globo, veja, folha e estadão.

FrancoAtirador

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QUI, 16/10/2014 – 16:43

Inflação na Zona do Euro tem Menor Resultado desde 2009
E está agora na chamada “Zona de Perigo” do BCE,
Ou Abaixo de 1% há 12 Meses Seguidos.

Cinco Países (entre eles a Itália) apresentaram deflação,
o que destacou a Situação Fraca na Demanda das Famílias.

Jornal GGN – A inflação apurada na zona do euro encerrou o mês de setembro com seu menor resultado desde outubro de 2009, chegando a 0,3%, ante 0,4% registrados em agosto, segundo dados divulgados pela agência de estatísticas Eurostat.

Embora o resultado tenha ficado estável ante os dados preliminares, cinco países (entre eles a Itália) apresentaram deflação, o que destacou a situação fraca na demanda das famílias.

O principal ponto de preocupação foi visto na desaceleração no núcleo da inflação, observada pelo Banco Central Europeu (BCE) e elimina os preços voláteis de energia e alimentos, que chegou a 0,8%, ante 0,9% em agosto, voltando aos níveis vistos em junho e julho.

Agora, a inflação está agora na chamada “zona de perigo” do BCE, ou abaixo de 1% há 12 meses seguidos.

Ao mesmo tempo, as exportações em agosto recuaram 3% em base anual não ajustada, e caíram 0,9% comparado a julho em números ajustados, informou a Eurostat. O resultado traz pouca esperança para que a economia da região evite sua terceira recessão em seis anos.
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E o Tucano Armínio, Ministro da Fazenda de AérioNéco,

diz que Crise Internacional é só Desculpa Petista.
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O Mar da Silva

Pena que menos de 0,01% da população consegue entender o que isso significa. É uma pena, pois o povo pagou caro por essa opção do PSDB pelos rentistas e empresas privadas.

E como todo mundo sabe, a dívida não foi por conta da melhoria dos serviços públicos, ou seja, não serviu a população como um todo.

É esse crime que mídia esconde e ainda tenta vender os tucanos como qualquer outra coisa irreal, quando na verdade são criminosos. Aliás, o mesmo crime que Obama e seus guiados na Europa cometeram em 2008 para salvar a banca.

Pena que esse texto não vai gerar ‘memes’ no ‘Face’. E que não veremos pessoas nos pontos dos ônibus, nas filas do metrôs ‘curtindo’ esse importante momento da nossa história em seus telefones inteligentes, tablets e etc.

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