Kátia Gerab Baggio: Não é um momento propício à divisão da esquerda
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Sobre as esquerdas, o PSOL e um artigo de Luciana Genro
por Kátia Gerab Baggio*
Não acho que este seja um momento propício à divisão das esquerdas. Ao contrário, avalio que a conjuntura é de união das esquerdas contra o retrocesso, o golpismo e as tentativas de desestabilização do governo federal, sem deixar de criticá-lo, mas fazendo-o a partir de uma avaliação consistente da conjuntura nacional e internacional.
E não pretendo fazer aqui uma crítica aprofundada ao texto de Luciana Genro publicado ontem (03/abril/2015) no portal Carta Maior.
No entanto, resolvi, provocada pelo artigo, fazer algumas considerações.
Luciana Genro e o PSOL têm não só o direito como a obrigação de fazer críticas ao governo Dilma e ao PT, como partido de oposição à esquerda. Suas críticas ao ajuste fiscal, da maneira como tem sido implementado pelo governo federal, são coerentes com o programa do PSOL.
Lembro, entretanto, que críticas ao “ajuste do Levy” não são exclusivas do PSOL e de outras organizações da oposição de esquerda, mas têm sido feitas, também, por muitos integrantes e simpatizantes do PT, que, apesar de reconhecerem a necessidade de ajustar as contas públicas, discordam da maneira como esse ajuste tem sido proposto e implementado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, com o aval da presidenta Dilma.
Mas o que me chamou, de fato, a atenção, no artigo de Luciana Genro, foi aquilo que não foi dito.
A Petrobras não foi citada uma única vez. Nada foi dito sobre os interesses das gigantescas companhias transnacionais de petróleo (como a Chevron, Exxon Mobil, Shell e BP) e de construção (Halliburton etc.) contra o regime de partilha do pré-sal e a política de conteúdo nacional da Petrobras.
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Não há nenhuma palavra sobre o projeto do senador José Serra (PSDB-SP) que propõe a revogação da participação obrigatória da Petrobras no modelo de exploração de partilha da produção de petróleo do pré-sal e o fim da condicionante de participação mínima da empresa em, pelo menos, 30% da exploração e produção em cada licitação.
Nada foi dito sobre as políticas de desestabilização dos regimes que fazem (ou faziam) oposição aos Estados Unidos no Oriente Médio e norte da África (regimes ditatoriais, é fato). Luciana se referiu à “Primavera Árabe” (que eu prefiro usar com aspas), mas nada disse sobre os interesses norte-americanos na região.
Luciana nada disse, também, sobre os interesses das potências ocidentais e da OTAN na desestabilização da Ucrânia (aliás, na época da revolta em Kiev, ela chegou a elogiar a “Revolução da Praça Maidan”, sem que parecesse enxergar todos os interesses geopolíticos e econômicos envolvidos no conflito).
Nada foi dito, também, por Luciana, sobre as estratégias que estão sendo colocadas em prática para desestabilizar governos eleitos, de esquerda e centro-esquerda, em outros países da América Latina, como na Venezuela e na Argentina.
Nenhuma palavra sobre os BRICS.
Ou seja, considero que Luciana Genro não demonstra uma capacidade de avaliação clara e profunda sobre os interesses geopolíticos e econômicos que atuam hoje no mundo. Arrisco dizer que Luciana analisa a realidade atual com uma perspectiva similar e os mesmos parâmetros com que certos trotskistas analisavam o mundo em oposição ao totalitarismo stalinista. E, como consequência, comete equívocos.
Além disso, penso que ela subestima o poder das direitas, a liberal e a fascista, e pensa que é possível vencê-las apenas com a força do que ela denomina de “esquerda autêntica”.
Luciana, a meu ver, incorre em outros equívocos neste texto: uma visão desqualificadora sobre o significado dos atos de 13 de março de 2015, em defesa da Petrobras e dos direitos trabalhistas, além de uma avaliação insatisfatória sobre as manifestações de junho de 2013.
Reconheço, entretanto, que o PSOL não pode ser confundido com o pensamento de Luciana Genro. Sei que há, no partido, lideranças que compreendem os impasses, desafios e contradições atuais com muito mais propriedade e consistência do que a candidata escolhida pelo partido à presidência em 2014. Entre as quais, mas não só, me refiro a Gilberto Maringoni, Marcelo Freixo, Jean Wyllys e Chico Alencar.
P.S.: Este artigo de Luciana Genro foi publicado, também, hoje (04/abril/2015) em Viomundo, após o qual há alguns comentários interessantes, que convergem com as minhas críticas ao texto.
*Kátia Gerab Baggio, professora de História das Américas na UFMG
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