João Batista Damasceno: Vergonha de dizer que sou juiz

Tempo de leitura: 3 min

RUI BARBOSA

Vergonha de dizer que sou juiz

João Batista Damasceno, em seu blog Resistência Lírica 

Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria exploração de prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente suas atribuições.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me perguntar sobre bolso nas togas.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder porque – apesar de ter sempre lutado pela liberdade – o fascismo bate à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata livremente.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia, transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores que poderiam reforçar os laços sociais.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se cometem em nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras de linguagem para justificar atos abomináveis.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas formal. E são muitos os juizes que igualmente desejam construí-la substancialmente.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.

Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a iniquidade e de agigantarem-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto.

Tenho vergonha de dizer que sou juiz em razão das minhas fraquezas diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de ver plena. Mas, eles passarão!

 João Batista Damasceno ocupa o cargo de juiz de direito no tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro. É doutor em Ciência Política.

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Chico Alencar, sobre destituição de Siro Darlan: Até contra juízes o TJ-RJ se levanta para manter privilégios


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Comentários

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abelardo

Faltou dizer: tenho vergonha de ser juiz, quando vejo o judiciário dando ouvidos ao partidarismo, a parcialidade, a preconceito, a mau comportamento, a grosserias entre a corte, etc

Eduardo

O Brasil não está perdido! Apesar de muitos Jucas, ainda temos muitos João Batista Damasceno. Dr. João, seria bom que continuasse se manifestando no Viomundo.

carlos

Eu tbm observei o texto aliás muito bem redigido pudera feito por uma pessoa culta de inteligencia maior ainda, só que ficou assim na base do idealismo, e a questão é como transformar isso na realidade não se poderia fazer uma especie de receita para aprimorara esse judiciario?/

ricardo silveira

Quantos sentem vergonha? A resposta não deixa de ser interessante, saber se são muitos nos serve de alento, pode-se deduzir que a resistência é grande e, se são poucos permite inferir sobre o adiantado grau de apodrecimento.

oylas pereira

Sou um crítico ácido no direcionamento dado pelo judiciário, na aplicação da lei, seja na sua administração seletiva, onde não se vê negros nas suas instancias superiores(JB não serve como referência), bem como na sua prestação jurisdicional, em especial no escândalo da AP 470, com suas condenações sem provas. Neste poder estão os maiores salários do país, mas em muitas comarcas Brasil a fora só trabalham três dias por semana, o famoso tqq (terça, quarta e quinta), Sem falar que Quando cometem graves “ilicitudes”, a lei os protege, com aposentadoria integral. Mas tudo de ruim que este poder tem protagonizado em prejuízo do povo Brasileiro, não pode manchar o brilhantismo daqueles honrados Homens, que não se curvam ao elitismo, partidarismo, narcisismo e golpismo que campeia na magistratura do nosso querido País. Com a palavra os Sérgios Mouros da vida.

Urbano

Quando a justiça e a inteligência se unem para formar um tsunami de Luz espiritual…

Morvan

Bom dia.

Parabéns pelo seu manifesto, dd. sr. João Batista Damasceno. O mais perigoso deste processo de empoderamento dos servidores públicos da Justiça (?), galgados a deuses, é que este se dá por duas vias, complementares: a não-apetência dos que detêm mandato, mesmo, e o desejo de golpear, atávico à direita brasileira. Hoje, o Judiciário legisla e a mídia é o verdadeiro Procurador. Ou inquisidor, já que o contraditório é uma quimera, ou se “mata no peito”…

Saudações “✿ ❀ ❁ Dilma, Vamos De Coração Valente; Enfrentar Os Golpistas E Defender A PetroBrás; o MPF (Ministério da Política dos Fuleiragens), é o braço judicial da Casa Grande“,
Morvan, Usuário GNU-Linux #433640. Seja Legal; seja Livre. Use GNU-Linux.

Edgar Rocha

Que é isto? Tá fora de moda ter vergonha. Coisa mais careta, subserviente. Meu traficante de estimação (não que eu use drogas ou compartilhe de suas práticas, mas a gente aprende a tolerar, né? Tenho vergonha de não conseguir pegar em arma ou agredir a alguém. Ele não) – desculpem-me pelo parênteses extenso. Então, meu traficante de estimação não tem vergonha nenhuma de dizer que é bandido. Não tem vergonha de nada que fez. E não tem Cristo (o derradeiro juiz, é o que dizem) que faça ele ter um breque. Ao contrário. Em São Paulo, quem tem breque é quem tem vergonha.
Tenho vergonha de ter vergonha. Porque minha vergonha me fez sair do magistério, quando percebi o quanto minha formação uspiana era deficitária pra atender às reais necessidades de meus alunos ou enfrentar um sistema que em nada ajuda a construir uma sociedade melhor, tendo a educação se tornado mais uma seara propícia aos que de nada se envergonham. Porque minha vergonha me impediu de seguir adiante em atividades de assistência social, depois de ver que pouco podia fazer contra quem falava pras crianças carentes que não eram mais que pretos, favelados que estavam no Centro de Juventude de favor. Supervisão nenhuma deu crédito ou considerou a “qualidade do trabalho” da entidade, já que esta era um bom curral eleitoral e adorava dar presentinhos de fim de ano pra supervisora. Porque minha vergonha me impediu de ter uma atuação mais ativa em partido político, sabendo que teria que lidar com gente que arrota discursos maravilhosos de liberdade, ética, melhoria de qualidade de vida, mas que não abre mão de apoio político de pessoas capazes de tudo (tudo mesmo!) em detrimento da população organizada à moda antiga, em movimentos populares sedentos por ética e pela presença de um estado legal (cumpridor da lei) e respeitoso que nunca chega. Esta gente só atrapalha eu faço parte dela. Tenho vergonha de ter vergonha, porque não consegui resistir às coações morais de quem presa por fidelidade pessoal, lealdade mafiosa, sem vergonha de usar de expedientes antiéticos para denegrir, queimar, fechar portas ou ignorar os que apontam falhas, propõe atitudes desinteressantes para suas reais intenções ou, simplesmente, pergunta demais.
À pessoas assim – que se envergonham de si mesmo e de suas derrotas, não se pode usar o termo envergonhado. A palavra usual é frustrado, derrotado, fraco, pirado. E ser frustrado é crime. Não corroborado pela lei, mas pelo senso comum. É como furar fila: não tem proibição, mas pega mal pra caramba.
O juiz acima, com todo respeito, se me permite ao menos ser digno de solidariedade, poderia também ser chamado de frustrado. Mesmo que ele diga que não desistiu. Na minha opinião, isto é uma questão de tempo, até lhe pegarem de jeito, “desmascararem”, nem que seja tornando alguma qualidade um desvio incontestável. Poderá lutar ainda mais, eu diria. Ele parece não desistir tão fácil. Mas, o tempo gasto pra autodefesa é precioso e não rende muito, já que certas coisas não dependem de fatos. Às vezes é cômodo e alentador acreditar numa acusação a alguém incômodo, mesmo que não haja provas (os coxinhas da Veja que o digam). Como numa frase que ouvi uma vez, no filme “O Suspeito” (grande filme): “Quem critica demais acaba se tornando irrelevante”. A personagem disse isto a um sério investigador, mas poderia ser a qualquer um que se mostre impermeável ao realismo impositivo atual. Os realistas (ou pragmáticos) descobriram que a realidade é filtrada por interesses e estes se submetem às relações de poder, à revelia da lei e dos fatos, submetendo-se às limitações impostas pelo discurso coletivo que acalenta a alma e nos impede de termos vergonha. A realidade é uma jaca. Quem não enfia o pé nela não sabe o quanto é macia, impregnante e pegajosa.
Aos que não enfiaram o pé na jaca, resta-lhes a vergonha – a própria e a alheia – e a esperança que um dia os que a pisaram caiam, seguindo a lógica dos fatos, das leis naturais e não naturais e saibam que tudo não passou de um ato de burrice. Enquanto isto , o único sentimento real que resta aos que não pisaram no fruto da verdade é este, a vergonha.

    L.

    Fique sabendo que alguém leu teu texto e compartilha dos sentimentos ali apresentados.

Messias Franca de Macedo

… Tenho medo de pedir para que um troglodita revoltado online, eventualmente, tire os sapatos de cima dos meus pés: posso ser linchado em praça pública sob a acusação de que sou ‘petista bolivariano’!…

Messias Franca de Macedo

[A luta contra o fascismo continua!]

Itália suspende, de novo, extradição de Henrique Pizzolato

GRACILIANO ROCHA
DE SÃO PAULO

12/06/2015 15h27

A Itália suspendeu, novamente, a extradição de Henrique Pizzolato para o Brasil, após o Conselho de Estado acatar um recurso impetrado nesta sexta-feira (12) pelo advogado do petista.
(…)

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/06/1641314-italia-suspende-de-novo-extradicao-de-henrique-pizzolato.shtml

Juca

Pede conta, ora bolas, ou devolva o dinheiro do auxilio-tudo que recebe. Tem de ter vergonha de escrever uma demagogia dessas. Pede conta e vem me ajudar bater uma laje, é serviço pesado, mas muito gratificante.

Zilda

Ainda existe juiz em nosso pais. Aleluia!

Caio Prado Jr.

Um Juiz corajoso! jovem, culto, preocupado com os destinos da PATRIA; um dos primeiros a denunciar a podridão. Um JUIZ para a Justiça do novo BRASIL.

Joanisbel Amorim- Livreiro

Frederico Evandro

Tenho medo de dizer que sou professor e morrer assassinado pelas mãos de um policial, bipolar, militar.

FrancoAtirador

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Por isso é triturado pela Máquina Empresarial Midiática Mercenária Assassina de Reputações.
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