Emílio Rodriguez: Os significados da escolha do novo papa

Tempo de leitura: 4 min

 Emílio Carlos Rodriguez Lopez, especial para o Viomundo

A escolha do papa surpreendeu o mundo e pela primeira vez temos um não europeu, jesuíta e que escolheu o nome de Francisco para dirigir a Igreja. Mas há outro fato importante. De certa forma, é a volta de teorias consideradas heréticas  desde a Idade Média, pois defendiam uma Igreja pobre e se aproximavam das idéias de São Francisco de Assis, também defensor de uma Igreja mais simples e do desapego aos bens materiais.

Afinal, o  que significa essa escolha?

Há alguns aspectos importantes.

Trata-se  de adepto de  linha divergente do papa que renunciou. Representa crítica a uma Igreja que foi muito à direita, com domínio da Opus Dei,  aproximando-se mais do Vaticano I e se afastando de Paulo VI e do Vaticano II.

Não podemos esquecer que Bento XVI perdoou e reintegrou à Igreja os cardeais próximos à Tradição Família e Propriedade, que até hoje rezam a missa em latim. Parece que Bento XVI renunciou quando percebeu que foi à direita demais e deu grandes poderes à Opus Dei, que dirigia o Banco do Vaticano, acusado de promover lavagem de dinheiro de políticos e da máfia italiana, entre outros desvios. Esperam-se mudanças profundas na Cúria Romana e na gestão da Igreja.

Leonardo Boff foi processado pelo Vaticano e por Ratzinger por propor uma reestruturação da Igreja e a superação de um modelo do monarquia absolutista, que não ouvia a realidade local. Talvez agora mudemos para uma monarquia mais do tipo parlamentar, mais antenada à realidade local e mais preocupada com a crescente desigualdade e pobreza no mundo. Por isso, se espera por um novo Concílio que reatualize o Vaticano II.

O papa Francisco é conservador em relação à doutrina, porém mais aberto aos problemas sociais e crítico da desigualdade do mundo. Isso provavelmente porque viveu  o drama da quebra da Argentina pelos governos neoliberais e vivenciou as crises social e política que se seguiram.

Assim, é sintomático que o novo pastor dirigente do Vaticano seja um jesuíta, o papa negro, marcado pela simplicidade e que poderá fazer mudanças na estrutura da Igreja, depois de tantos casos de pedofilia, homossexualidade e corrupção.

Desde o Brasil colônia, os jesuítas sempre foram os grandes operadores financeiros e gestores e se recorrem a eles para mudar a administração financeira da Cúria Romana. O fato de ser latino-americano tem o significado de apontar a crise do catolicismo na Europa e como os católicos estão reduzidos ao gueto e perderam a hegemonia cultural neste continente. Esse fato aponta o fracasso do antecessor que tinha como objetivo central uma nova evangelização da Europa, por isso escolheu o nome Bento. Além do mais, diante do crescimento econômico da China e da Índia, lugares onde o cristianismo é pequeno, se fez a opção pela América, especialmente a Latina, para poder manter o seu poderio.

A escolha de João Paulo II foi marcada pelo contexto do fim da União Soviética. Já Bento XVI foi eleito no ápice do neoliberalismo, enquanto o novo papa foi sob o signo da crise econômica que traz de volta o terrível flagelo da fome e da miséria no continente europeu. Por isso, também, a opção por um latino-americano, que traz uma igreja mais preocupada com questões sociais, crítica à globalização e ao crescimento da desigualdade social nos Estados Unidos e na Europa. Não nos esqueçamos que a Argentina representou a grande experiência neoliberal que fracassou e levou a uma crise sem precedentes naquele país, em 2002. Com isso, muda o enfoque da Igreja, para uma atenção maior à pobreza e à miséria. Em uma atitude mais simples se busca um novo carisma que reviva o catolicismo na Europa.

De certa forma, a escolha de um latino-americano, filho de ferroviário, representa a tentativa da Igreja reocupar o seu espaço na Europa e diminuir os impactos da crise econômica sobre este continente, colocando-a como instrumento de apoio aos empobrecidos para tentar diminuir o risco de explosão social, com o alto desemprego.

O novo papa tem expressado um olhar mais caridoso com os mais pobres e crítico feroz do aumento da desigualdade econômica que cresce no mundo.

A opção por uma Igreja mais simples se refere aos impactos da crise econômica européia nas finanças da Igreja, já que provavelmente haverá queda da arrecadação de doações com o dízimo. Além disso, como já ocorre em vários países,  a Itália passará a cobrar  700 milhões a 1 bilhão de euros de impostos da Igreja; Espanha e Portugal devem fazer o mesmo. Isso se deve a vários edifícios religiosos que são utilizados como hotéis e pousadas, além de outras atividades econômicas que eram isentas do pagamento de impostos. Há ainda a falta de transparência da Igreja e o novo escândalo do Banco do Vaticano, que empurram o Vaticano a repensar a sua estrutura econômica.

Assim, uma Igreja mais preocupada em ser econômica, diminuir o luxo que afronta a miséria de muitos e recuperar uma maneira mais simples de viver os valores dos evangelho.

Outro aspecto importante é a questão ecológica, visto que São Francisco representa o protetor dos animais.Esse ponto é central, já que questiona um modelo econômico que vem matando a natureza, que representa a principal dádiva de Deus aos homens. Por isso, a imagem de São Francisco pode simbolizar a necessidade de superação de um modo de capitalismo selvagem e a instituição de uma nova forma de pensar o mundo respeitando todos os seres vivos.

Ante todos esses significados, devemos esperar poucos avanços da Igreja em temas relacionados à sexualidade e à moral, mas talvez um pouco mais de abertura no aspecto social, frutos dos tempos difíceis que vivemos. O novo papa vem enfatizando a importância da retidão do agir, apontando que gestos e comportamentos sérios são centrais para dar o exemplo que pode elevar os homens.

 


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Lorena Marques

Abaixo a íntegra do Acordo Bi-lateral celebrado entre o Brasil e o Vaticano, na semana passada, e que a imprensa brasileira não deu a devida divulgação:

Ato assinado por ocasião da Audiência Privada do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Sua Santidade o Papa Bento XVI – Vaticano, 13 de novembro de 2008

ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ RELATIVO AO ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL

http://kiminda.wordpress.com/integra-do-acordo-entre-o-brasil-e-o-vaticano/

Lorena Marques

Além disso, como já ocorre em vários países, a Itália passará a cobrar 700 milhões a 1 bilhão de euros de impostos da Igreja; Espanha e Portugal devem fazer o mesmo. Isso se deve a vários edifícios religiosos que são utilizados como hotéis e pousadas, além de outras atividades econômicas que eram isentas do pagamento de impostos.
…………
É o que diz o artigo.
Enquanto que aqui em nosso Brasil, Lula assinou uma tal de Concordata com o Vaticano na qual até as LEIS TRABALHISTAS brasileiras podem ser desrespeitadas pelo Vaticano! Imposto? Não pagama NADA e o Brasil ainda tem de conservar com nosso dinheiro o patrimônio da Igreja!

Conheça a íntegra do acordo Brasil-Vaticano

Entre outros pontos, documento concede isenção tributária a instituições católicas, reconhece a contribuição destas na área de ensino e prevê cooperação para preservar e valorizar os bens culturais da Igreja

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/conheca-a-integra-do-acordo-brasil-vaticano/

FrancoAtirador

.
.
Esse Papa Midiático foi eleito para tentar salvar

a Igreja Católica da clamorosa degenerescência

em que se encontra envolvida no mundo inteiro.
.
.

    Coutinho

    Mas, isto não é bom?

João Vargas

Este artigo converge com os pensamentos de Leonardo Boff que está bastante
otimista com o novo papado. Eu, particularmente, acho que o novo papa irá realmente fazer grandes transformações na igreja e foi eleito justamente para isto. Os sinais por enquanto são promissores, esperemos que as expectativas se confirmem.

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