Artur Scavone: Antônio David vs Vladimir Safatle e o exemplo do professor Paul Singer
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O professor Paul Singer está aplicando, de forma coletiva e com ligações internacionais, uma ideia que acredita ser a alternativa ao sistema capitalista: a economia solidária
O voluntarismo e a coragem
por Artur Scavone, especial para o Viomundo
Não há como ficar fora do debate travado por Antônio David buscando dialogar com Vladimir Safatle. Afinal, a crise em que estamos metidos neste momento histórico demanda muita reflexão.
Mas eu gostaria de trazer um outro aspecto, que reputo tão grave quanto a interdição do debate, no que diz respeito agora à atitude da nossa intelectualidade – de esquerda, é evidente.
A conclusão final de Safatle contém duas afirmações que pretendem resumir as razões da crise da esquerda no Brasil: 1) existem proposições corretas de rumos políticos 2) mas falta à esquerda coragem para implementá-las.
É preciso destrinchar essa afirmação: há quem detenha as propostas corretas e há quem não tem coragem de implementá-las. Pelo discorrer de seu artigo, é possível concluir que as esquerdas que não fazem parte da aliança que governa o país são detentoras dessas proposições, e a que governa é a que não tem coragem de implementá-las.
Não nos interessa neste momento discutir se há ou não propostas corretas circulando. Interessa, antes de mais nada, ir fundo em busca da causa mesma da crise. E, segundo Safatle, a causa efetiva da crise é a falta de coragem, já que propostas não faltam. Podemos ler, sem medo de errar, que falta coragem à Dilma, aos dirigentes do PT, aos seus deputados, enfim, aos que lideram a formulação e aplicação das políticas do governo federal para nos tirar da crise em que nos metemos.
Como podemos entender isso? Por quais motivos essa vanguarda tornou-se covarde? Ou sempre foi? Dilma, entre os vários quadros dirigentes do PT, já mostrou em outros tempos que não era covarde, então é possível concluir que ela tornou-se covarde. O que explicaria essa covardia de Dilma, que insiste em não ouvir e em não aplicar as políticas revolucionárias apresentadas por diversos setores da esquerda? Seria uma acomodação?
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Nos tempos da guerrilha urbana dizíamos que os banhos quentes da cidade amoleciam os companheiros. Será que Dilma se aquietou com as benesses de Brasília? Seria esse o problema? Ou é mais grave, trata-se de um problema de covardia coletiva, covardia de um partido? É difícil aplicar essa concepção, eu penso, e não creio que seja essa a compreensão de Safatle.
A afirmação de Safatle é tão despropositada quanto eu chegar à conclusão aqui de que a solução para a crise política do país é uma série de sessões de psicanálise para corrigir esse terrível desvio que assolou os quadros dirigentes de esquerda do governo federal. Haveria outra forma de interpretar suas conclusões? Não.
A posição de Safatle é fundada em uma compreensão idealista da realidade que conduz a uma prática voluntarista.
Safatle – que está entre os mais brilhantes intelectuais do país – já publicou o trabalho intitulado “A esquerda que não teme dizer seu nome”, mostrando que sua análise a respeito dos problemas que nos afetam não é nova, vem de algum tempo. Quando afirmo que sua posição é idealista me apoio na compreensão de que a Teoria Crítica, da escola de Frankfurt, deixou marcas profundas na intelectualidade de origem marxista, no Brasil em particular.
Acreditar que o intelectual, por filiar-se à teoria crítica e assumir os valores da emancipação humana, se liberta da reificação e se torna capaz de compreender a verdade histórica para então orientar a intervenção na conjuntura, é pensar que a ação do indivíduo pode ser livre das determinações econômicas. Não pode. E por isso a práxis coletiva é o critério para se atingir o conhecimento da verdade histórica.
Safatle colocou em prática sua crença ao ser candidato ao governo de São Paulo nas últimas eleições, propondo às esquerdas não alinhadas ao PT uma frente de esquerda para apresentar uma posição mais consistente na disputa eleitoral. Proposta, aliás, que teria tido, com certeza, forte impacto positivo na disputa.
Não foi feliz, não conseguiu unificar as esquerdas. Qual o motivo? Teria sido a falta de coragem dessas esquerdas também? Ou foi o voluntarismo vindo da academia que bateu de frente com a realidade política?
Não é meu objetivo especular sobre as razões da crise, mas principalmente apontar que a nossa intelectualidade não tem a práxis como critério da sua verdade, mas sim suas impressões pessoais, suas crenças extraídas da observação que procura ser aguda a partir da academia. E apontar que o resultado dessa concepção idealista do exercício da política faz com que a esquerda tropece muito mais na busca por um caminho de transformação da sociedade.
Cabe, com absoluto respeito a todos nossos intelectuais de esquerda, homenagear e trazer o exemplo do professor Paul Singer que está com as mãos na massa – literalmente -, aplicando, de forma coletiva e com ligações internacionais, uma ideia que acredita ser a alternativa ao sistema capitalista: a economia solidária. Se ele está certo ou não, será sua práxis que dirá, e não uma simples análise acadêmica.
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