Artur Scavone: Antônio David vs Vladimir Safatle e o exemplo do professor Paul Singer

Tempo de leitura: 4 min

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O professor Paul Singer está aplicando, de forma coletiva e com ligações internacionais, uma ideia que acredita ser a alternativa ao sistema capitalista: a economia solidária

O voluntarismo e a coragem

por Artur Scavone, especial para o Viomundo

Não há como ficar fora do debate travado por Antônio David buscando dialogar com Vladimir Safatle.  Afinal, a crise em que estamos metidos neste momento histórico demanda muita reflexão.

Mas eu gostaria de trazer um outro aspecto, que  reputo tão grave quanto a interdição do debate, no que diz respeito agora à atitude da nossa intelectualidade – de esquerda, é evidente.

A conclusão final de Safatle contém duas afirmações que pretendem resumir as razões da crise da esquerda no Brasil: 1) existem proposições corretas de rumos políticos 2) mas falta à esquerda coragem para implementá-las.

É preciso destrinchar essa afirmação: há quem detenha as propostas corretas e há quem não tem coragem de implementá-las. Pelo discorrer de seu artigo, é possível concluir que as esquerdas que não fazem parte da aliança que governa o país são detentoras dessas proposições, e a que governa é a que não tem coragem de implementá-las.

Não nos interessa neste momento discutir se há ou não propostas corretas circulando. Interessa, antes de mais nada, ir fundo em busca da causa mesma da crise. E, segundo Safatle, a causa efetiva da crise é a falta de coragem, já que propostas não faltam. Podemos ler, sem medo de errar, que falta coragem à Dilma, aos dirigentes do PT, aos seus deputados, enfim, aos que lideram a formulação e aplicação das políticas do governo federal para nos tirar da crise em que nos metemos.

Como podemos entender isso? Por quais motivos essa vanguarda tornou-se covarde? Ou sempre foi? Dilma, entre os vários quadros dirigentes do PT, já mostrou em outros tempos que não era covarde, então é possível concluir que ela tornou-se covarde. O que explicaria essa covardia de Dilma, que insiste em não ouvir e em não aplicar as políticas revolucionárias apresentadas por diversos setores da esquerda? Seria uma acomodação?

Nos tempos da guerrilha urbana dizíamos que os banhos quentes da cidade amoleciam os companheiros. Será que Dilma se aquietou com as benesses de Brasília? Seria esse o problema? Ou é mais grave, trata-se de um problema de covardia coletiva, covardia de um partido? É difícil aplicar essa concepção, eu penso, e não creio que seja essa a compreensão de Safatle.

A afirmação de Safatle é tão despropositada quanto eu chegar à conclusão aqui de que a solução para a crise política do país é uma série de sessões de psicanálise para corrigir esse terrível desvio que assolou os quadros dirigentes de esquerda do governo federal. Haveria outra forma de interpretar suas conclusões? Não.

A posição de Safatle é fundada em uma compreensão idealista da realidade que conduz a uma prática voluntarista.

Safatle – que está entre os mais brilhantes intelectuais do país – já publicou o trabalho intitulado “A esquerda que não teme dizer seu nome”, mostrando que sua análise a respeito dos problemas que nos afetam não é nova, vem de algum tempo. Quando afirmo que sua posição é idealista me apoio na compreensão de que a Teoria Crítica, da escola de Frankfurt, deixou marcas profundas na intelectualidade de origem marxista, no Brasil em particular.

Acreditar que o intelectual, por filiar-se à teoria crítica e assumir os valores da emancipação humana, se liberta da reificação e se torna capaz de compreender a verdade histórica para então orientar a intervenção na conjuntura, é pensar que a ação do indivíduo pode ser livre das determinações econômicas. Não pode. E por isso a práxis coletiva é o critério para se atingir o conhecimento da verdade histórica.

Safatle colocou em prática sua crença ao ser candidato ao governo de São Paulo nas últimas eleições, propondo às esquerdas não alinhadas ao PT uma frente de esquerda para apresentar uma posição mais consistente na disputa eleitoral. Proposta, aliás, que teria tido, com certeza, forte impacto positivo na disputa.

Não foi feliz, não conseguiu unificar as esquerdas. Qual o motivo? Teria sido a falta de coragem dessas esquerdas também? Ou foi o voluntarismo vindo da academia que bateu de frente com  a realidade política?

Não é meu objetivo especular sobre as razões da crise, mas principalmente apontar que a nossa intelectualidade não tem a práxis como critério da sua verdade, mas sim suas impressões pessoais, suas crenças extraídas da observação que procura ser aguda a partir da academia. E apontar que o resultado dessa concepção idealista do exercício da política faz com que a esquerda tropece muito mais na busca por um caminho de transformação da sociedade.

Cabe, com absoluto respeito a todos nossos intelectuais de esquerda, homenagear e trazer o exemplo do professor Paul Singer que está com as mãos na massa – literalmente -, aplicando, de forma coletiva e com ligações internacionais, uma ideia que acredita ser a alternativa ao sistema capitalista: a economia solidária. Se ele está certo ou não, será sua práxis que dirá, e não uma simples análise acadêmica.

Leia também:

Antônio David: Carta aberta a Vladimir Safatle


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Comentários

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abolicionista

O autor não entende nada de Teoria Crítica (que é tudo, menos idealista), mas acerta em relação a Safatle…

Igor

O debate entre Safatle, David e Scavone está muito produtivo. Por que não fazemos um debate entre os três em vídeo? Não é uma boa idéia?

Alexandre Tambelli

Pensei um pouco nessa discussão toda dentro da própria esquerda e no seio de sua intelectualidade e a realidade hoje. Coloco aqui.

TEMPOS DISTINTOS: ACADEMIA E REALIDADE!

A questão da Academia é que ela se torna, muitas das vezes, um castelo fechado, um tanto distante da realidade, local onde se produz o Teórico, enquanto a realidade pulsa nas ruas, nas periferias, no campo, nas fábricas, nas estradas do Brasil, etc.

Imaginemos uma grande biblioteca e um leitor voraz? Nos livros poderão estar todas as possibilidades de pensar o Mundo, mas um livro não pulsa concretamente, não tem nenhuma contradição a ser debelada de imediato, a ser derrotada no chão das ruas e para já. As ruas se movimentam mais rápido do que o tempo dele ser escrito e publicado e já se tornar, em muitos casos, ultrapassado.

Enquanto o intelectual pensa produzir um Artigo aprofundado no tema: laicidade, sobre a necessidade do Estado laico, argumentando para tal, os deputados da bancada evangélica já tornam a Câmara dos deputados um Templo, rezam o Pai Nosso de mãos dadas e saem a votar um Projeto contra a Cristofobia.

O tempo da realidade não é o tempo da Academia. E, hoje, com esta Direita sem limites que está ai, mais do que nunca.

Não adianta sonhar apenas partir do mundo teórico perfeito, que os livros muito bem podem construir, porque são feitos de ideias, ideais, sonhos, concepções particulares, ele, o Mundo real é muito mais complexo e em constante mutação.

Enquanto se dizia que o Pacote do Levy era a entrega do Governo Dilma ao mais radical neoliberalismo, no dia seguinte, as análises estavam sem chão, porque o Governo Federal divulga dois pacotes ligados à infraestrutura, um em parceria com a China na ordem de mais de 50 bilhões de dólares e outro de mais 200 bilhões de reais para a construção de estradas, aeroportos, ferrovias e modernização de portos. O que se dizia ser um buraco sem fim, que elevaria o aumento do desemprego, agora, se diz: estamos começando uma segunda etapa do segundo Governo Dilma. E muitos da esquerda e intelectuais concordaram com o artigo do Nassif do começo da semana e, quantos, não ficaram mais perdidos que cego em tiroteio.

E assim vai. O conhecimento teórico e a prática existem, mas com dois tempos distintos. A pressa em afirmar que o Governo Dilma havia traído as esquerdas, urge com a mesma pressa, só que agora para tentar entender o que vai acontecer após estes anúncios dos pacotes de infraestrutura. É preciso, afinal, dizer algo.

Lá na Academia o tempo é outro. Porém, na hora de analisar o tempo real parece que se atropela o outro tempo e se tem uma análise da realidade de imediato. Não seria contraditório?

Hoje, é muito comum a ausência da interdisciplinaridade. Vejam que fazem análise econômica do Brasil atual, porém, muitas vezes se esquece de amalgamar tudo e falar na mesma análise da revolução social promovida pela inclusão e ascensão social nos governos petistas, se esquece de lembrar dos Brics e a nova Geopolítica Mundial, da velha mídia, do Judiciário ligado ao PSDB, do antipetismo e antinacionalismo radical da Direita no Congresso Nacional, na sociedade regida pelos Pitbulls das vejas da vida, do mercado financeiro, etc. E vira, em determinados casos, uma análise fechada.

Ai fica tudo resumido: PT traiu a esquerda, Dilma cometeu estelionato eleitoral. É o slogan do imediato, as três ou quatro palavras que chamam atenção, que dão visibilidade ao indivíduo que escreve um artigo qualquer. Porém, é o escrito deslocado, muitas vezes, do chão firme do real. E, apressado, indo contra a própria concepção da Academia e das Ciências Humanas.

Será que as esquerdas mais intelectualizadas conseguem fazer análise da conjuntura atual, somente, a partir dos livros? Dá tempo de se basear só em livros? Ou quando fizerem a análise tudo já se configura diferente?

Parece que o pós-Levy surgiu e ninguém se deu conta. Ainda estavam no Pacote Levy e lá fixados. Tudo era o pacote do Levy que foi a traição ao resultado eleitoral e às promessas de campanha.

A Direita vá lá. Faz tudo ao contrário que o Governo faz. É o vale-tudo no mundo deles. As esquerdas, não! Elas precisam medir as palavras porque são porta-vozes de milhões e milhões que querem mudar o Brasil continuadamente.

Ver o pensamento de Esquerda para com um Governo eleito pela Esquerda pessimista do jeito que vemos, em muitas das vezes, só traz benefícios para a Direita, porque divide as esquerdas em duas: a governista e a oposicionista, e deveríamos é ser equilibrados para fazer a análise certa e congregar e não separar e avançar no chão concreto.

Questionar, sim! Mas propor bem mais do que só criticar, e viver de dizer dos erros. Tem tantos acertos a serem elogiados. E, parece que só há espaço para críticas.

O PT fez uma revolução social no Brasil. Bagunçou a sociedade de castas, penso eu. Nunca vi elites terem tanto desejo de derrubar uma Presidenta da República, e é 24 horas por dia. Por que será?

E, vamos acreditar que é porque ela feriu o ideário das esquerdas?

É preciso aprofundar a análise da realidade sem perder contato com a realidade, nem podemos ser o Acadêmico e sua Tese de Doutorado que pode levar 3, 4, 5 anos ou mais e nem descuidar da compreensão do todo e suas variáveis em constante modificação, para fazer análises em tempo mais real sem perder o controle, a qualidade do que se analisa.

Metaforicamente é dizer que não podemos ser nem o Climatologista e seus estudos a partir de dados plotados em 30, 40, 100 anos e as teses sobre desertificação, aquecimento global nem o Meteorologista que visa responder o imediato: vai chover hoje? Vai fazer sol hoje? E, sim uma mescla dos dois.

E é preciso, também, viver mais a realidade, onde ela se desenrola e se reconstrói diariamente.

O povo não quer ser “socialista”, a imensa maioria do povo tem os seus desejos, tem as suas vontades, para além do mundo idealizado dos revolucionários. Quantos e quantas do povo sonham em ser Burguês, em ter posses e Poder, não é verdade?

Só se construirá outra sociedade mudando a mesma com a mão na massa.

Para além da crítica acadêmica, da crítica oportunista que às vezes vemos, é preciso conviver mais com o povo, ouvi-lo e entender o que ele quer. Vivenciar sua realidade dura do CPTM às 6 horas da tarde, se me entendem.
Talvez, o Governo do PT que tanto criticamos saiba mais disto do que os intelectuais, que a extrema-esquerda. O Teórico com seu tempo desfrutado numa sala com ar-condicionado e vivido fora do horário de rush vive um mundo maravilhoso e confortável, mas não é a realidade da imensa maioria do povo trabalhador brasileiro.
Revolução é pão na mesa de cada brasileiro. Nisto o LULA é sábio, viveu sem pão na mesa, e quis que todo brasileiro tivesse ao menos 3 refeições ao dia e conseguiu.

A primeira etapa está dada: a do pão na mesa. Agora, cabe às esquerdas encontrar caminhos para um novo discurso que seja palatável ao povo e que ele possa segurar e querer compartilhar.

Desunião não vai dar vazão à sociedade mais justa e igualitária e humanista que queremos.

Frente às forças de Direita que estão provocando verdadeira cisão social no País e a olhos vistos, provocando um ódio e intolerância social inimaginável até pouco tempo atrás, as esquerdas precisam se juntar e defender conjuntamente seus ideais, para além das picuinhas e teorias distintas de como intervir na sociedade.

Precisamos aproveitar a possibilidade de ter no Governo Federal imensa maioria de gente Democrata e progressista, gente com sensibilidade social e comprometida com o futuro, com o desenvolvimento nacionalista de nosso Brasil e que são patriotas e ajuda-lo a poder construir o Brasil sonhado.

O PT já pagou todos os seus pecados. Vamos ajuda-lo a se fortalecer e a se revolucionar. Quantas bandeiras novas ele não tem se proposto a implementar. Uma Reforma Tributária, o imposto sobre as grandes fortunas, a banda-larga para todos, o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais, etc.

Vamos nos organizar para informar e trazer a sociedade para o debate e para que a mesma, também, queira estes avanços. Vamos nos organizar para informar a sociedade sobre quem quer a terceirização da atividade-fim nas empresas e quais os seus enormes malefícios. Vamos nos organizar para informar/conscientizar melhor sobre a absurda ideia de diminuição da maioridade penal, etc.

E temos que ir de encontro à sociedade. Não tornar a análise da conjuntura e as ideias pessoais/partidárias mais importantes que a transformação diária da realidade social.

Se a Direita chegar ao Poder em 2018 pode ser tarde. Esta Direita doente que ai está vai fazer coisas contra todos os políticos, militantes, simpatizantes e as ideias de esquerda que até Deus dúvida possível. Tudo para se manter no Poder a qualquer custo.

É preciso derrotar (curar) o doente antes que ele fique mais doente! Não há para a Direita brasileira e midiática de hoje diferença entre PSOL, PCO, PSTU, PCB, PCdoB, PPL e PT, somos todos inimigos a serem abatidos.

É preciso ter clareza disto. Se o PSOL fosse Governo em 2018 estaria sendo atacado da mesma forma que é o PT hoje – 24 horas por dia – mesmo se fossem todos do PSOL os mais honestos dos cidadãos a direita midiática dava um jeito de dizer que não são e inventaria alguns milhões nas contas de cada integrante do governo psolista.

Enfim, o que não foi feito até agora pela esquerda no Poder, não vai se realizar a partir de desentendimentos nem do rompimento de amizades. Debater é saudável. Construir o pensamento coletivo para sairmos da situação atual é especial e necessário. Vamos unir forças e não dividir. Transformação para o esquerdista é ação coletiva e não visa dividendos pessoais, visa sim!, caminhar de encontro a uma sociedade mais humana, fraterna, solidária, menos materialista e com Justiça Social.

    Antonio Luiz

    Muito bem Alexandre. Você conseguiu com brilhantismo expressar tudo que intuitivamente sinto e sofro. É por essa e outras que continuo acreditando num futuro ainda melhor. Ainda existem, e são muitas, as pessoas que pensam sobre o que queremos sem esquecer de onde nós viemos. E quando falo “nós”, arrisco-me a expressar como povo.

    Não poderia deixar também de elogiar a brilhante intervenção de Scavone. Lúcida, serena e solidária.

    Parabéns.

    Artur Scavone

    Neste pedaço de história em que estamos mergulhados, imersos em tanto ódio e tanta pressa, tua maturidade política impressiona e faz falta. Concordo contigo.
    Abraços
    Artur

    claudio

    Prezado Alexandre,

    Muito consistente a sua análise. Acredito que você confrontou de maneira elegante o idealismo do prof. Safatle evidenciando a utopia que ele encerra. Creio que, como norte, o idealismo é necessário, mas o dia a dia reclama ação dentro de um contexto adverso que se pauta por outro idealismo. Sua análise realça estas adversidades de maneira concreta o que nunca se revela no pensamento idealista – a forma de ação concreta dentro de um ambiente democrático, em que diversas forças se embatem na defesa dos seus interesses.
    Parabéns pela erudição e pela sua bela análise.

    Evandro Farias

    Muito bem colocado

    Elza

    Bravoooo!
    A sua análise é perfeeita

    Bertold

    Matou a charada, colega.

Museusp Batista

Já lá se vão alguns dias que estou esperando uma porrada dessas em cima desse belo debate travado entre Antonio David e Safatle. Li, de um comentarista, um dia desses, que um intelectual é um cara que leu muitos livros e foi capaz de envolver-se e ter contato com muitos pensadores brilhantes. Certamente foi capaz de absorver uma certa parte de todo esse conhecimento que visitou. Mas, porém, todavia, contudo e todas as adversativas que me pudessem assistir nessa adversidade, tem razão o matuto comentarista ao afirmar que, se o tal intelectual, que leu tantos livros recheados de tantos conhecimentos, não for capaz de abstrair deles, com sua própria inteligencia, a capacidade de interpretá-los no chão do mundo real, de onde eles surgiram, o cara não passa de um cara que aprendeu a ler e é melhor consultar o Google do que prestar atenção no que fala o tal filósofo.
Como diz aquela canção. Quem sabe faz a hora. A inteligência demonstra-se, acima da intelectualidade, quando o camarada consegue sintetizar, com aquilo que aprendeu, uma nova elaboração que possa ser experimentada com sucesso na realidade do chão onde pisam as pessoas. O comentário desse leitor, a que me refiro, foi posto a um texto escrito por um tal de Maringoni que, como Safatle, leu muitos livros, mas ainda não conseguiu fazer nada de útil com tanta leitura.

FrancoAtirador

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Hoje, houve a Convicção, dentro do PT, de que a Única Pessoa
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que tem Absoluta Certeza do que está fazendo é Dilma Vana.
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Espera-se ansiosamente, ainda que ceticamente, esteja Certa.
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Caio

E ele ainda foi operário! O Singer, é óbvio!

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