Antônio David: Carta aberta a Vladimir Safatle

Tempo de leitura: 3 min

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Carta aberta a Vladimir Safatle

de Antônio David, via e-mail 

Vladimir,

Não foi com surpresa que recebi seu e-mail, alguns dias depois de ter publicado um artigo no qual dirigi críticas a você.

Caro,

Dentro de um debate honesto e respeitoso (como você já fez outras vezes), poderia discutir sua colocações e discordâncias, mas chamar-me de integralista é algo de vil, baixo e que não merece resposta alguma. Peço que, por favor, tire-me de sua lista de e-mails. 

Sem mais,

Vladimir

Obviamente, a última frase não interessa a ninguém. Se você tivesse limitado-se a ela, não haveria razão alguma para essa carta ser escrita. O que interessa é a primeira frase: “Dentro de um debate honesto e respeitoso (como você já fez outras vezes), poderia discutir sua colocações e discordâncias, mas chamar-me de integralista é algo de vil, baixo e que não merece resposta alguma”.

Em primeiro lugar, vil e baixo é responder privadamente a uma crítica que lhe foi feita publicamente.

Teria sido digno de sua parte ter escrito uma nota para o Viomundo. Ou, uma vez que minha crítica “não merece resposta alguma”, ao invés de responder (!) privadamente, talvez o melhor fosse fazer como você sempre fez no nosso debate honesto e respeitoso: silenciar.

Em segundo lugar, se você tem realmente interesse em debates honestos e respeitosos, penso que caberia ler com mais cuidado as críticas que lhe são dirigidas.

O que eu disse é que o discurso integralista é um caso exemplar de uma forma autoritária de pensar que opera com pontos fixos, externos ao pensamento, aos quais o pensar deve se subjulgar.

Isso foi o que eu disse no artigo. O que eu não disse é que, quando Marilena Chaui analisou o discurso integralista, ela constatou que essa mesma forma autoritária de pensar está presente não apenas entre os integralistas, mas também entre liberais e socialistas. Portanto, você não deveria se surpreender com a crítica.

(Desnecessário dizer que o que eu escrevo em meus artigos é de minha responsabilidade).

Eu não o “chamei de” integralista. Não tenho interesse em chamar ninguém de nada. Meu interesse é criticar ideias. Portanto, quando você diz que eu o “chamei de” integralista, além de dizer uma inverdade, no fundo você está apresentando um pretexto para não discutir a crítica que lhe foi feita. Está fugindo do assunto.

Não precisaria de pretextos. Bastaria silenciar.

Em terceiro lugar, como você dessa vez resolveu não silenciar, mas responder – e da pior forma –, penso ser o caso de reiterar o núcleo da crítica, que você ignorou em sua resposta.

Ao trabalhar com pontos fixos, tomados como verdades de antemão, verdades tão autoevidentes que sequer necessitam ser examinadas, seu discurso cumpre o papel de interditar a reflexão e bloquear o debate.

Pois, quem parte do pressuposto de que é necessário construir algo “realmente novo e diferente” (seja lá o que isso signifique) – esvaziando o caráter problemático da construção para, em seu lugar, introduzir um mero slogan –, de que a estratégia em vigor merece uma “rejeição clara” – esvaziando toda a contradição e com isso igualando-se àqueles que defendem uma aceitação total e acrítica dessa mesma estratégia –, e de que todo o impasse atual se resume à “falta de coragem” – esvaziando o debate mesmo sobre estratégia, seja qual for o ponto de vista, pois o próprio ato de pensar a estratégia passa a ser supérfluo e até mesmo inútil –, só pode chegar a uma única conclusão: não há reflexão a fazer, não há o que debater.

Há quem seja contra toda forma de propaganda, vendo na propaganda apenas um instrumento de emburrecimento. Eu não sou contra a propaganda por princípio. Mas quando a propaganda coloniza o pensamento, quando o pensar é instrumentalizado e tem como único objetivo persuadir, quando o que se faz é reafirmar e repetir algo para um público específico, já convencido, quando o pensar cede lugar a um discurso que na prática apenas serve para coesionar, não há pensamento algum.

Ao cumprir o papel de formular um discurso coesionador, saiba que você contribui para reforçar as “estruturas dirigistas, hierárquicas, hegemonistas e centralizadas” que você pretensamente quer combater. Afinal, um exército persuadido não pensa, apenas obedece.

Em suma, existe um problema a ser enfrentando pela esquerda no seu conjunto. Esse problema chama-se estratégia. Seu discurso, meu caro, interdita a reflexão e o debate sobre esse problema.

Essa é a crítica. Como você pode ver, trata-se de uma crítica às suas ideias. Não tenho problema algum em ser criticado. Ao contrário. Caso você queira ainda responder, apenas peço que não invente pretextos: responda à crítica que lhe foi feita. E, por favor, responda publicamente. Caso, no entanto, você prefira, como de praxe, silenciar, estamos acertados.

Antônio David

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Comentários

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Paulo Arantes

Cara, às vezes as pessoas não silenciam porque não tem argumentos, mas porque não te levam minimamente a sério pra responder…

FrancoAtirador

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Questão Secular no Capitalismo
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“Como humanizar e moralizar um Sistema
que é intrinsecamente Desumano
e manifestamente Corrupto”
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Lucas

parece que o articulista do Viomundo ficou machucado depois de perder o interlocutor favorito.
tinha que aumentar a força do golpe para vencer o peso morto que hoje significa apoiar o PT, parece que errou na medida.

O Nassif explica isso muito bem: uma personalidade pequena bate na grande para tentar fazer parecer que ambos estão no mesmo patamar. Antônio agora vai ter que procurar outro alvo para crescer como intelectual da midia “nacional e popular” brasileira.

    Antônio David

    Meu caro,

    1) Quem ficou machucado não fui eu, mas meu interlocutor. Isso é bastante óbvio.

    2) Eu não “apoio o PT”. Ao dizer que eu “apoio o PT”, você dá razão para mim. Pois a sua percepção binária das coisas (há duas alternativas, a favor do PT ou contra o PT) é fruto exatamente do discurso emburrecedor de Vladimir e de outros, discurso esse que induz as pessoas a não refletir, a não pensar, a não debater, mas a ter pensamento binário. Te agradeço por oferecer, com seu comentário, um exemplo do que eu tenho dito em meus artigos.

    3) Se eu sou uma “personalidade pequena”, que dirá você, que comenta o texto escrito por uma personalidade pequena.

    AD

Leo F.

Eu não sei, mas devo estar velho demais pra essas coisas
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Toda vez que observo um debate desse tipo, não consigo pensar em nada que não seja, uma grande soma zero. Parece que a todo momento, uma camada da esquerda quer mostrar como entende mais de povo e de política do que outra parcela da esquerda.
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Como se fosse numa grande fogueira das vaidades. Que me desculpem o Antonio David e o Vladimir, já que devo estar fazendo um juízo de valor completamente fora do que os dois realmente objetivam. Mas, é o que sinto, sinceramente, toda vez que leio textos e respostas desse tipo. E não sei se sou o único
.
Pode haver causa nobre, que traga sempre novas ideias e refresque um pouco os quadros e lideranças na luta político-ideológica do país.
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Mas, parece que na vontade de fazer valer mais uma visão em relação a outra, estamos nos esquecendo de atingir uma síntese … um ponto de acúmulo de forças em que a gente pare e diga: “Ok, entendo este ponto aqui e refuto estes. Dada a necessidade de não ver morrer projetos razoavelmente progressistas, vamos focar aonde podemos combater juntos ?”. Sem qualquer peleguismo. Diria até que, mais teoria dos jogos para dar uma iluminada.

Diego

Enquanto nos afundamos com esse congresso que cospe absurdos sobre nossas vidas , com a direita que enche ruas para criminalizar qualquer um que use camisa vermelha, com uma verdadeira caça às bruxas a qualquer esboço de pensamento progressista, somos obrigados a ver duas grandes mentes da esquerda numa postura fraticida. Numa disputa entre Saflate e Antônio Davi quem sai ganhando são os coxinhas. Pelo visto, aqueles que se declaram de esquerda continuarão a viver um clima de perseguição, tanto por parte dos inimigos declarados quanto pelo fogo amigo. Espero que possamos renovar nossas esperanças num futuro próximo.

Macedo

Concordo com o Safatle em quase tudo. Algo “realmente novo e diferente” seria promover o desenvolvimento do País contrariando os interesses da elite, o que involveria auditoria da dívida pública, reforma agrária e políticas de habitação que não tenham os interesses dos bancos e empreiteiras acima dos interesses do povo… para citar só alguns pontos, já trazidos pelo próprio Safatle. Isso representaria uma “rejeição clara” à estratégia petista de proteção aos interesses do capital em detrimento dos direitos constitucionais dos cidadãos. Não concordo com o Safatle que seja uma questão de “falta de coragem”, e sim, de falta de interesse em contrariar agronegócio, bancos, empreiteiras e todos aqueles que investiram pesado nas campanhas do PT para garantir que seus privilégios sejam preservados. A verdade é que o PT tornou-se um partido de direita, embora continue apresentando-se como de esquerda, mas a sua máscara está caindo.

    Luciano

    Macedo, para contrariar os interesses de bancos e agronegócio e fazer auditoria da dívida e tudo mais, é preciso fazer política. O PT não faz isso simplesmente por que não quer ou por que seus interesses são puramente financeiros. A estrutura de poder do estado é dominada pelo poder econômico, quem tenta fazer alguma coisa mais a esquerda no Brasil, como reforma agrária, é destituído do poder e exilado. O que falta realmente é a estratégia de como trazer o apoio da imensa maioria do eleitorado brasileiro para combater a desigualdade.

    Macedo

    Luciano, com todo o respeito, não acho que seja uma questão de “falta de estratégia”, e sim, falta de vontade política para atingir objetivos específicos. O lulismo foi uma estratégia que funcionou por um período e tem seus méritos, mas ela não foi estruturalmente transformadora. Tanto é que, agora que essa política está esgotada, retornamos à política econômica neoliberal à moda de FHC. Na minha ótica, o PT deixou de ser de esquerda desde que passou a governar para a elite, endividando a população enquanto promove programas de distribuição de migalhas, que ainda que importantes, não atuam na raiz dos problemas. O Bolsa-família, que é o maior deles, representa pouco mais do que 0,5% do PIB e não vem sendo devidamente ajustado com a inflação. A direita, por outro lado, está unida como sempre esteve. Ao contrário daquela que se apresenta como esquerda, a direita é coerente com seus objetivos, que são os de colocar os interesses do capital acima de tudo. O erro mortal do PT foi se concentrar em manter o status quo, enquanto que o País precisa de uma política transformadora na raiz, não na superfície como vem sendo feito. O problema não é falta de “estratégia”, ele é muito mais grave do que isso. O problema é a falta de objetivos coerentes com as ideologias de esquerda. Antônio David que me perdoe, mas não cola essa de que o PT fez todo o possível e agora só recebe críticas gratuitas. Quem é consciente da maneira como o governo petista resolveu seguir as regras do “toma lá, dá cá”, ao invés de promover uma ampla transformação das regras em si, não se comove com essa postura de “coitadismo”.

Yacov

Wladimir Safatle é a esquerda caviar a qual o BOÇAL do Constantino se referiu. Ficar teorizando do alto de sua torre de marfim é fácil, eu quero ver tu ir lá e fazer, meu chapa. Quero ver tu abraçar o URSO, professor.

“O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES – O que passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÃO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

Seu Zé

Safatle podia dormir sem essa.

Lafaiete de Souza Spínola

Nosso povo necessita:

https://www.facebook.com/LafaieteDeSouzaSpinola/posts/376383689185712

Luiz Mattos

Vladimir é a esquerda amada pela direita,Vladimir comporta-se sim como um integralista.

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