Amir Khair e os crescentes déficits nas contas externas

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Política industrial nas cadeias produtivas

Durante o governo FHC (1995/2002) ocorreu déficit em todos os anos, com média anual de US$ 23,3 bilhões. A perda nos oito anos chegou a atingir US$ 186,2 bilhões! Essa foi uma das “realizações” daquele governo. Desde o primeiro ano do governo Lula, em 2003, passou-se a ter superávit nas contas externas que durou até 2007. A média anual foi de US$ 9,0 bilhões. A partir de 2008 mergulharam em preocupantes déficits que atingiu US$ 47,5 bilhões em 2010. Para este ano as previsões apontam para um rombo de US$ 60 bilhões e, se nada for feito se ampliaria para US$ 70 bilhões em 2012. O artigo é de Amir Khair.

por Amir Khair, em Carta Maior

Uma das preocupações do governo é tentar reverter o incômodo e crescente rombo nas contas externas. Durante o governo FHC (1995/2002) ocorreu déficit em todos os anos, com média anual de US$ 23,3 bilhões. A perda nos oito anos chegou a atingir US$ 186,2 bilhões! Essa foi uma das “realizações” daquele governo.

Desde o primeiro ano do governo Lula, em 2003, passou-se a ter superávit nas contas externas que durou até 2007. A média anual foi de US$ 9,0 bilhões. A partir de 2008 mergulharam em preocupantes déficits que atingiu US$ 47,5 bilhões em 2010. Para este ano as previsões apontam para um rombo de US$ 60 bilhões e, se nada for feito se ampliaria para US$ 70 bilhões em 2012.

A razão desta situação está fundamentalmente no câmbio, pois o que permitia superávits nas contas externas era o bom resultado da balança comercial (diferença entre exportações e importações). Nos anos em que ocorreu superávit nas contas externas (2003 a 2007) a balança comercial contribuiu em média por ano com US$ 37,9 bilhões. A partir de 2008 foi murchando essa contribuição até ficar em apenas US$ 20,3 bilhões em 2010. A valorização do real perante o dólar foi de 40,8% entre a média 2004/2007 e 2010. Com isso retraiu-se as exportações e se ampliaram as importações de vários produtos.

Outro efeito, e esse mais danoso da valorização, foi o crescimento vertiginoso do déficit da balança de serviços e rendas. Ela engloba o saldo das viagens internacionais, fretes, seguros, remessas de lucros, dividendos e royalties e juros principalmente. Essa balança sempre foi deficitária, mas sua evolução é assustadora. Foi de US$ 23,5 bilhões em 2003 e atingiu US$ 70,6 bilhões em 2010. Com o real forte aumentam as remessas de lucros e dividendos e as viagens internacionais, que são seus componentes principais.

Para atenuar essa situação é necessário melhorar nossa balança comercial, ampliando nossas exportações e controlando mais as importações. Sobre este controle o governo pretende aferir a qualidade antes da internalização no Brasil dos produtos importados e impedir que produtos produzidos na China, porém exportados por outros países asiáticos, entrem no País. Fora o câmbio, para uma solução de maior peso estratégico precisa ainda ocorrer uma mudança na política industrial do País, como será proposto à frente.

A globalização acirrou a concorrência entre empresas que têm que concorrer no plano global. Para isso, deve contar com posição estratégica favorável no conjunto de seus fatores de produção.

Infelizmente vários fatores atuam dificultando as empresas localizadas no País, como a alta carga tributária e juros, custos elevados de infra-estrutura e de logística, cipoal burocrático e câmbio desfavorável. Isso causa perda de posição competitiva interna e externa e no caso da indústria essa situação é particularmente preocupante.

Mas isso poderia ser atenuado caso fosse usada nossa posição estratégica em commodities e nos alimentos. Constituem insumos importantes nas cadeias produtivas que poderiam ser usados para a produção de outros produtos com maior valor agregado, conteúdo tecnológico e geradores de emprego. Infelizmente pouco se tem aproveitado dessa posição para ampliar nossa competitividade.

Exemplo emblemático disso foi dado pela Vale ao subir substancialmente os preços internos do minério de ferro, elevando custos às empresas e consumidores e gerando inflação em momento delicado que o País atravessava para romper com as amarras criadas pela crise internacional. Ao fazer isso facilita a penetração de produtos de fora que podem contar com outros fatores a seu favor, deslocando a produção nacional. Mas o problema não se circunscreve só à Vale eesse é o tema que será abordado em sequência.

Política Industrial

Intensificou-se, sobretudo na década passada, forte concentração de capital na área de commodities através de fusões e aquisições entre as empresas que estavam no topo das cadeias produtivas e muitas empresas brasileiras participaram desse movimento e foram das protagonistas dos aumentos de preços. Com isso, os produtores de commodities vêm usando seu poder de mercado na definição de preços, que sobem mais por essa razão que pelo efeito de maior demanda da China.

Visando contribuir ao debate sobre bases de uma política industrial a Associação Brasileira da Indústria de Plástico – Abiplast – encaminhou ao governo propostas com destaque para a que visa maior aproveitamento das cadeias produtivas cujo topo são commodities. Propõe a transferência de uma parte dos ganhos dos produtores de commodities e de empresas com grande poder de mercado que atuam em etapa dessas mesmas cadeias, para as que estão a jusante de ambas, que são os fabricantes de produtos de maior valor agregado, conteúdo tecnológico e geradores de emprego.

A transferência se daria via tributação das exportações dos produtores de commodities em níveis que mantenham sua posição competitiva externa, e com o aumento da receita fiscal, o governo poderia reduzir em igual monta a carga tributária incidente sobre os segmentos a jusante. Com isso, é possível discutir a concessão de incentivos fiscais para o cumprimento de metas com relação ao aumento de investimentos em máquinas e equipamentos, de produtividade, em pesquisa, desenvolvimento e inovação, etc. por parte das empresas a jusante das cadeias produtivas. Para não se ter dúvida sobre a certeza dessa medida, a Austrália aplica taxação sobre as exportações das empresas de minério de ferro. A Índia elevará o imposto de exportação cobrado sobre minério de ferro fino e granulado para 20% a partir de abril, segundo informou o Ministro de Finanças, Pranab Mukherjee.

Em certas cadeias, a competitividade está presente, também, em etapas seguintes à atividade extrativa ou primária. Na cadeia do minério de ferro vem a indústria siderúrgica e em sequência a indústria automobilística. No caso do petróleo vem em sequência a indústria petroquímica em suas várias gerações de produtos.

As alianças estratégicas têm vários modelos. Um deles foi o “toyotismo”, que -nasceu na Toyota, e se propagou por todo o tecido industrial japonês, se constituindo na base da revolução industrial do Japão ocorrida na segunda metade do século passado. Ela visava a otimização da competitividade de toda a cadeia produtiva da indústria automobilística. Mais adiante, modelos similares foram adotados por alguns países como a Coreia do Sul, com excelentes resultados.

Outro modelo é o que adota a China onde o estado ocupa setores econômicos considerados estratégicos para subsidiar outros segmentos das cadeias produtivas. A busca de posições estratégicas no caso do governo chinês vai além. É feita também em outros países através de compras de participações acionárias e/ou concessão de financiamentos com garantias futuras de suprimento em condições favoráveis, como, por exemplo, no empréstimo de US$ 10 bilhões feitos à Petrobras.

No Brasil infelizmente ainda prevalece a mentalidade de focar no sucesso da empresa que ocupa o topo da cadeia produtiva, sem uma política que vise maximizar o resultado do conjunto da cadeia competitiva. Isso geraria no mercado interno redução de custos e preços, e no externo maior poder competitivo expandindo nossas exportações. Os ataques à troca de comando da Vale espelham essa mentalidade.

Parte desse sucesso dessas empresas do topo se deve à prática de igualarem os preços de seus produtos no mercado interno com os do mercado internacional, acrescidos dos custos de internalização. Dessa forma estão beneficiando os fabricantes estrangeiros que concorrem com nossas empresas localizadas a jusante das cadeias produtivas.

A diferenciação de preços no mercado interno daria para ajudar a atenuar o chamado custo Brasil. No país, as empresas do topo aumentaram seus preços bem acima da valorização do real. O minério de ferro, por exemplo, valorizou-¬se em mais de 100% nos dois últimos anos, enquanto a valorização do real foi de cerca de 40%. Segundo relatório do Citibank, de 09/02/11, “Global Commodities Daily”, o preço do aço no Brasil é 50% maior que o da Ásia, sem contar o imposto de importação de 14%. Essas empresas tiveram, assim, ganhos substantivos.

Para dar suporte à sua proposta de política industrial a Abiplast levantou extenso conjunto de dados que permite comparar margens de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA), número de empresas e de pessoal ocupado para as empresas do topo e a jusante das principais cadeias produtivas cujos resultados estão condensados na tabela publicada no início desse artigo.

Vê-se claramente que os segmentos a jusante são os que geram mais empregos e têm margens EBITDA bem inferiores às empresas que se situam no topo das cadeias produtivas (destaque em preto). Na petroquímica, a margem EBITDA foi mais do dobro do segmento de artigos de borracha e plástico, que empregou quase trinta vezes mais.

Na cadeia do minério de ferro, o segmento de máquinas e equipamentos, punido pela crise dos anos em análise (2008/2009), pelos preços do aço e pela valorização do real que provocaram um crescimento das importações, teve a margem EBITDA de 0,2% e empregou 6,3 vezes mais que a indústria de mineração. O segmento de autopeças com margem EBITDA 4,1 vezes menor que a mineração empregou 5,1 vezes mais.

Mas a diferenciação de preços entre os mercados interno e externo não é o único meio para aumentar a competitividade das cadeias produtivas. A calibragem da tarifa aduaneira em relação às commodities poderá desempenhar papel adicional importante, assim como a eliminação, em casos específicos, de barreiras não tarifárias que impedem qualquer tipo de competição. Isso obrigará os formuladores de política industrial a pensar nas que minimizem a deficiente proteção comercial brasileira e as reduções de ICMS concedidas por dez estados aos produtos importados, o que constitui privilégio tributário ao produto estrangeiro na concorrência com o produzido no País. Essas distorções deverão ser corrigidas o mais rápido possível.

Outra questão relevante é garantir o maior nível de competitividade. Isso contribui para dinamizar a economia e reduzir a inflação. Nesse sentido as entidades responsáveis em disciplinar a concorrência, entre elas o CADE, ainda estão a desejar no combate a abusos de poder econômico, expresso em preços e em outras práticas condenáveis de monopólios ou de oligopólios concentrados.

Este artigo não tem a pretensão de esgotar a discussão do que fazer, levando em conta o que acontece nas cadeias produtivas, mas aprofundar a discussão em torno de uma da política industrial com visão de cadeia produtiva, que contribua para aproveitar nossa vantagem competitiva nas commodities.

(*) Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor


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Comentários

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Lucas

O texto dá boas sugestões, mas há de se tomar cuidado para não cortar custos com os trabalhadores, porque com salário de chinês não dá. E não diminuir os impostos sobre as empresas tanto que não dê mais pra custear os serviços públicos no Brasil (Que, fora o bolsa família, já não são lá essas coisas). Mais importante ainda, diminuir impostos apenas sobre capital produtivo, ou começaremos a ter problema como o dos EUA, com todo mundo aplicando todo seu dinheiro no cassino financeiro.

fernandoeudonatelo

Excelente texto de um assunto jogado pra escaneio, com toda o furdunço midiático da "hiperinflação".
O Setor Externo.

São déficits históricos e crescentes em transações correntes na balança de pagamentos, principalmente puxados pela balança de serviços,como o autor destaca, não apenas o câmbio é o problema. Existe um fator estrutural , que é a fraca inserção competitiva industrial de ponta que o Brasil apresenta no mundo, por falta de programa orientados em ICT e políticas públicas nessa direção.

Na questão de o governo "não perder o equilíbrio fiscal", seria mais interessante aumentar a carga tributária líquida (a bruta é alta), ou seja, reduzir os repasses de renda com as despesa com juros e encargos da dívida ou isenções (justamente as que são pedidas), liberando verbas para transferências sociais e Gastos do Governo propriamente ditos (aonde entrariam investimentos em infra-estrutura, incubadoras estatais e empresas piloto público-privadas).

    fernandoeudonatelo

    Justamente por isso, não creio que seria interessante sobretaxar as exportações de commodities, para isentar outros em termos de alívio fiscal, mas reformar a engeharia tributária tornando-a mais progressiva e incidente por valor agregado e produto final, e não por consumo, além de ampliar a base tributária sem elevação de alíquotas.

E a terrível crise da “hiperinflação” se esvai | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Para Amir Khair, o verdadeiro problema é nas contas externas (clique aqui)   […]

waleria

Sem politica cambial – porque andar ao léu não é politica cambial….

Seremos para sempre produtores de commodities.

Sem um sistema Judiciario justo e honesto…..

Seremos sempre um pais de terceiro mundo… mesmo sendo remediado em sua economia…

Carmem Leporace

A vaca está indo pro brejo…

Oito anos copiando e colando tudo de FHC,manteve exatamente a mesma política econômica, sem nada mudar, sem reformas e sem fazer absolutamente NADA, a não ser ficar pregando suas baboseiras de cima de seu palanque 24 horas por dia, sem trabalhar, vivendo na base do gogó e de muito bla bla bla inútil… tudo isso começa a cobrar o seu preço agora.. um preço alto demais para a capacidade de Dilma… tendo o PT como posição fica ainda pior…

Tchau rapaz.

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