Amazônia é a “bola da vez” para doença de Chagas

Tempo de leitura: 6 min

por Altino Machado, do Blog da Amazônia, via Site Lima Neto

O pesquisador Aldo Valente, 48, chefe da seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas, em Belém, alerta que o Pará enfrenta uma epidemia de doença de Chagas.

De acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde, neste ano já foram notificados 85 casos da doença no Estado, sendo 36 casos na capital. Dez pessoas já morreram.

Doutor em biologia parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz, Valente já trabalhou em regiões hiperendêmicas da Bolívia, Equador, Colômbia, Guatemala e Honduras, onde não encontrou índice de 10% de mortalidade como o registrado no Pará.

O pesquisador assinala que a doença de Chagas é negligenciada por não ser democrática.

– Ela só ocorre nos pobres. A dengue, por exemplo, é democrática porque não respeita a cara de quem é feio, bonito, branco, negro, pobre ou rico. Neste ano está sendo iniciado no Brasil o teste de uma vacina contra a dengue em seis Estados. Essa vacina vai funcionar, mas nunca teremos uma vacina contra uma doença negligenciada. Nunca e jamais porque a doença de Chagas não é democrática e não dá retorno financeiro. É o capital que manda.

Para Aldo Valente, se há notícia sobre doença de Chagas no Brasil no momento, isso se deve ao fato de que a mesma é transmitida pelo açaí.

– O açaí, depois do minério, da madeira e do tráfico de drogas, é o produto mais importante da economia do Pará. O Estado exporta algo em torno de US$ 1 bilhão em polpa de açaí, atividade que gera emprego para 200 mil pessoas. O PIB, só com açaí, é maior do que muitas cidades da Amazônia – afirma.

Leia a íntegra da entrevista com Aldo Valente:

BLOG DA AMAZÔNIA – Como o senhor explica o crescimento da doença de Chagas na Amazônia. O barbeiro não existia antes na região?

ALDO VALENTE – Na verdade sempre existiu. Os primeiros estudos da doença de Chagas na Amazônia datam da década de 30. Foi identificado que na região havia triatomíneos infectados vivendo com animais silvestres também infectados. Na medida em que as cidades foram crescendo, a população começou a procurar a periferia das cidades, que ainda guardam alguma reserva de mata, onde estão os ecótopos. Quando o homem entra nesse ambiente, destrói os ecótopos e os barbeiros se dispersam. Como os barbeiros vivem de se alimentar do sangue de mamíferos, entram nas casas para tentar se alimentar do sangue dos cães e nos galinheiros. Isso é comum em qualquer cidade da Amazônia.

A população da região sudeste é a mais castigada pela doença de Chagas?

Não. Nas antigas regiões endêmicas, os barbeiros viviam dentro das casas, mas aqui, na Amazônia, já viviam no ambiente silvestre. Nas regiões endêmicas ocorreu um plano de borrifação sistemática das casas por iniciativa dos países do Cone Sul. Em 2006, o Brasil recebeu a certificação de interrupção da transmissão da doença de Chagas pelo principal vetor, que é o Triatoma infestans, o principal barbeiro que vivia dentro das casas. A Amazônia passou a ser “bola da vez” porque o homem avança na mata e a mata reage.

Dos Estados da Amazônia, qual deles demanda maior preocupação?

O Pará. Já foram registrados neste ano mais de 80 casos de doença de Chagas com 11 óbitos. A mortalidade já passa de 10%. Isso é um índice muito elevado, absurdo. Depois do Pará, a maior preocupação é com o Estado do Amapá, seguido do Amazonas e, por último, o Acre, que tem casos muito esporádicos. Mas nossa preocupação com o Acre é porque ele tem uma fronteira com a Bolívia, que é um país hiperendêmico de doença de Chagas. Além disso, o Acre tem uma saída pro Pacífico através do Peru, que é outro país endêmico de doença de Chagas. É necessário um serviço de vigilância no Acre para que a gente não seja apanhado de surpresa diante da eventual entrada ou recrudescimento de casos que ocorrem no Estado.

A questão preocupa realmente os países fronteiriços?

No ano passado, a Bolívia passou a fazer parte dos países do Cone Sul, o que a obriga a aceitar as imposições que são feitas para controle. O Peru também faz controle como integrante dos Países Andinos. O Instituto Evandro Chagas se antecipou para colaborar com o Acre criando uma unidade no Estado.

Qual a gravidade do processo de contaminação de uma pessoa pela doença de Chagas?

A doença de Chagas é uma doença de caráter benigno. Se não for tratada a tempo, pode causar sequelas graves a curto e longo prazos.

Então é uma doença que tem cura.

Tem plena possibilidade de cura quando diagnosticada a tempo e tratada na fase aguda. O ruim é quando passa para a fase assintomática. Depois de 20 ou 30 anos, pode desenvolver a fase crônica, digestiva ou cardíaca, o que muitas vezes incapacita as pessoas para o trabalho. O governo tem que aposentar essas pessoas por invalidez e isso tem um custo muito alto, além do custo pessoal de uma vida limitada sob medicação, quase sem qualidade de vida.

Quantas pessoas no Brasil estão com doença de Chagas?

Existem em torno de 10 milhões de brasileiros com a doença. É um número alto e a maioria dessas pessoas está na fase crônica. Dá para imaginar o quanto custa um paciente de doença de Chagas que não foi tratado. Quando é tratado, o custo não chega a R$ 10 mil por paciente. A longo prazo, o custo é infinitamente maior. Existe uma perda pessoal decorrente da pouca qualidade de vida, o sistema de saúde que absorve, porque terá que ter tratamento clínico especializado em cardiologia e gastroenterologia, inclusive com cirurgias de alta complexidade, além do custo benefício previdenciário, pois o governo vai ter que pagar para uma pessoa jovem que não produz mais. Portanto, o custo é 15 vezes maior do que tratar e acompanhar o indivíduo na fase aguda.

O senhor avalia que estamos vencendo as batalhas contra a doença desde a descoberta por Carlos Chagas?

Sim, com certeza. Infelizmente, a doença de Chagas é uma das doenças negligenciadas. O Brasil interrompeu a transmissão da doença de Chagas em 2006, mas demorou muito porque o trabalho era feito de maneira desorganizada. Depois que se organizou e se manteve dinheiro para continuidade das borrifações, se conquistou plenamente a interrupção da transmissão. Mas ela continua sendo uma doença negligenciada porque só existe um medicamento disponível para tratamento. Apesar de uso limitado, o medicamento tem uma boa eficiência se a doença for diagnostica na fase aguda. A Roche, que fabricava o remédio, passou a patente para o governo brasileiro porque não tinha mais interesse em produzi-lo. Para a Roche, comercialmente não era mais importante.

Com certeza não haverá nenhum outro medicamento produzido para doença de Chagas. Laboratório nenhum vai investir dinheiro em 10 ou 15 anos de pesquisas com esse objetivo. Portanto, é melhor fazer a vigilância da doença de Chagas. Um laboratório não vai enterrar US$ 150 milhões por ano durante 15 anos para desenvolver uma medicação que poderá dar certo ou não. Para não ter casos de doença de Chagas é melhor gastar R$ 1 milhão por ano com vigilância.

O que pesa mais contra a doença de Chagas?

Pesa o fato de não ser uma doença democrática. Ela só ocorre nos pobres. A dengue, por exemplo, é democrática porque não respeita a cara de quem é feio, bonito, branco, negro, pobre ou rico. Neste ano está sendo iniciado no Brasil o teste de uma vacina contra a dengue em seis Estados. Essa vacina vai funcionar, mas nunca teremos uma vacina contra uma doença negligenciada. Nunca e jamais porque a doença de Chagas não é democrática e não dá retorno financeiro. É o capital que manda.

O que está acontecendo no Pará?

Hoje, se há notícia sobre doença de Chagas no Brasil, se deve ao fato de que ela é transmitida pelo açaí, um alimento de enorme importância econômica no Pará. Se a doença de Chagas não fosse transmitida pelo açaí, estaria nas sarjetas das doenças desgraçadas. O açaí, depois do minério, da madeira e do tráfico de drogas, é o produto mais importante da economia do Pará. O Estado exporta algo em torno de US$ 1 bilhão em polpa de açaí, atividade que gera emprego para 200 mil pessoas. O PIB, só com açaí, é maior do que muitas cidades da Amazônia. Agora mesmo, no centro de Belém, estamos com quase 50 casos de doenças de Chagas com oito óbitos. O barbeiro vem contaminando um cesto com sementes de açaí, na hora que é processado dentro da máquina, sem a higienização adequada, é triturado junto com os frutos. O suco é consumido e as pessoas adoecem. É um problema de vigilância sanitária. Conceitual e epidemiologicamente o Pará vive uma epidemia de doença de Chagas.

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Comentários

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Christiane

Ai, ai , ai… fiquei preocupadissima agora!
Moro no exterior e ja consumi 2 poupas de açai congelado. A marca é "Ataste of the Amazon" em sachês de 100g cada. No mais, comprei igualmente o suco concentrado de açai PREMIX da Riomar Conservas Ltda.
Ambos fabricados no ano 2010 – polpa em março e suco em setembro. Nao ha nenhuma notificaçao nas embalagens de que a polpa é pasteurizada.
Vocês teriam as empresas ou os produtores onde foram encontrados a contaminaçao?
Normalmente esses produtos chegam pela Alemanha e sao distribuidos em diversas lojinhas de produtos brasileiros.
E o que devo fazer para despistar essa doença?
Obrigada pela informaçao!

José

Vale salientar que o Brasil é o único produtor do remédio para o tratamento da doença de Chagas e não tem honrado este compromisso.
Vejam artigo da MSF em http://www.doctorswithoutborders.org/publications

Graça Moraes

Na verdade: o indicado mesmo é não arriscar.
Não devemos comer açaí sem saber a procedência.

Leiam a notícia do dia 25 de outubro:
Belém fecha pontos de venda de açaí após casos de doença de Chagas

AGUIRRE TALENTO
DE BELÉM
Após um aumento de 80% nos casos de doença de Chagas em Belém neste ano, a Vigilância Sanitária do município interditou ontem cinco pontos de venda de açaí.
Os locais interditados não tinham documentação exigida e desobedeciam regras de higiene na manipulação do fruto e, por isso, apresentavam risco de contaminação.
Um dos problemas, por exemplo, era que um dos locais funcionava em uma estrutura de madeira -propícia para a proliferação do barbeiro, inseto transmissor da doença de Chagas.
No Pará, o açaí é preparado diretamente a partir do fruto, o que exige mais cuidados de higiene. Se as fezes do barbeiro caem no alimento, há o risco de que o consumidor seja contaminado.
http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2011/10/25/

Taques

Antes fosse só a Amazônia.

No Brasil real, não aquele Brasil maravilha registrado em cartório, não é só a doença de chagas que flagela nosso povo. Não nos esqueçamos da dengue, que promete muito para este verão. Tem também a febre amarela, focos de meningite …

Mas não tem problema não, ficando doente é só procurar o nosso sistema de saúde que, segundo o "cara", "beira a perfeição".

JMZem

Outra coisa…que deveria ter sido perguntada a ele:

no caso de consumo do açaí congelado (aqui no Sul há muito disso – vc compra no mercado açaí em poupa congelado). Nesse caso o parasita morre ou hiberna? Se apenas hiberna, e volta a "atividade" após o descongelamento para a produção do suco em casa, na lanchonete, no bar etc, o problema (dispersão da doença) pode agravar aind mais a situação. Em pouco tempo, teríamos uma epidemia.

    Vlad

    Pela notícia, que não é nova, o congelamento não garante nada.
    http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/aca

    Edmundo Borges

    Açai congelelado não significa que é pasteurizado.
    O congelamento não mata o T. Cruzi!
    Portanto açai congelado só consuma se tiver certeza que foi pasteurizado.
    Há 2 processos de eliminação do T. Cruzi no açaí: o branqueamento e a pasteurização.
    Interessados por favor leiam matéria da Embrapa: Processamento embalagem e conservação http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/Fonte

Nair Mendes

Segundo Amoras, em empresas grandes, os fabricantes utilizam o processo de pasteurização, no qual a polpa do açaí é aquecida durante alguns segundos a temperaturas entre 80oC e 90oC, e depois é imediatamente resfriada. Isso, de acordo com o diretor, elimina o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença.

Em nota técnica divulgada no dia 23 de agosto, o Ministério da Saúde recomenda aos produtores artesanais “a utilização das técnicas de higienização e branqueamento [imersão em solução de hipoclorito] do fruto do açaí, aliada às boas práticas de coleta, transporte, armazenamento e manipulação, visando minimizar o risco da contaminação do suco”.
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL95750-5…

Nair Mendes

Açaí pasteurizado elimina risco de mal de Chagas

Processo de choque térmico mata protozoário que causa a doença.
Pará contabiliza 37 casos que podem ter sido contraídos pela ingestão do açaí.

Giovana Sanchez Especial para o G1, em São Paulo

O açaí é uma das possíveis causas de 37 contaminações por mal de Chagas ocorridas no Pará este ano — entre elas uma morte. O inseto que transmite a doença, o barbeiro, tem sido triturado com o fruto na hora da extração da polpa do açaí.
A Fundação Ezequiel Dias (Funed), que está responsável por realizar testes em amostras de sangue possivelmente contaminadas nas regiões Norte e Nordeste, divulgou no começo deste mês uma nota em que diz que a investigação “mostrou que a provável causa da contaminação foi a ingestão do açaí, triturado juntamente com o barbeiro ou suas excreções”.

Ainda de acordo com a Funed, “o alerta vale para o açaí de produção caseira, que nem sempre obedece às normas da Vigilância Sanitária”. Para ser consumido, o açaí é moído e dele é feito um suco. “Em processos artesanais, muitas vezes não há o cuidado com a higiene na manipulação e na fabricação”, afirma o diretor do Departamento de Controle de Endemias da Secretaria de Saúde do Pará, Walter Amoras.

Nair Mendes

06/04/2011 – 17h07 / Atualizada 06/04/2011 – 18h10
Dos nove Estados Amazônicos, cinco aumentaram desmatamento no último semestre, diz ministério
Camila Campanerut
Do UOL Notícias – Em Brasília

Um relatório divulgado nesta quarta-feira (6) pelo Ministério do Meio Ambiente sobre o desmatamento na floresta amazônica mostra que dos nove Estados da região, cinco tiveram aumento no corte da mata no período de agosto de 2010 a fevereiro deste ano.
Os Estados que mais desmataram na comparação com o período de agosto de 2009 a fevereiro de 2010 foram Acre (com aumento de 181%), Amazonas (91%), Tocantins (66%), Maranhão (44%) e Rondônia (28%).

Valdeci Elias

Faltou ele explicar ,por que uma pessoa picada pelo barbeiro ,leva anos pra morrer da doença , enquanto que se comer o açai contaminado morre com poucas semanas ou dias ?

Vicente Cidade

Caro Azenha,

Ano passado, o senador Flexa Ribeiro foi eleito pelo Pará com um slogan "o senador do açaí". Durante a campanha vangloriava-se do fato de ter excluído a fruta da obrigatoriedade da comercialização pasteurizada, alegava que a medida esbarrava na cultura do amazônida de consumir a fruta.

Se a lei estivesse em vigor, esse surto de Chagas não existiria, pois, a prática da pasteurização acaba com praticamente 100% de qualquer contaminação.

E agora, ele vai dizer que é o senador "das Chagas do povo"?

    Marcelo de Matos

    Vicente e Valdeci. Seria bom que o Viomundo nos esclarecesse melhor sobre o barbeiro. Faz bastante tempo que não tomo caldo de cana para não contrair essa doença. Às vezes como frutas como nozes, castanhas do Pará, entre outras. Não estaria correndo o mesmo risco? Como que a gente sabe se contraiu a doença? Existe um exame específico? Aí Conceição. Precisamos retomar esse tema.

    Conceição Lemes

    Boa ideia, Marcelo. Voltaremos ao tema. abs

    Marcelo de Matos

    Inclusive eu fico preocupado com aquele orégano in natura que o pessoal coloca nas porções frias de queijo provolone. Aquilo deve ter milhões de bactérias, sem falar no barbeiro.

    Graça Moraes

    Certíssimo Marcelo!

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