André Biancarelli: “Choque e espanto” de Marina ameaça o mercado interno
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Mapa do mundo que representa o PIB/per capita. Vamos engordar ou entregar?
por Luiz Carlos Azenha
Nunca antes na História da corrida eleitoral ao Planalto uma candidatura tinha sido tão ousada ao propor uma guinada de tais proporções na economia brasileira, diz em outras palavras nosso entrevistado. Nós, não ele, é que definimos o programa como de “Choque e Espanto”, exatamente como aquele ataque que abriu a ofensiva dos Estados Unidos para invadir o Iraque. Só que aqui (também é uma definição nossa), é “entregar para crescer”.
“O programa de Marina é de uma ousadia liberal que nunca tinha sido colocada no papel em campanha eleitoral no Brasil. Ousado no mau sentido”, diz André Biancarelli, professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor-executivo do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) da mesma instituição e coordenador da Rede D.
Ele deu uma entrevista ao Viomundo a nosso pedido. Ênfase: André não fala em nome da instituição.
É a sequência de uma controvérsia em torno de entrevista concedida ao jornal O Globo pelo economista Alexandre Rands, coordenador do programa econômico do PSB.
Na entrevista, Rands atacou a Unicamp, ao defender o programa apresentado por Marina Silva:
“Não é porque os economistas de Marina são tucanos, mas simplesmente porque hoje em dia existem alguns consensos na teoria econômica. Estão em todas as universidades americanas, em 98% das europeias, em 95% das asiáticas e 97% das brasileiras. Só uma universidade aqui não tem articulação internacional, não traz e não manda ninguém para o exterior: a de Campinas (Unicamp). Ela é endógena. No entanto, tem uma força no governo Dilma que não tinha no de Lula, que era muito mais próximo do que Marina defende hoje. Os economistas de Campinas não consideram todo o desenvolvimento da teoria econômica desde a década de 1960. Dilma pensa com a cabeça de Campinas, que hoje é um lugar isolado, fora do mundo. Uma ilha que parou no tempo. Pela primeira vez, cada candidato tem propostas de desenvolvimento baseada em concepções diferentes”.
Em nota oficial, a Instituto de Economia da Unicamp já rebateu.
André Biancarelli, por sua vez, acredita que Rands talvez tenha dado a entrevista como alguém que “está buscando espaço, exagerando”, para chamar a atenção.
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“Sectário”, “radical” e “afoito” foram outras palavras que Biancarelli usou ao longo de nossa conversa, mas sempre se referindo a ideias, nunca a pessoas.
Quando lembrei que Fernando Henrique Cardoso havia governado para “enterrar” as ideias de Getúlio Vargas e que, agora, alguns assessores de Marina falam em “enterrar” as de Celso Furtado, um dos mentores da presença estatal na economia, Biancarelli rebateu:
“É deselegante e revela um certo do desconhecimento do que é o Brasil. Gustavo Franco jamais diria uma coisa destas”.
Acrescentou que os assim chamados desenvolvimentistas “jamais desprezariam as contribuições dadas por Mário Henrique Simonsen, Eugênio Gudin ou Roberto Campos ao pensamento econômico brasileiro”.
Infelizmente, esqueci de perguntar a Biancarelli se ele considerava Rands uma espécie de Zélia Cardoso de Mello de calças. Provavelmente, por elegância, ele não concordaria. Fica para a próxima.
Abaixo, um dos quadros do programa econômico da candidata do PSB:

Frases da entrevista de André Biancarelli a respeito destes, de outros pontos do programa e de falas e entrevistas de assessores de Marina:
* Sobre o papel do BNDES como indutor do crescimento econômico:
“O BNDES virou uma geni em que todo mundo bate pelo lado liberal”.
“A consolidação de uma economia desenvolvida não pode prescindir de grandes grupos nacionais, não existe exemplo histórico”.
“Vários paises do mundo invejam o Brasil por ter um banco desse tipo”.
*Sobre o papel dos bancos públicos em geral, como Banco do Brasil e Caixa:
O assunto está “na fronteira do debate econômico dos países centrais”, por conta da crise econômica de 2008.
“Quem tinha banco público conseguiu se recuperar melhor, porque existe um agente financeiro do Estado que está disposto a assumir riscos que o setor privado não assume”.
* Sobre a ênfase quase completa no papel da iniciativa privada:
“A defesa de uma ‘livre concorrência’ nesse plano empresarial significa que o Brasil não vai ter grupos nacionais, a gente vai enfrentar de peito aberto a concorrência internacional e isso vai significar que o mercado brasileiro — que já está sendo — será dominado ainda mais por empresas estrangeiras”.
“Essa é uma nova roupagem da agenda que foi implementada nos anos 90. Abertura unilateral. Unilateral sem negociar nada é como se a concorrência internacional fosse boa em si”.
[Sobre isso, diz o Viomundo, o governo Obama injetou dinheiro público para salvar os bancos e a General Motors, os Estados Unidos subsidiam sua própria agricultura na casa dos bilhões de dólares e a indústria armamentista é financiada e financia guerras onde são despejados mísseis milionários bancados pelo Tesouro norte-americano]
* Sobre a crítica dos liberais, de que o Brasil está alijado das ‘cadeias produtivas globais’, por conta da intervenção estatal:
“Não tem nada nesse discurso que garanta que as empresas virão para cá, porque a gente pode importar”.
“Conduz a uma posição conformada”, de colocar o Brasil “como mero fornecedor de mão-de-obra e de seu mercado consumidor, que é grande e importante”.
* Sobre a posição que o Brasil teria nos BRICs, que nos reúne numa estratégia em comum — política, econômica e diplomática — com Rússia, Índia e China:
“Enxergam os BRICs, que tem uma importância econômica estratégica, fundamental, pelo viés dos direitos humanos, pelo viés da pureza, da cobrança seletiva de critérios políticos sobre questões internas. É uma visão ingênua do ponto-de-vista de estratégia internacional”.
[Neste ponto, acrescenta o Viomundo, é como se fosse a China que tivesse invadido o Iraque!]
*Sobre autonomia para o Banco Central e a criação de um Conselho de Responsabilidade Fiscal:
O BC seria “um poder paralelo na República”.
“O Conselho de Responsabilidade Fiscal, formado por especialistas não eleitos, seria o equivalente a ter uma política fiscal independente, como se o controle de gastos fosse um valor em si. Há determinadas conjunturas em que o Estado tem de fazer déficit, tem de aumentar a dívida para recuperar a economia, como aconteceu em 2008”.
* Sobre a redução do crédito direcionado:
“O programa habitacional e o programa de crédito rural estariam seriamente comprometidos sem o direcionamento de crédito público”.
Isso faz parte “de uma institucionalidade do capitalismo brasileiro que foi criada nos anos 60”.
Hoje existe “a exigibilidade de que mais de 20% dos depósitos em poupança sejam direcionados ao programa habitacional, da Caixa [Econômica Federal] ou dos bancos privados. Isso tá dito que eles pretendem terminar”.
* Sobre quem dá as cartas no programa econômico de Marina:
“A agenda financeira para essa questão de banco público, [fim do] crédito direcionado, é a agenda do setor financeiro brasileiro, que é muito forte, muito lucrativo, muito influente. É muito complicado um partido assumir de forma tão linear a agenda de um setor da economia. A indústria corre riscos!”
* Sobre as ideias liberais para aumentar a competividade brasileira, especialmente contra a China:
“Exigiria um câmbio [do dólar] a 4 ou 5 reais e uma redução dos salários”.
“É completamente deslocado do momento histórico [de crescimento baixo e prolongado, previsto para todo o mundo]”.
“O [crescimento do] mercado interno foi movido a crédito e distribuição de renda. Acabar com isso é tirar as possibilidades da economia brasileira, numa conjuntura em que não está fácil crescer puxado pelas exportações”.
Vale a pena clicar abaixo para ouvir a íntegra da entrevista e entender o contexto em que foram feitas as declarações. Conteúdo exclusivo como este do Viomundo não depende, ainda bem, do Banco Itaú, mas é financiado por nossos assinantes (clique aqui para se tornar um deles).
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