Entre a Namíbia e o Brasil, “o mundo”

Tempo de leitura: 5 min

por Luiz Carlos Azenha

O Milton Hayek deixou um comentário dia desses sobre a formação de fuzileiros navais da Namíbia por instrutores da Marinha brasileira. Não consegui encontrar o link, mas estou certo de que ele deixará o caminho nos comentários. Antes de avançar no tema, acho importante situar geograficamente a Namíbia (ao sul de Angola), para quem tem pouca familiaridade com a África:

Geograficamente, a Namíbia tem um papel importante no Atlântico Sul. Um papel que deve se tornar ainda mais importante no futuro. Deste lado do Atlântico, temos as grandes reservas do pré-sal. Do outro lado, há também grandes reservas de petróleo em exploração na costa de Angola e da Nigéria e a expectativa de futuras descobertas especialmente em torno de São Tomé e Príncipe.

A essa altura já não é novidade o crescente papel que a diplomacia chinesa tem jogado no continente africano. A China importa cerca de 1/3 de todo o petróleo que consome de países africanos, especialmente de Angola. Os Estados Unidos, de olho no futuro, buscam multiplicar os seus fornecedores e reduzir a dependência do Oriente Médio. Não é por acaso que os Estados Unidos criaram um comando militar exclusivamente para “cuidar” da África. A cooperação militar chinesa se dá sobretudo em países como o Sudão, onde Beijing tem grandes investimentos públicos e privados na produção de petróleo. Faz sentido, já que a distância geográfica é bem menor. A relação da China com múltiplos parceiros africanos se baseia na implantação de projetos de engenharia de impacto social (uns mais, outros menos), no acesso aos mercados locais para a venda de produtos chineses e na presença física de milhares de chineses, que atuam especialmente no comércio.

Nem o Brasil, nem os Estados Unidos tem algo parecido no conjunto da África. A Líbia em uma ponta e a África do Sul em outra financiam projetos de desenvolvimento na vizinhança. A presença da Índia é crescente, tirando proveito da existência de comunidades hindus, a maior delas em Durban, na África do Sul.

Fala-se muito em um novo “Scramble for Africa”, parecido com o processo que levou à divisão do continente em esferas de influência dos poderes europeus no fim do século 19. É o forte apetite dos chineses por matérias primas (petróleo, minério e madeira) que guia esse processo, seja lá qual o nome que se dê a ele.

Algumas grandes empresas brasileiras, especialmente a Petrobras, a Vale (em Moçambique) e a Odebrecht (em Angola) tem uma presença importante no continente.

Como vocês sabem, é difícil falar em uma África. São muitas. As desigualdades regionais, a falta de infraestrutura e as diferenças culturais são barreiras fortes a um espaço econômico integrado, que ofereça possibilidade de escala aos exportadores. A China  resolveu isso exportando… empreendedores chineses.

Por isso, quando se fala em um mercado com 900 milhões de consumidores há um certo exagero. Algumas empresas resolveram isso redesenhando seus produtos, para torná-los mais baratos. Desenvolveram redes locais e informais de distribuição (mais ou menos como a Nestle fez no Nordeste brasileiro). Grosso modo, os africanos dependem da agricultura para acumular renda. Nas regiões onde as chuvas são irregulares, a produção é incerta. Faltam represas e dinheiro para montar sistemas de irrigação.

Por isso, me parece bastante adequado que a ofensiva brasileira se dê em duas frentes: 1) apoiando a reivindicação dos africanos pela redução das barreiras alfandegárias, fitossanitárias e outras que reduzem o potencial de exportação agrícola (com o potencial de aumentar a renda e o consumo locais); 2) oferecendo apoio técnico através da Embrapa (especialmente das tecnologias para melhorar a produtividade da savana, como aconteceu com o cerrado brasileiro).

É nesse contexto multipolar que precisamos considerar a atuação do IBAS, o fórum que reúne Índia, Brasil e África do Sul. Como vocês sabem, Índia e China travam uma guerra surda na Ásia por influência regional. Embora o trio não se choque diretamente com a China na África, não deixa de oferecer uma alternativa a governos locais. Neste mundo crescentemente multipolar, há circunstâncias que unirão no continente Brasil e Estados Unidos; Brasil e França; Brasil e China; Brasil, Índia e África do Sul; Brasil e Namíbia (os países costeiros da África, cujos recursos marítimos são enormes, são as grandes vítimas de frotas internacionais de pesqueiros que atuam de forma predatória).

Isso requer cálculos políticos e movimentos diplomáticos que superem o pensamento binário dos tempos da guerra fria. Requer que a Argentina seja considerada mais que um destino comercial do Mercosul: com a África do Sul, a Namíbia e Angola, a Argentina é parceira estratégica para garantir que o Atlântico Sul, onde estão as duas principais cidades brasileiras, não fique subordinado a interesses contrários aos do Brasil. Um dia o Atlântico será apenas um rio a nos separar da África, como já foi no passado colonial (pensem no potencial que isso tem para a indústria naval brasileira).

A quem se interessa pelo assunto, recomendo a leitura deste artigo da Foreign Affairs (com a visão que os Estados Unidos tem da presença chinesa) e do livro A Biography of Africa, de John Reader.

O que me leva à notícia que recebi hoje, por e-mail:

Brasília, 3 de maio de 2010.

Universidade Brasil-África é prioridade do governo esta semana

O projeto que cria a Universidade Luso-Afro-Brasileira (Unilab) é uma das prioridades do governo na Câmara esta semana. O líder do Governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que o presidente Lula considera o PL 2891/08 muito importante “do ponto de vista político, quanto às relações com o continente africano, e também por uma questão de justiça com povos que foram escravizados durante séculos”. A instituição, de acordo com o projeto, deve ser instalada em Redenção (CE), município onde foi registrada a primeira ocorrência de tráfico negreiro.

“O presidente Lula falou sobre esse projeto comigo quando me convidou para ser líder do governo”, enfatizou. Segundo Vaccarezza, a intenção do presidente é sancionar a proposta em quinze dias, antes da chegada ao Brasil de uma delegação de chefes de Estado africanos.

A proposta havia sido aprovada em caráter conclusivo na Comissão de Constituiçaõ e Justiça da Câmara, mas terá de ir a plenário por ter sido objeto de recurso do líder do PSDB, deputado João Almeida (BA). “Ele [Almeida] defende que a Unilab vá para a Bahia, mas por esse argumento – local de grande influência da cultura africana – poderia ser Rio de Janeiro ou União dos Palmares (AL)”, disse Vaccarezza, adiantando que vai conversar com Almeida para a votação ser agilizada na Câmara e seguir para o Senado.

Uma das finalidades da Unilab é promover intercâmbio cultural com o continente africano e incentivar estudos que tenham como foco o desenvolvimento de ciência e tecnologia.

***

“Reconhecer” a África, portanto, atende a interesses políticos, econômicos  e históricos de toda a população brasileira. Quem sabe a Copa do Mundo da África do Sul seja uma boa oportunidade para acelerar o processo.

Para quem quer conhecer um pouquinho dos desafios diante da África, um pequeno trecho da entrevista que o programa Nova África fez com a prêmio Nobel Wangari Maathai, no Quênia:

Wangari Maathai from Baboon Filmes on Vimeo.


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Comentários

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Gerônimo

A política externa do governo Lula é de deixar surpresos até petistas inveterados como eu. Parabéns, uma vez mais, pela iniciativa e pela visão de longo prazo. E não se trata de uma visão imperialista, mas sim integralista, já que o Atlântico Sul é a 'nossa casa' e a nós (sulamericanos e africanos) deve servir prioritariamente.

Júlio Machado

Redenção foia primeira cidade a abolir a escravidão, e não a primeira a registrar tráfico, como foi dito. É uma correção importantíssima a ser feita.

    David

    Foi o q eu tentei dizer!!! ..la em baixo!! É a principal razao da escolha de REDENÇÃO!!! ..e nao outras cidades como: bahia, rio de janeiro,…!!!

    David

    E outra, como seria "a primeira ocorrência de tráfico negreiro" se é um município do interior do ceará!!! ..eles chegaram pelo mar, passavam as cidades litorâneas sem ninguém se "interessar" e é comercializado só no interior!!!:) ou então chegaram voando e primeiro foram para o interior!!:))

    Jorge Braga

    Tem que vir para a Bahia mesmo, sem dúvida alguma o recôncavo baiano é o lugar do país que tem mais influência cultural africana.

    David

    A questão é deve-se reconhecer a escravidão ou a abolição????

francisco.latorre

brasil-áfrica.

dá samba.

e tem o caso do algodão..

só aí o brasil fez mais pela áfrica china e usamerika juntos.

….

Alexandre

Que maravilha de notícia Azenha! UNILAB: Universidade Luso-Afro-Brasileira!

Leider_Lincoln

E pensar que, na época do governo Daquele Cujo Nome Não Pode Ser Dito, o debate nacional era saber quem era o mais alinhado com os EUA, quem era o mais fraldiqueiro, quem se humilhava mais por um pouco de atenção…

Carlos

Pauta: UNILA, Universidade Latino-Americana, sediada em Foz do Iguaçu-PR, em área da Itaipu.

David

"..deve ser instalada em Redenção (CE), município onde foi registrada a primeira ocorrência de tráfico negreiro."!!! Acho que não é esta razão!! Pelo contrário:

"O município recebe esse nome por ter sido a primeira cidade brasileira a libertar todos os seus escravos."http://pt.wikipedia.org/wiki/Reden%C3%A7%C3%A3o_(

augustinho

Um bizarro, canhestro e esculhambógeno artefato tipo Sao João, numa camionete velha pra burro no TImes Squeeere,NY,
ta causando esse rebuliço gigante na seguraaaança dos Eua! Acabamos de crer que eles ´tavam precissando muuuito de um terrozinho! Fazia teeempo q nao aparecia um. Ah. lest i forget, tava com o motor ligado.

David

"..deve ser instalada em Redenção (CE), município onde foi registrada a primeira ocorrência de tráfico negreiro."!!! Acho que não é esta razão!! Pelo contrário:

"O município recebe esse nome por ter sido a primeira cidade brasileira a libertar todos os seus escravos."http://pt.wikipedia.org/wiki/Reden%C3%A7%C3%A3o_(

Glecio_Tavares

Vamos alimentar o mundo. O futuro pertence ao hemisfério da esquerda.

Julio Silveira

Quando vejo o projeto de Brasil que começa a ser construido, eu gosto.

Tweets that mention Entre a Namíbia e o Brasil, “o mundo” – (via — Topsy.com

[…] This post was mentioned on Twitter by VIOMUNDO, Paulo Rogerio and Aldo Nunes, Aldo Nunes. Aldo Nunes said: RT @viomundo: Entre a Namíbia e o Brasil, "o mundo" – http://tinyurl.com/2cge9oj (via @viomundo) […]

gilberto silva

Minha origem é lá , com toda certeza. Mas como todo descendente de africanos , não sei qual éra minha tribo.Não sei se foi extinta ou não .
Sei que tenho sangue europeu misturado ao meu , pois sou moreno. Mas não sei se alguma antepassada minha se deitou por querer com o senhor patrão.
Acho que o governo deveria ajudar os descendentes de negros do Brasil a descobrir sua verdadeira origem. Sinto valta de uma definição sobre quem eram meus antepassados.

Beto guru … em um momento de profunda reflexão….

Milton Hayek

Aqui vocês podem ver como os EUA querem controlar o mercado de urânio no mundo,dado que a energia nuclear é a única com potencial para substiutir os combustíveis fósseis:

03/05/2010 – 19:41
O Protocolo Adicional da Agência Internacional de Energia Atômica
Por Argemiro Ferreira:

"…..Para o ministro da SAE, a concordância com aquele protocolo a esta altura seria um crime de lesa-pátria, pois as propostas de centralização em instalações internacionais da produção de urânio enriquecido são instrumentos disfarçados de revisão do TNP (o Tratado de Não Proliferação Nuclear) no seu pilar mais importante para o Brasil – o direito de desenvolver tecnologia para o uso pacífico da energia nuclear. Foi uma das condições para o Brasil aderir ao TNP. Outra foi o desarmamento geral, tanto nuclear como convencional, dos estados nucleares (EUA, Rússia, China, França e Inglaterra), como ficou claro no decreto legislativo de 1998.

O tema é da mais alta relevância neste momento, não só por causa do debate na ONU agora, na nova conferência-revisão do TNP, mas ainda por causa da posição unânime da grande mídia corporativa a favor da pura e simples submissão do Brasil aos interesses dos EUA – o que desejam também, não se saber porque, alguns daqueles que conduziam a política externa no governo anterior….."
http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/05/03

O Brasil possui a sexta reseverva do mundo,tendo prospectado apenas 30% do seu território.Podemos ter a terceira ou segunda maior resrva do mundo.É triste ver a oposição e o PIG a favor dos EUA e contra o Brasil.

Glecio_Tavares

O Lula enxerga longe. Muito diferente do anterior que so olhava para o chão de cabeça baixa em frente ao império do mal.

Milton Hayek

Brasil com um pé na África
http://pbrasil.wordpress.com/2009/11/21/brasil-co

Marinha do Brasil forma Primeira Turma de Soldados Fuzileiros Navais da Namíbia
http://pbrasil.wordpress.com/2010/02/22/marinha-d

Infantaria de Fuzileiros Navais da Namíbia inicia suas atividades
http://pbrasil.wordpress.com/2010/04/29/infantari

Vale a pena,também,conhecer o Instituto de Pesquisas da Marinha na Ilha do Governador:
http://www.mar.mil.br/ipqm/v.1.0.0/index.htm

Marinha do Brasil!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Carlos

Brasil hospedará a próxima – 10a.? – conferência da CPLP?

Gerson Carneiro

Ao que conheço o "meu gado", arrisco a dizer, sob pena de ser apedrejado, que se não fosse o Governo Lula ou um Governo sintonizado com seus ideais, o IBAS ficaria sem o "B". Diriam (por debaixo dos panos), que "isso é coisa de preto".

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