O dia em que assisti à “cura gay” na Califórnia, mais de 20 anos atrás

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Carlos Azenha

Eu era correspondente do SBT em Nova York, nos anos 90, quando aproveitei o intervalo entre duas corridas de Fórmula Indy e fui fazer a reportagem sobre a cura gay.

O conservadorismo cristão vinha em alta desde a eleição de Ronald Reagan, em 1980. Foram militantes cristãos que bateram de porta em porta na campanha para buscar votos para Reagan, que encarnava a promessa de uma volta ao passado bucólico e tradicional dos Estados Unidos — em linguagem cifrada, isso significa o período em que mulheres, negros e gays “sabiam o seu lugar”.

Logo Reagan, que tinha uma filha gay!

Este sonho de retorno a um passado em que as hierarquias eram “respeitadas” fica cada vez mais forte para uma parcela minoritária dos estadunidenses — à medida em que a sociedade como um todo se torna mais plural e mais diversa.

Trata-se de uma luta titânica para frear a História, num momento em que as mulheres, os negros e os gays conquistam espaço cada vez maior na sociedade e os jovens, de maneira esmagadora, se tornam menos sujeitos ao preconceito e mais abertos à diversidade.

Gênero, em alguns círculos minoritários dos EUA, nem é mais motivo de discussão, dada a fluidez que os próprios jovens experimentam no dia a dia (namoram livremente).

Pois bem, fui à sede de uma igreja cristã que realizava os seminários da cura gay. Assisti brevemente a uma ‘aula’ em que se dizia que era tudo uma questão de força de vontade.

Um grupo de jovens, reunido numa sala, conversava com um pastor/psicólogo com o objetivo de abandonar o “hábito”, como se fosse uma reunião dos Alcoólatras Anônimos.

A obsessão pelo controle dos órgãos sexuais espelhava, acima de tudo, o medo do ‘descontrole’ — essa necessidade imensa de autoafirmação dos Bolsonaros diz mais sobre eles próprios do que sobre a ‘perversão’ alheia.

Nosso entrevistado era um jovem que se dizia arrependido de ser gay e decidira casar e “constituir família”. Fomos apresentados à noiva.

Na minha percepção pessoal, intuição de repórter, tratava-se de uma pessoa encarregada de cumprir a tarefa de marketing de vender o ‘tratamento’.

O entrevistado me contou sua trajetória pessoal, associando sua experiência gay a um período de tristeza e sofrimento e afirmando que seria diferente quando finalmente tivesse um filho.

Naquela época, casais gays da Califórnia estavam na vanguarda das adoções de crianças (tema de outra reportagem que fiz).

Lembrei a ele que esta possibilidade estava aberta, mas o entrevistado insistiu no discurso de que Deus tinha criado o homem e a mulher e dado a eles o papel de se reproduzir, ponto.

Para efeito de contraponto, fui ao culto de uma igreja evangélica de Los Angeles que pregava para os gays. A West Hollywood United Church de Cristo, no Sunset Boulevard.

Foi um choque pessoal: se na igreja da cura gay eu tinha ouvido falar sobre culpa, perversão e pecado — coisas que geralmente associamos aos católicos –, naquela reunião dominical o espírito era de inclusão e diversidade, expressa na música e nos cânticos.

Fui, em seguida, a um picnic promovido pela igreja. Entrevistei um pastor heterossexual e uma pastora gay.

Nas entrevistas, ambos disseram que a cura gay era algo extremamente lucrativo.

Pais conservadores, desesperados com a descoberta de filhos gays, pagavam qualquer coisa pela esperança de reverter a situação.

Qualquer coisa? Sim, diziam. 30, 40, 50 mil dólares. Em seminários, em sessões especiais equivalentes a ‘exorcismo’, em ‘apoio psicológico’. De acordo com as entrevistas, havia uma indústria da reversão dos gays.

Minha impressão pessoal: a ‘cura gay’ serve especialmente aos pais que desejam controlar a sexualidade dos filhos, o que em si é uma doença.

Realizar-se em função do controle da sexualidade alheia, isso sim, é perversão.

Vinte anos se passaram.

Hoje a cura gay está, para todos os efeitos, desmoralizada nos Estados Unidos. Mas a “terapia de conversão” ainda é aplicada, com métodos que lembram Pavlov: ao desejo por uma pessoa do mesmo sexo o “doente” deve praticar algum ato de autopunição. Por exemplo, usando um elástico no pulso e explodindo o elástico contra a própria pele se tem pensamentos “maus”. Como se fosse um “vício”.

Por outro lado, a Califórnia se prepara para a venda legalizada de maconha, cujo consumo em pequenas quantidades a polícia local já deixou de reprimir. Do ponto-de-vista da maioria, a cura gay é vista como algo bizarro.

Agora, os estelionatários da cura gay, aparentemente, estão tentando emplacar a sua indústria no Brasil. Com duas décadas de atraso, como é tradicional do país que foi o último a abolir a escravidão.

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Ivanisa Teitelroit Martins

Carta de Freud à mãe de um homossexual.
19 de abril de 1935

“Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranqüilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”

Sigmund Freud

Edson

Malafaia investe em “clínicas de recuperação”: o que está por trás da “cura gay”

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/malafaia-investe-em-clinicas-de-recuperacao-o-que-esta-por-tras-da-cura-gay/

Luiz

O que mais me impressiona é o loby que esse juiz deixou-se se submeter, cada vez mais me convenço que quando se tem dinheiro a justiça é subjetiva ou parafraseando Sartre, o direito é um direito burguês. Capitalismo sordito esse que cria uma demanda bizarra e surreal apenas pelo fato de existir o livre mercado.

Alves

Azenha, quem inventou o termo “cura gay” foram os ativistas do antigo movimento GLS, hoje LGBT. Decerto, o que se quer com a alteração da norma do Conselho Federal de Psicologia é permitir que uma pessoa tenha livre acesso a um profissional do ramo, quando assim pretender. Que crime há nisso? Que preconceito há nisso? E mais: nem todas as pessoas que se dirigem a um psicólogo estão necessariamente doentes, donde se conclui, por lógica simples, que os ativistas são os verdadeiros responsáveis por atribuir o rótulo de doença.

    Mark Twain

    Se os que inventaram o destratamento não tiveram coragem suficiente de dar a alcunha que lhe cabia, não culpe Alves, o restante da sociedade por dar nome correto aos bois. Voce por exemplo, é um babaca burro.

    As pessoas já tem livre acesso a psicólogos.

    Não há lógica nenhuma em sua “lógica simples”.

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