Luís Bolzan: “Ricardo Barros rejeita ser ministro do SUS, porque é o ministro dos dinheiristas da Saúde”

Tempo de leitura: 7 min

5 - IMG-20160712-WA0004-001Reuniram-se em Porto Alegre, na noite de sexta-feira, 7 de julho, vários golpistas. Da esquerda para a direita:  Ricardo Barros (diz que não é ministro do SUS), Paulo Argollo (ferrenho opositor do Mais Médicos, embora dois filhos e uma nora tenham feito Medicina em Cuba) e Osmar Terra (diz que “CAPS Álcool e Drogas têm que ser fechados”)*

por Luís Carlos Bolzan, especial para o Viomundo

Na sexta e sábado passados, 7 e 8 de julho, o ministro da Saúde, engenheiro Ricardo Ramos (PP-PR), esteve em Porto Alegre, cumprindo agendas, em companhia de outros dois ministros do governo interino, Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Osmar Terra do Desenvolvimento Social, ambos do PMDB/RS.

Ele reiterou o que tem dito: “Não sou ministro do SUS, sou ministro da Saúde”.

Só que foi mais além. Disse: “O SUS é um pedacinho, um pedaço da saúde. Não é nem o maior, pois o sistema privado coloca mais recursos que o SUS”.

Ou seja, repetiu a sua concepção dualista e apartada da saúde brasileira na qual o “Único” do Sistema Único de Saúde (SUS) é só uma palavra vazia e sem sentido.

Além disso, não se vê como um dos gestores do SUS no País, mas mais responsável e implicado com setor privado.

Ao dizer que o SUS é “um pedacinho” da saúde, e “nem é a maior parte da saúde”, o engenheiro Barros esmiúça seu entendimento neófito na área, pautando-se apenas pelo aspecto orçamentário.

É verdade que a saúde privada investe mais recursos orçamentários do que o SUS.

Só que é absolutamente verdade também que o SUS trabalha com foco no princípio constitucional da universalidade, ou seja, atua com um público de 206 milhões de pessoas — a totalidade dos brasileiros –, enquanto o sistema privado não chega a um terço desta população.

O que significa que o SUS assiste muito mais pessoas com menos recursos do que setor privado.

Também é igualmente verdade que o rol de procedimentos do SUS é muito maior do que o da saúde suplementar.

Considerando a área da assistência à saúde, o SUS cobre de procedimentos da atenção primária à média e à alta complexidade, inclusive todos os tipos de transplantes, que sabemos serem pouco praticados por planos de saúde.

O SUS também se estrutura em organização de redes, como, por exemplo, a de saúde mental, de urgência/emergência e de atenção materno-infantil, o que não ocorre no sistema privado.

Não bastasse isso, a assistência farmacêutica é elemento importantíssimo ao alcance dos usuários do SUS, diferentemente dos planos privados que não viabilizam medicamentos prescritos aos seus clientes nem disponibilizam a dispensação deles.

Já o SUS dispensa diariamente medicamentos, inclusive não autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa), via ordens judiciais, muitas vezes sem fundamento algum, somando bilhões de reais o custo com estas ações.

Ainda temos que considerar ações de vigilância em saúde — todas realizadas pelo SUS.

Incluem-se aí as relacionadas a portos e aeroportos, fiscalizações de ambientes, autorização de registro, produção e comercialização de produtos, emissão de alvarás, investigações epidemiológicas, controle de vetores, controle de qualidade da água, aspectos relacionados à saúde animal e, é claro, as imunizações, com inúmeras vacinas disponibilizadas integralmente pelo SUS.

Vale lembrar que ao SUS compete inclusive regular todo setor privado da saúde.

Tudo isto implica dizer que o SUS faz muito mais e com menos recursos do que a saúde privada. Portanto, é, no mínimo, ilógico e infundado, para não dizer que é mentira, que o SUS “é um pedacinho, nem é a maior parte da saúde”.

Mas o engenheiro Barros recorre a engenhoso raciocínio quando afirma que “incentivos [financeiros] provocam distorções no financiamento do SUS”, e, ao mesmo tempo, conclama a necessidade de “rever valores da tabela do SUS”.

Ora, para alegar a maior importância e abrangência do setor privado engenheiro Barros se fundamenta em elemento orçamentário, negando infinita superioridade de amplitude de procedimentos e atribuições do SUS.

Porém, para rever pagamentos aos prestadores privados contratualizados recorre a argumento fundado no pagamento individualizado de procedimentos, que dialogam mais com demandas corporativas do que com a organização dos serviços e maior sustentabilidade das instituições que os prestam, e maior acesso dos usuários.

Priorizar aumento de “valores de tabela” é atender discurso corporativo e incentivar a disputa de segmentos médicos para auferir maiores lucros conforme maior capacidade de pressão sobre gestão federal do SUS, além de retroceder décadas na organização administrativa do Sistema Único de Saúde.

Esclarecendo: médicos concursados ou contratados por municípios e estados não recebem por “tabela SUS”. Todos recebem por valores estipulados em editais de concursos ou contratos.

Médicos que atuam em hospitais filantrópicos, por exemplo, recebem seus pagamentos via contratos com hospitais, que, por sua vez, recebem por contratos com gestões do SUS.

A tabela é cada vez menos ordenadora de remuneração devido à prática de incentivos financeiros aos prestadores de serviços, não ficando suas receitas engessadas a procedimentos via “tabela”.

A medicalização da gestão do SUS em seu aspecto financeiro faz mal à sustentabilidade econômica de unidades prestadoras de serviço, desfinanciando demais áreas das mesmas, igualmente necessárias para seu devido funcionamento.

O ministro da Saúde, engenheiro Barros, deve definir critérios a serem adotados em conjunto com demais gestores do SUS, não sendo concebível escolher o que melhor convenha conforme a cara do cliente e a situação, denotando mais um descritério ou oportunismo. Talvez faça isto justamente pela opção de não ser gestor do SUS mas de saúde privada.

Outro aspecto relevante das agendas do ministro da Saúde interino e de seus colegas de governo se refere à saúde mental.

Na agenda de sábado de manhã com gestores, o engenheiro Barros afirmou, com base no jantar da noite anterior com entidades médicas, que os “CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) atendem em média duas pessoas por dia”.

O que foi prontamente rebatido por gestores municipais presentes. Diante da reação, engenheiro Barros disse que analisaria a situação, mas que política de saúde mental deve ser reavaliada.

Os CAPS são instrumentos da reforma psiquiátrica brasileira instituída pela Lei Federal 10.216/2001, e que foi antecedida por legislações estaduais em diferentes estados como Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, sendo a gaúcha mais antiga (Lei Estadual 9.716/92).

Os CAPS permitem acompanhamento humanizado e desinstitucionalizado de usuários antes submetidos aos manicômios, socializando-os e não os isolando.

A prática manicomial não comunga com cuidado e terapêuticas típicas da área da saúde. Ela interage mais com estruturas de dominação, submissão e poder suas práticas de masmorras torturadoras.

Ora, o conceito calaboucista da psiquiatria disciplinadora e punitiva, guardiã da ideologia da doença mental, surge na informação passada ao engenheiro Barros por representante de entidades médicas no regabofe de sexta-feira a noite.

Como mentira de praxe dos ideólogos da fabricação da loucura, a informação destoa dos lançamentos e registros das equipes de CAPS e gestões municipais de todo Brasil. Na sanha destemperada pela retomada de um poder ditatorial, entidades médicas se lançam na cruzada pela hegemonia perdida de um passado distante.

Desde Basaglia, Castel, Garcia, Foucault, Szasz, entre outros demolidores do poder ideológico enclausurador da psiquiatria da doença mental (muitos deles médicos que enfrentaram ideologia da doença), representantes da aristocracia médica psiquiátrica resmungam e acusam defensores da reforma psiquiátrica de “ideológicos” (como se eles mesmos não fossem) e de “soltarem loucos na rua irresponsavelmente” e “não entenderem nada” de coisa nenhuma.

Esta corrente ideológica salta do armário do esquecimento não apenas na informação mentirosa repassada ao engenheiro ministro da Saúde, mas também em fala de Osmar Terra, outro ministro do governo interino presente na janta com entidades médicas.

Osmar Terra, médico com a incumbência de lidar com assistência social e culpabilizar Bolsa Família e pobres pelo “déficit fiscal”, afirma que “Os CAPS Álcool e Drogas têm que ser fechados”, “CAPS foram criação de filósofos” e “quem entende de cérebro é psiquiatra”.

Osmar Terra demonstra, assim, arrogante desdém pela contribuição da filosofia às ciências da saúde, como se a saúde fosse prerrogativa exclusiva de médicos. Tudo isso sob aplausos efusivos da plateia “não ideológica”, que, durante o jantar com ministros, grita “Fora PT”.

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No jantar em que a plateia dita “não ideológica” gritou, entusiasticamente, “Fora PT”, Maílson da Nóbrega, Ricardo Barros e Paulo Argollo*

Seguindo a mesma lógica de Osmar Terra de que os psiquiatras entendem de cérebro pergunto: por que um médico entenderia de desenvolvimento assistência social?

O que evidencia tudo isso?

Primeiro, que o ministro da Saúde, engenheiro Barros, e o governo Michel Temer optam por aliança com operadoras de saúde e entidades médicas em detrimento de todos saberes/fazeres em saúde e de toda a história de experiências exitosas da gestão do SUS para rever o “tamanho do Sistema Único de Saúde”.

O objetivo deles é reduzir o SUS até que caiba nos cortes orçamentários e impor seu gasto perdulário com comparsas rentistas.

Segundo, que a aliança do governo Temer planeja atacar e destruir todos os avanços do SUS e da reforma psiquiátrica brasileira, retomando o poder despótico da ideologia da doença mental e sua prática alienista descrita por Machado de Assis e por Daniela Arbex, que narra o Holocausto Brasileiro do manicomialismo.

Nada disso pode ser imputado apenas ao desconhecimento do neófito engenheiro em relação ao SUS, que, diferentemente de seus antecessores, pede menos dinheiro para a saúde pública e defende planos privados baratos para população.

Pelo contrário. É calculado e planejado. A presença de um deputado alheio às conquistas e avanços do SUS, portanto mais insensível e impermeável aos argumentos racionais, para fazer passar o trator ideológico do ultraconservadorismo do fascismo político e do liberalismo econômico sobre a construção da reforma sanitária brasileira de mais de três décadas.

O fardo aqui não é o SUS. Mas um governo sem votos que desconsidera o povo para se aliar à voraz e egoísta elite econômica e a uma desacreditada aristocracia médica saudosa de uma Pasárgada alienista da inescrupulosidade do poder laudatório hegemônico para encarceramento e tortura.

A luta de classes está explicitada na tentativa de destruição do SUS pelo governo golpista a serviço da voracidade sem freios do capital contra a cidadania.

A característica do golpismo é a covardia. Já as qualidades dos militantes do SUS e da reforma psiquiátrica são a resistência e luta. Não ao privatismo captador de recursos para saúde suplementar e ao calaboucismo alienista. Não se livrarão do SUS, mas nós do golpismo.

Luís Carlos Bolzan é psicólogo, militante do SUS e consultor.

* PS do Viomundo:  O jantar a que Luís Bolzan se refere aconteceu num hotel cinco estrelas de Porto Alegre e foi realizado pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), cujo presidente é Paulo Argollo Mendes.

Como já denunciamos aqui, Argollo faz campanha pesada, desonesta, ao Programa Mais Médicos, embora seus dois filhos e uma nora tenham cursado Medicina em Cuba.

O jantar foi após um evento do sindicato, que teve como palestrantes os ministros interinos da Saúde, Ricardo Barros, de Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, e da Casa Civil, Eliseu Padilha, além do economista Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda no governo José Sarney. Conceição Lemes

Leia também:

Hêider Pinto: Ministro, desde quando se submeter aos interesses privados da Saúde não é ideológico? 


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Comentários

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Anthytezes

Sei

FrancoAtirador

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Se dependesse dos Nazi-Facistas de Temer,

esta Criança Estaria Morta, há Muito Tempo:

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https://twitter.com/eduguim
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marinelvo

Sabem de nada, inocentes! venham para Maringá e saberão coisas importantes a respeito desse ministrinho da saúde.

FrancoAtirador

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https://youtu.be/QUn3PDaBAqA
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Maria Aparecida

Fora Ricardo Barros, engenheiro até pode administrar, mas primeiro precisa se inteirar do assunto. Olhar a saúde como se fosse apenas um negócio não dá. Esta-se tratando do sistema de saúde de um país de pobres e miseráveis Coloque alguém competente e torne-se mero porta-voz.quem não tem competência não se habilita.

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