Golpe de 64 e a imprensa: 50 anos depois, a manipulação continua

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Carlos Azenha

Ao participar no sábado do evento TV Globo: Do Golpe de 64 à Censura Hoje, o professor Luiz Antonio Dias contou um pequeno causo. Ele descobriu nos arquivos da Unicamp pesquisas do Ibope, algumas das quais nunca divulgadas, demonstrando apoio a João Goulart, à política econômica de Goulart e às reformas de base propostas por ele. Pesquisas feitas em 1963 e às vésperas do golpe que derrubou o presidente constitucional, em 64.

Há alguns dias, o professor recebeu uma ligação de um jornalista de O Globo. Como estava na rua e não dispunha dos números exatos nas mãos, arredondou: disse que as reformas de Jango tinham cerca de 70% de apoio popular. No outro dia foi olhar no jornal e constatou: segundo o jornalista, 30% dos entrevistados rejeitavam as reformas! Ou seja, o jornalista optou pelo viés negativo e cometeu um erro, já que o número real dos que rejeitavam era de 9% — os demais não sabiam ou não responderam.

É a manipulação de informações, versão 2014!

Vejamos outro caso:

O título acima, da Folha, reflete uma escolha editorial. Ênfase a algo dito pelo entrevistado que desqualifica a luta armada de resistência à ditadura. Muito mais importante, a meu ver, é esta afirmação, já que estamos tratando, 50 anos depois, de rever a História:

Por que não foi para o título? Porque chama atenção para o papel da mídia no golpe e, indiretamente, da própria Folha de S. Paulo.

Notem também a pergunta safada incluída na pesquisa do Datafolha:

Claramente, a pergunta é dos apoiadores do golpe e dos organizadores e financiadores da tortura na Operação Bandeirantes: iguala a tortura organizada e financiada pelo Estado, com apoio de empresários como Octávio Frias de Oliveira, a casos que a Folha não define quais são, de parte da resistência. Nojento!

Já o caderno do Estadão sobre o golpe fala em uma sociedade dividida, mas não é enfático ao definir a divisão: de um lado a elite brasileira, com apoio dos Estados Unidos, tendo como um dos principais conspiradores Júlio de Mesquita Neto; de outro, os trabalhistas e as reformas de base, dentre as quais — tremores no prédio do Estadão — a reforma agrária. O jornal escreve que deixou de apoiar os golpistas logo depois que eles adiaram as eleições de 65, como se isso diminuisse a responsabilidade do diário moribundo por incitar a quartelada.

Na palestra acima, que vale muito a pena ver, o professor Luiz Antonio Dias fala um pouco sobre este papel. Ele fez seu estudo de mestrado a respeito do papel da Folha e do Estadão nos meses que antecederam o golpe.

Conta de um caderno especial que saiu na Folha, antes do 31 de março, falando de um novo tempo que o Brasil viveria! Sugere, assim, que o jornal sabia antecipadamente que João Goulart seria derrubado.

Fala das notícias falsas plantadas na época  — por exemplo, a de que emissários de Moscou tinham estado com o governador de Pernambuco, Miguel Arraes e que a revolução comunista começaria por Pernambuco.

Fala dos “tentáculos vermelho-amarelos” da propaganda anticomunista, que justificou a derrubada de Goulart.

O professor cita um argumento do jornal ao publicar uma notícia não confirmada: “Não sabemos bem ao certo, mas a fonte é segura”. Isso lembra muito o que escreveu a Folha sobre a ficha falsa da candidata do PT Dilma Rousseff publicada na primeira página durante a campanha eleitoral de 2010. Ao investigar, depois da publicação, afirmou o jornal que era impossível confirmar ou desmentir a informação.

Em resumo: 1964 é agora! Talvez de forma mais sutil, já que existem as redes sociais para desmentir, mas a omissão, a manipulação, a distorção e a falta de contexto continuam.

O professor também dá uma sapecada no historiador Marco Antonio Villa, o teórico da “ditacurta” que tem obtido grande espaço na Globonews.

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O Dia: O combate ao “inimigo interno” na Maré


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Comentários

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lidia virni

A Dilma não fez Reforma Agrária, mas o incentivo a agricultura familiar tem sido gigantesco. O Chavez proclamou a Reforma Agrária e praticamente não conseguiu levá-la a cabo pelos mesmos motivos que aqui, a força parlamentar dos latifundistas e a sua grande penetração no Judiciário. É preciso reconhecer a dificuldade com que o Governo vem mudando este país após mais de cinco séculos de exploração, com uma base de apoio capenga, com partidos oportunistas, enfrettando uma direita de opiniões e práticas fascistas, apoiada pela imprensa golpista e por uma suposta esquerda louca por holofotes e em busca de “espaço”.

Marcio Ramos

… são criminosos, sempre foram, por isso que eu acho que tem que tratar como criminosos e apontar os crimes, dar nome aos bois, ali tem muito jornalista que não vale nada, corruptos, e têm nome, endereço, etc e tal, criminalizar a “midia” ou só as empresas midiáticas é chover no molhado.

Messias Franca de Macedo

Exaltação e propaganda da Ditadura Militar na Rede Globo (1975) – Na voz do Cid Moreira

http://www.youtube.com/watch?v=eoJOrwGa0ZU

Golpe Nunca Mais!

Messias Franca de Macedo

POR FAVOR, DIVULGUEM ESTE VÍDEO HISTÓRICO: ESTUDANTES DA USP ESCULACHAM PROFESSOR GOLPISTA!

http://www.youtube.com/watch?v=zpZ-CpjkZXM

Golpe Nunca Mais!

wilson

Vejam como o psdb apoiam hoje os movimentos que nos levou a ditadura:
FHC: ‘Além dos militares, não sei qual força poderia impor uma situação nova’
Golpe de 64 tornou-se inevitável’, diz Serra

    Julio Silveira

    Pode prestar atenção, todos os que camuflam uma defesa do golpe são suspeitos de receberem bônus verdes de um certo órgão secreto, de um certo país do norte. Esse que costuma apoiar golpes quando lhes são vantajosos na sua busca por proeminência mundial e business. Esse que você cita, quem sabe bem dele é o Zé de Abreu. O Zé lembrou ter esse ex esquerdista, (se é algum dia foi) saído para o “exílio” no Chile e de lá pulou para os States. País em que esquerdistas do mundo, principalmente naquela época, são nada bem vindos, virando inclusive catedrático lá. Imagina, vindo de família pobre, como sempre alegou, filho de feirantes como consta em seu curriculum. Suspeito, não?

neopartisan

Nestas lágrimas de crocodilo da Globo e outros meios da mídia corporativa uma previsível armação. Os artistas, jornalistas e personalidades por eles entrevistados para falar dos idos do golpe e da ditadura são predominantemente tucanos. É…quando os bundões vão entender que a nossa bunda não está exposta na janela pra passar a mão nela?

Arnaldo Costa

Com o dinheiro que desviaram da corrupção, dava para entregar 3 países desse que entregaram. A fome, a falta de serviços básicos, a violência, a desigualdade social e outros males de países subdesenvolvidos foram herdados dessa corja. Era um Brasil para poucos. Políticos (DEM e PP, ex-PFL, ex-PDS, ex-ARENA) e empresários enriqueceram-se à custa da fome e miséria da maioria. A roubalheira, arbitrariedade e desmandos eram generalizados. Um período sombrio, de censura, autoritarismo e amarguras. Uma volta à Idade Média. Esse Brasil que alguns insistem em querer, NUNCA MAIS.

P.S.: Após 50 anos, a grande imprensa continua manipulando informações e tentando recontar a história conforme seus interesses e conveniência.

Julio Silveira

A recusa em aceitar a gravidade do maleficio daquele momento para futuro do Brasil é compreensível. Se olharmos nos baseando na reação que todo criminoso ostenta quando flagrado no ilícito. Demonstram esse tipo de ato sabedores que ante os olhos da sociedade serão marginalizados. Minimizam, as vezes alegam inocência, e quando a inocência não pode ser confirmada transferem para as vitimas a responsabilidade pela sua fraqueza de caráter, pela responsabilidade por seu ilícito, invertendo a logica e o próprio ordenamento legal, como vemos comumente acontecer nas respostas da criminalidade. Índole criminosa é igual em qualquer nível, se espelham e se refletem. Fazem isso menos por consciência, que não tem e mais por covardia mesmo e nunca devemos esquecer, são hipócritas, muito hipócritas.

Aline ENSA

Mesmo tendo acabado a ditadura ainda vivemos em um Brasil onde a não é possível ter 100% de liberdade ao expressarmos nossas ideias pois existe uma grande manipulação de algumas mídias e por várias vezes nos deixamos levar pelo que é mostrados por esses veículos de comunicações.

Cibele

O debate foi sensacional, trouxe informações pouco conhecidas. O professor Luiz Antonio falou também que, mesmo entre a classe média, o apoio a Jango e às reformas de base era de 58%, se não me engano. Não sabia, pensei que fosse bem menos. Entre o povo, chegava a oitenta por cento! Na realidade, não havia um grupo social ou uma parcela importante da população a favor de golpe militar nem com medo do comunismo! O país não estava dividido b. nenhuma! Essa mídia podre tem que morrer ou não? Só morrendo, sangue ruim!!!!!

Carlos Lima

O que houve com o meu comentário, Azenha?

    Luiz Carlos Azenha

    Desculpe, Carlos, alguns comentários caem na caixa do spam e, quando eles se acumulam muito, o que tem acontecido com frequencia, quando estamos a caminho deles são apagados pelo próprio sistema. Vc poderia repetí-lo, se não for pedir demais? abs

Jorsom

Extraído do twitter.com/gondimricardo

“Choro a tortura que outros sofreram, o pavor que outros padeceram e a morte que desapareceu com outros. Ditadura, nunca mais

Quem pede intervenção militar, pede horror, tortura, autoritarismo, corrupção, ilegalidade, ódio, esnobismo, estupidez, atraso.

Quem disse “às favas com os escrúpulos de consciência”? Nenhum meliante pé-rapado. Um ministro da ditadura, Jarbas Passarinho no dia do AI-5

Quem a ditadura usou para representar uma justiça cínica, venal e estúpida? Meu conterrâneo: Armando Falcão

Entre os tardios e bastardos filhos da ditadura de 1964? O colunista da Veja: Reinaldo Azevedo.

Entre os maiores monstros que o golpe de 1964 produziu? Sergio Paranhos Fleury – o carniceiro da Rua Tutóia.

Entre os mais oligárquicos, atrasados e violentos políticos do golpe de 1964? Como não mencionar: Antônio Carlos Magalhães.

Entre os corruptos mais impunes que a ditadura de 1964 produziu? Quem mais, senão ele: Paulo Maluf.

Entre os mais cínicos desde o golpe de 1964? Não há como esquecer: José Sarney.

Entre as personagens que lucraram com o golpe de 1964? Nenhum outro: Roberto Marinho.

Entre as personagens que somam maldade e sagacidade no golpe de 1964? Estou certo: Golbery do Couto e Silva.

Entre as personagens que coincidem inteligência e torpeza no golpe de 1964? Não hesito: Delfim Neto.”

Ricardo Gondim ‏
Eu, filho de preso político
http://linkis.com/ricardogondim.com.br/lzVeo

Eduardo Guimarães

A imprensa brasileira hoje existente se fêz com a ditadura que incentivou, apoiou e defendeu. Construiu seu patrimônio assim! Pronto! Não há o que discutir! Qualquer argumentação contraria é mentirosa!

wilson

Não é possível deixarmos estes capatazes dos ditadores (Folha, Estadão, Globo, etc) mostrarem-se como revolucionários!!!
Vamos desmascará-los!!!!

Luís Carlos

Dilma não faz reforma agrária, muito longe disso. Porém, o Bolsa Família ainda de Lula, o pleno emprego, o Minha Casa Minha Vida, o Pronatec, e principalmente o Mais Médicos de Dilma constituem importantes “reformas de base” dos governos Lula/Dilma que estarrecem a oposição partidária, midiática e o mercado espculativo e seu capital vadio sonegador de impostos e viciado no jogo da Bolsa de Valores.

Luís Carlos

Correto Azenha: “1964 é agora”. A guerra da informação criando cenários irreais para desestabilizar democracia está a galope na país, mais intensamente, desde o ano passado, por meio de agentes internos citados por você, entre outros, e de agentes externos. Os agumentos encontram eco nos de 50 anos atrás. A mídia coporativa faz o mesmo papel sujo de outrora, distorcendo, omitindo, inventando e mentindo. Os comparsas são os mesmos com os mesmos interesses mesquinhos de meio século atrás. A resistência é diferente.

anac

Dá para confiar na honestidade do GLOBOpe? Nem em 1964, nem agora.

E se existir pesquisas do Ibope favoráveis ao governo que querem derrubar ou prejudicar, eles omitem, manipulam e distorcem.

Todo cuidado é pouco em relação as pesquisas divulgadas pelo instituto de pesquisas Ibope, que já mostrou a quem serve.

O senhor Montenegro, dono do Ibope, em 2009, vaticinou, nas páginas da Veja, baseado nas pesquisas do seu Ibope, que Lula não faria seu sucessor.

Desejo que, sabemos, não se realizou.

Ednaldo Vieira Costa

Marco Antonio Villa, o desconstrutor da História.

francisco.latorre

1964 é agora.

..

    abolicionista

    “Le passé n’est jamais mort, il n’est même pas passé.”

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