Fiocruz: Nomeação de Tania para a presidência não saiu no Diário Oficial desta segunda. Temer vai respeitar a democracia da instituição e nomear mais votada?

Tempo de leitura: 7 min

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por Conceição Lemes

Em 29 de dezembro, última quinta-feira de 2016, o jornalista Ilimar Franco deu em primeira mão:

A médica e pesquisadora da Fiocruz, Tania Cremonini de Araújo-Jorge, será a nova presidente da Fundação. Sua nomeação será publicada, no Diário Oficial da União, da próxima segunda-feira.

A nomeação não foi publicada hoje, como ele divulgou.

O governo Temer apenas adiou a publicação?

Ou a mobilização da sociedade em defesa do respeito à democracia na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) o teria levado a recuar no golpe à instituição?

Será que agora ele vai nomear a doutora Nísia Trindade, democraticamente eleita, como clamam entidades nacionais e internacionais?

Há 25 anos a presidência da instituição é escolhida por eleição direta junto a seus trabalhadores, pesquisadores e professores.

No final de novembro, 4.415 servidores  elegeram Nísia, atual vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, para o mandato 2017-2020.

Na sexta-feira à noite, 30 de dezembro, o jornalista de O Globo publicou mais este post.

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Antes que alguém questione, aviso: algumas dessas informações não condizem com os fatos.

HUGO LEAL, SOBRE O GLOBO: “EU NÃO ESTAVA FALANDO EM NOME DA BANCADA DO RIO”

Para começar, o post de Ilimar pode eventualmente passar a impressão de que Hugo Leal fala em nome dos 46 parlamentares que compõem a bancada do Rio na Câmara dos Deputados.

Afinal, o parlamentar atualmente no PSB é apresentado como coordenador da bancada – o que, de fato é — e não apenas como deputado federal pelo Rio de Janeiro.

Entrevistei-o então por telefone.

Que deputados federais da bancada do Rio apoiam a doutora Tania?

Hugo Leal — Eu nem tenho muita relação com a doutora Tania, nem sei se outros têm. A questão é que existe um processo eleitoral e o processo eleitoral foi respeitado. O que nós dissemos é que apoiamos qualquer nome da lista, porque estão fazendo um carnaval muito grande com a escolha que o ministro [da Saúde, Ricardo Barros] fez.

A lista é tríplice, de livre escolha do ministro, homologada pelo presidente. Assim como é lista tríplice no Supremo, no STJ [PS do Viomundo: não procede a informação em relação a essas duas instituições], assim como no Ministério Público. Eu posso escolher o primeiro, mas posso não escolher o primeiro.

O senhor está apoiando a nomeação da candidata derrotada?

Estou apoiando a decisão que foi tomada pelo presidente da República. Pode ser o primeiro colocado, o segundo… Para mim, o que importa é que seja preservada a instituição.

Na matéria do Ilimar, o senhor é apresentado como coordenador da bancada. Em nome de quais deputados federais estava falando?  

Hugo Leal — O que informei e o Ilimar sabe é que eu sou coordenador da bancada do Rio de Janeiro.

Mas eu não estava falando em nome da bancada. Esse assunto não foi discutido na bancada. Não é assunto para ser discutido na bancada. Obviamente eu recebi manifestações. Mas não interessa. Não está na alçada da bancada definir. Está na alçada do ministro da Saúde e do presidente da República. Ponto final. Não tem mais o que discutir.

Mas deu a impressão a várias pessoas que leram a matéria que o senhor estaria falando pela bancada…

Hugo Leal — Não, não. Falo em nome da bancada quando autorizado por ela. Nós não fizemos reunião. Agora, eu defendo irrestritamente o cumprimento do estatuto. Pode ser escolhido o primeiro, o segundo, o terceiro. Não é para se fazer o cavalo-de-batalha que estão fazendo.

 A VERDADEIRA HISTÓRIA DA NOMEAÇÃO DE CARLOS MOREL PARA PRESIDENTE DA FIOCRUZ

Por falar em primeiro, segundo, terceiro, o post de Ilimar diz:

Partidários da nomeada lembram que o primeiro presidente eleito da Fiocruz foi Carlos Morel, que estava na 3ª posição na lista, e dirigiu a instituição de 1992 a 1996.

Realmente, é o argumento que os aliados de Tania têm usado justificar o desrespeito à vontade das urnas e às regras do  processo eleitoral que ela mesma concordou em se submeter.

Só que não estão contando a história inteira sobre a nomeação de Carlos Morel, que é a seguinte:

* Nas eleições de 1989 para a presidência da Fiocruz, participaram quatro candidatos: Akira Homma,  Arlindo Fábio Gómez de Sousa,  Carlos Morel  e José Rodrigues Coura.

* Na primeira rodada, José Rodrigues Coura saiu do pleito. E as eleições foram vencidas por Akira Homma.

* De 1976 a 1989, Homma dirigiu  Biomanguinhos, atualmente denominado Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos.  Em 1989, com o afastamento do sanitarista Sérgio Arouca da presidência da Fiocruz para disputar a eleição a vice-presidente da República,  ele substituiu-o no cargo.

*Em março de 1990, Fernando Collor de Mello tomou posse como presidente do Brasil.

* Collor não gostava da Fiocruz e se recusou a nomear qualquer nome do processo eleitoral de 1989. Respaldado por ter conquistado o primeiro lugar nas primeiras eleições diretas pós- ditadura, Collor afirmava que o único eleito era ele próprio e que o processo da Fiocruz não tinha amparo legal.

* Diante do impasse, o Conselho Deliberativo da Fiocruz, que também não era legalmente reconhecido, “nomeou”, em 1990, o pesquisador e professor  Luiz Fernando Ferreira para o cargo de presidente interino.

* Na sequência, a solução negociada com o governo federal foi a nomeação do virologista Hermann Schatzmayr ,que permaneceu à frente da Fiocruz até a queda de Collor em dezembro de 1992.

*Com Collor fora do poder, a comunidade Fiocruz voltou à luta para que os resultados das eleições de 1989 fossem respeitados.

*Consultado, Itamar Franco, que assumiu a presidência em 29 de dezembro de 1992, não se opôs e o  processo interrompido em 1989 foi retomado.

* Pelo resultado das eleições de 1989, deveria assumir Akira Homma. Mas ele abriu mão devido a  compromissos profissionais assumidos com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), em Washington (EUA).

*A comunidade Fiocruz decidiu, então, que a presidência da Fiocruz seria ocupada por um dos dois remanescentes da lista de 1989:  Arlindo Fábio Gómez de Sousa  ou o médico, biofísico e pesquisador Carlos Morel.

Ficou acertado também que o escolhido seria aquele que conseguisse maior número de apoios tanto nas esferas de governo quanto no mundo acadêmico.  Morel conseguiu. Daí, ele ter assumido a presidência.

Portanto, é impossível comparar a situação de Morel com a de Tania. Insistir é desonesto.

SE ALIADOS DE NÍSIA USASSEM O ARDIL DOS DE TANIA, ELA TERIA  72% DOS VOTOS VÁLIDOS

Em seu post, Ilimar diz ainda:

Segundos seus aliados, ela obteve 54,4% do total de votos válidos, somados os 1.695 votos obtidos para primeiro lugar com os 656 votos para segundo lugar. 

Somar os votos da primeira e segunda votação seria uma piada se não fosse a má-fé embutida.

Os aliados a que Ilimar se refere são pesquisadores da Fiocruz ou políticos, como Hugo Leal?

Bem, considerando que o deputado diz equivocadamente que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e os do Superior Tribunal de Justiça (STJ) são escolhidos pela presidência da República em uma lista tríplice, somar os votos seria só mais uma desinformação.

Agora, se forem pesquisadores, a forçada de barra é imperdoável.

Eu explico.

*Na eleição realizada na Fiocruz em novembro de 2016, 4.415 servidores, entre trabalhadores, pesquisadores, professores, escolheram entre as duas candidatas.

*Eles podiam indicar a primeira e a segunda opção.  Para efeitos de resultado final, vale a primeira opção.

*Houve um total de 4.283 votos válidos.

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* Nísia Trindade ficou em primeiro lugar com 2.556 votos (59,7%) em primeira opção. E Tania Araújo-Jorge, em segundo lugar, com  1.695 votos (39,6%) em primeira opção.

*E, aí, a esperteza de supostos aliados da doutora Tania, para fazer parecer que ela teve mais votos.

Somaram os 1.695 votos da primeira opção  com os 656 da segunda. Dá um total de 2.351 votos.

Em seguida, aplicaram uma regra de três simples em relação aos 4.283 votos válidos.

Assim, se 4.283 equivalem a 100%, 2.351 votos  representam 54,89%. E não 54,4%, como contabilizaram.

*Agora, vamos supor que os partidários de Nísia resolvessem usar o mesmo ardil. Ela teve 2.556 votos em primeira opção e 534 em segunda. Total: 3.090. Ou seja, 72,14% dos votos válidos.

Detalhe: Nísia ganhou nos dez estados em que a Fundação está presente assim como na Fiocruz- Distrito Federal. Ganhou também em todas as unidades da instrituição, exceto no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), onde Tania foi diretora por oito anos.

Confira o mapa eleitoral.

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Daí algumas perguntas óbvias:

* Por que supostos aliados de Tania estão disseminando informações que não correspondem à verdade factual?

* Como até agora não as desmentiu, pode-se subentender que ela concorde?

*A troco do quê?

O deputado Hugo Leal, que em março de 2016 trocou o PROS pelo PSB para disputar a Prefeitura do Rio, disse ainda a Ilimar Franco que:

*considera natural a reação contra Tania, pois a fundação tem um orçamento de quase R$ 6 bilhões por ano;

*há muitos nichos e interesses lá dentro;

*a instituição também precisa melhorar a sua produtividade.

Hugo Leal votou pela derrubada da presidenta Dilma Rousseff.

Votou também a favor da PEC 241/55, que congelou os recursos para a Educação e Saúde  para os próximos 20 anos.

Logo, falar em interesses é piada pronta.

Afinal, o usurpador Temer tem sido pródigo em presentear banqueiros, grandes grupos empresariais (entre os quais,  as Organizações Globo, as empresas de telefonia, a Shell e Total francesa)  e ferrar os trabalhadores, a Educação, a Saúde,  a Ciência e Tecnologia.

Seguindo a lógica dos golpistas,  somos forçados a perguntar também:

*Por que Michel Temer, Ricardo Barros & Cia estão interessados em botar a mão nos quase R$ 6 bilhões de orçamento  anual da Fiocruz?

*Seria para a Fiocruz passar a fazer serviços para as indústrias farmacêuticas privadas?

*Seria para transferir às farmacêuticas privadas as tecnologias inovadoras que têm sido desenvolvidas pela Fiocruz, eliminando a concorrência da fundação?

*Ou seria tudo isso junto?

Leal fala em aumentar a produtividade. A Fiocruz não é salsicharia.

Foi o fato de estar nos estados, entre os quais Pernambuco, que permitiu ao Brasil identificar rapidamente a epidemia de zika vírus.

Leal frisa que a doutora Tania é independente.

Independente de quem?

O rótulo “ independente” seria uma tentativa de emplacar a versão Fiocruz do não político?

Curiosamente, a doutora Tania foi contra o golpe à presidenta Roousseff e defendeu o Fora Temer.

Será que o vale para o presidente usurpador não valeria para ela agora?

— Por que a Tania assumir é golpe e a Nísia, não? – alguns vão questionar.

A doutora Nísia foi eleita num processo democrático pela comunidade Fiocruz, enquanto a nomeação de Tania seria fruto de um acordo com um governo golpista, que está liquidando direitos sociais, trabalhistas.

O ministro Ricardo Barros está destruindo o SUS, para beneficiar descaradamente os planos privados de saúde, por exemplo. Na semana passada, ele “flexibilizou” as regras de funcionamento das Unidades de Pronto-Atendimento, as UPAs 24h, que reduzirão o número de médicos nos serviços.

Ao aceitar a sua nomeação para a presidência da Fiocruz, Tania estaria fazendo o mesmo que Temer fez com Dilma.

Logo, se canditando a passar à história como a Temer da Fiocruz.

Que pena, considerando a sua digna e competente trajetória profissional!

Aguardemos os próximos passos.

Tomara que a democracia tão duramente conquistada e construída pela comunidade Fiocruz prevaleça.

 Leia também:

Gastão Wagner: Fiocruz é uma instituição de Estado e não deve ser objeto de barganhas 


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Comentários

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Luiz Carlos P. Oliveira

6 bilhões de orçamento? Hum. Tem gente que adora um cofre, como disse o ACM.

maria ribeiro

Acho estranho as notícias contrarias a nomeação de Tania Araujo Jorge para a presidencia da Fiocruz, pois foi acertado durante a campanha que a candidata que fosse a segunda colocada não retiraria o seu nome para que a escolha fosse feita pelo ministro. Sendo assim não acho que que exista características de um golpe anti- democratico. Isso já fazia parte de um acordo entre as partes e deveria ser respeitado.

    Priscila Nascimento

    Não é anti-democrático? A instituição, a qual tem valores bem definidos e apoia toda forma de democracia, fez uma escolha visando a maioria, como é feita as eleições do Brasil, a qual também não foi respeitada. Os servidores exerceram seu direito de votar em uma representante que tem a melhor visão de como conduzir a Instituição, caberia ao governo “democrático” respeitar a escolha da maioria, já que as duas candidatas também fazem parte do quadro de servidores da Instituição e puderam defender suas ideias em debates e plataformas. Ignorar o desejo de todos os funcionários e escolher uma pessoa que perdeu nas eleições para presidente da Fiocruz é sim anti-democrático e de um totalitarismo absurdo.

Mauricio

Como professor e pesquisador, e também cidadão, causa-me revolta e indignação o comportamento abjeto, mesquinho e canalha dessa Sra. “independente”. Se acaso essa aberração for confirmada, todos os pesquisadores, institutos de pesquisa e a academia em geral devem boicotar a participação dessa pilantra em qualquer evento científico que tenha a ousadia de participar. Tem que ser escrachada, vaiada e chamada de golpista e repudiada por todos que são contra esse golpe (mais um!) absurdo.

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