Escândalo no México: A Televisa a serviço de candidatos

Tempo de leitura: 6 min

O escândalo midiático mexicano: Unidade sereta da Televisa promoveu candidato do PRI

Emissora encomendou vídeos que atacavam rivais do candidato que agora é o favorito para vencer a corrida presidencial de domingo, revelam documentos obtidos pelo Guardian

Jo Tuckman na Cidade do México

guardian.co.uk, Tuesday 26 June 2012 18.38 BST

Uma unidade secreta dentro da rede de TV dominante do México organizou e financiou uma campanha por Enrique Peña Nieto, que é o favorito para vencer a eleição presidencial de domingo, de acordo com pessoas familiarizadas com a operação e documentos obtidos pelo Guardian.

As novas revelações de favorecimento da Televisa, a maior emissora do mundo em espanhol, desafiam a alegação da companhia que se diz politicamente imparcial, assim como a insistência de Peña Nieto de que nunca teve um relacionamento especial com a Televisa.

A unidade — conhecida como equipe Handcock, no que fontes disseram ser o nome código da Televisa para Peña Nieto e seus aliados — encomendou vídeos promovendo o candidato e o PRI e atacando os rivais do partido, em 2009. Os documentos sugerem que os vídeos foram distribuídos para milhares de endereços de email e promovidos no Facebook e no YouTube, onde alguns ainda podem ser vistos.

A natureza do relacionamento entre Peña Nieto e a Televisa foi uma questão-chave nas eleições de domingo desde que surgiu em maio um movimento estudantil focado na manipulação da opinião pública em favor de um candidato. A Televisa se negou a comentar questões específicas relacionadas aos documentos mas negou as acusações de que tenha favorecido o PRI, alegando que fez trabalho político para todos os grandes partidos.

Os documentos, que consistem em cópias escaneadas de contratos e outras instruções e propostas, sugerem que subsidiárias da Televisa e executivos da emissora participaram do projeto, colocando funcionários e conhecimento acumulado para trabalhar em benefício de Peña Nieto na crucial campanha legislativa de 2009.

O material segue a publicação pelo Guardian, três semanas atrás, de uma série de documentos de 2005 que detalham a venda de cobertura política favorável da Televisa a um número de políticos, inclusive Peña Nieto. Os documentos também parecem oferecer evidências de uma campanha suja contra Andrés Manuel López Obrador, que à época estava preparando sua primeira campanha presidencial. Lópes Obrador é atualmente o rival mais próximo de Peña Nieto, embora a maior parte das pesquisas o coloquem mais de dez pontos atrás do líder.

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A Televisa descartou as alegações como caluniosas, questionou a autenticidade dos documentos e exigiu um pedido formal de desculpas.

De acordo com fontes bem colocadas, o projeto Handcock (‘Hancock’ em alguns documentos) surgiu durante a campanha para as eleições legislativas de 2009.

A vitória esmagadora do governador Peña Nieto deu ao PRI o estado do México e o ajudou a cimentar sua candidatura à presidência.

Uma fonte disse ao Guardian que a equipe trabalhou em semi-segredo nos escritórios da Televisa, presa a contratos de confidencialidade e encorajada a não usar os endereços de e-mail da Televisa ou os IPs da emissora para distribuir o material.

Uma segunda fonte disse que companhias contratadas pela Televisa para produzir vídeos e outros materiais destinados à internet também atuaram secretamente, por conta de contratos de confidencialidade. Os contratos sugerem que estes “fornecedores” eram legalmente responsáveis por “qualquer reclamação individual ou coletiva” relativas ao material produzido.

Uma das líderes da equipe era Alejandra Lagunes, então diretora-geral de Mídia Interativa da Televisa, segundo fontes. Mais tarde, Lagunes deixou a companhia e passou a assessorar o sucessor escolhido por Peña Nieto para disputar o governo do estado do México, que venceu as eleições em 2011. Ela atualmente ocupa a posição de “coordenadora de estratégia digital e de redes sociais” da campanha presidencial de Peña Nieto.

Um porta-voz do PRI, Aurelio Nuño, negou os pedidos do Guardian para conversar com Lagunes. “A campanha e o candidato Enrique Peña Nieto não tem conhecimento da existência do contrato que o Guardian nos mostrou”, ele disse. “Enrique Peña Nieto reitera que nunca teve um relacionamento especial com a Televisa. Como governador e candidato presidencial, Peña Nieto tem tido relações cordiais e respeitosas com toda a mídia”.

Um objetivo central da equipe Handcock, de acordo com uma fonte, era distribuir vídeos de campanha pró-PRI através de mensagens de e-mail e a promoção dos vídeos em sites como o YouTube.

Os documentos sugerem que pelo menos alguns dos vídeos foram encomendados a uma produtora independente chamada Zares do Universo, que era parcialmente de propriedade de uma celebridade associada à Televisa, Facundo Gómez.

De acordo com um dos contratos, datado de 1 de maio de 2009, a subsidiária da Televisa chamada Comercio Más S.A. De C.V. encomendou à Zares uma série de vídeos curtos, por cerca de 133 mil dólares.

O contrato é assinado por Jorge Agustín Lutteroth Echegoyen, vice-presidente e diretor-financeiro da Televisa. O nome e a assinatura dele aparecem em outros contratos.

Neste caso o “cliente” é identificado como “Handcock” em alguns vídeos e como “Televisa Digital” em outros. Alguns dos vídeos continuam no YouTube. Não há autor listado, mas os títulos, tópicos e duração exata batem com o que consta nos documentos. Incluídos estão seis vídeos para uma campanha misteriosamente batizada de conceito Snoopy.

O contrato diz que o objetivo é produzir “vídeos que gozem de alguns dos erros e pontos fracos do partido de ação nacional”, em referência ao PAN, do presidente Felipe Calderón. O documento especifica que os vídeos não devem ser assinados.

Gómez disse ao Guardian: “Fizemos vários trabalhos para a Televisa mas nunca produzimos, ao que eu saiba, vídeos políticos de qualquer tipo”.

Um dos episódios, intitulado A Gravata de Enrique Peña, alegremente rebate críticas que o então governador recebeu do governo federal de que não deveria usar gravata durante a epidemia de gripe suína em 2009. Inclui uma entrevista com o governador no principal telejornal da Televisa, na qual ele explicou que sua decisão era uma tentativa “de parar de projetar a imagem de um país doente, o que realmente afetava nossa economia”.

Outro vídeo, intitulado O Cara Ruim de Toluca, ataca o ex-prefeito da capital daquele estado, que estava disputando a reeleição em 2009. Com trilha sonora de Prokofiev, inclui acusações como: “Ele é o cara que se divorciou para casar com a secretária, então promovida de cargo em seu governo”.

Outros contratos mostrados ao Guardian detalham blogs e sites destinados a promover o PRI, a serem construídos por companhias e indivíduos a serviço de duas subsidiárias da Televisa, Comercio Más e Desarrollo Vista Hermosa SA de CV.

Uma das instruções dada a membros da equipe pede que distribuam um vídeo e o coloquem no Facebook e na rede social norte-americana Hi5.

O vídeo, de origem não revelada, acusa o prefeito de uma cidade de usar recursos públicos para fazer campanha para o PAN. O texto não faz menção a qualquer filiação política e termina com estas palavras: “Envie este e-mail para seus colegas… estou realmente ofendido com isso”.

A Televisa se negou a discutir as alegações do Guardian. Primeiro a emissora ignorou pedidos de entrevista, depois propôs encontro na presença de advogados. Quando o Guardian submeteu uma lista de oito perguntas e um exemplo dos documentos, um porta-voz da emissora cancelou o encontro, alegando que os documentos não tinham submetidos “dentro do prazo”.

A Televisa acrescentou que a Comercio Más trabalhou para todos os partidos políticos. Disse: “A Comercio Más é ums subsidiária pequena, que controlava o portal Esmas e desde 2008 está tentando desenvolver conhecimento para colocar anúncios online. A Comercio Más e o Esmas desenvolveram apresentações sobre suas capacidades para os setores público e privado. Quanto a partidos políticos, a Comercio Más assinou contrato com vários partidos, inclusive todos os principais de todo o espectro político (PRI, PAN, Movimento Cidadão e PRD). O trabalho do Esmas foi sempre dentro da legalidade. Além disso, depois das eleições federais de 2009, o trabalho da Comercio Más e a renda obtida de partidos políticos sofreu auditoria da autoridade eleitoral do IFE, sob a resolução GC223/2010. O IFE se satisfez com a avaliação”.

Mas um porta-voz do PRD [o partido de Manuel López Obrador] negou relacionamento com a Comercio Más ou o Esmas. “Nunca ouvimos falar deles. Não trabalharam para nós, nem nesta, nem em campanhas prévias”, disse o porta-voz, César Yáñez. Se a Televisa ou o PRI sugeriram de outra forma, ele disse que estão errados: “É completamente falso”.

Outras evidências de trabalho encomendado pela Televisa para promover Peña Nieto vem de um documento aparentemente enviado por um funcionário da empresa norte-americana Blue State Digital. pedindo pagamento depois de “várias tarefas encomendadas pela Televisa”. A lista subsequente inclui “várias conference calls e reuniões para discutir a estratégia web da Handcock”.

Blue State Digital

A Blue State Digital é conhecida por ter ajudado a desenvolver a estratégia de internet de Barack Obama nas eleições presidenciais de 2008 nos Estados Unidos. A empresa não respondeu a um pedido de entrevista.

Outro documento, aparentemente enviado por uma companhia chamada Producciones Salón para o endereço de um empregado de alto escalão da Televisa, Germán Arellano, contém o título “proposta edomex”, em referência ao acrônimo do Estado do México. Inclui o orçamento para sites do PRI no estado, assim como “o desenvolvimento e a implementação de uma estratégia integrada, que articula a totalidade dos objetivos em torno da Handcock”.

A proposta também menciona planos para desenvolver o blog pessoal de Luis Videgaray, um colaborador próximo de Peña Nieto que na época era mencionado como possível candidato para substituí-lo. A proposta promete “posicioná-lo como líder de opinião na cultura política digital e a gerar boa vontade em torno de sua imagem no Estado do México”. Hoje, Videgaray é o gerente da campanha presidencial de Peña Nieto.

Um porta-voz de Luis Videgaray disse que ele nega conhecer o documento obtido pelo Guardian. Também nega que tenha contratado pessoa ou companhia para gerenciar sua presença nas mídias sociais e afirma que gerencia diretamente sua conta no twitter.

Os contratos detalham pagamentos a serem feitos por subsidiárias da Televisa aos fornecedores de materiais pró-Peña Nieto. Os documentos não deixam claro se a Televisa arcou com as despesas.

O Guardian não conseguiu obter resposta da Producciones Salón, que não existe no endereço ou com os telefones que estão no contrato obtido pelo jornal e nem naqueles que constam no site da empresa.

PS do Viomundo: Muitas das alegações mais antigas sobre a Televisa constam no livro “O Sexênio da Televisa”, de Jenaro Villamil, sobre o qual publicamos este post em novembro do ano passado. E publicamos um interessante documentário sobre o México, em nosso canal no YouTube, tratando da fraude eleitoral de 2006.

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