Batalhadora por lei detona: “Decisão do STF corrobora a corrupção. Dilma é exceção, será uma ficha limpa punida por fichas-sujas”

Tempo de leitura: 5 min

Jovita e o STF - novo

por Conceição Lemes

Câmara dos Vereadores ou Tribunal de Contas municipal é o órgão competente para julgar as contas de prefeitos? Desaprovação pelo Tribunal gera inelegibilidade, como estabelece a Lei da Ficha Limpa?

Em sessão realizada em 10 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim a esses questionamentos.

Por 6 votos a 5, o STF decidiu que é exclusivamente da Câmara de Vereadores a competência para julgar as contas de prefeitos. Cabe ao Tribunal de Contas apenas auxiliá-la, emitindo parecer prévio e opinativo, que somente poderá ser derrubado por decisão de 2/3 dos vereadores.

O ministro Gilmar Mendes logo saiu atirando: “Parece que [a lei] foi feita por bêbados”.

Investida que convém a Michel Temer (PMDB), inelegível justamente por conta da lei, atentou o GGN:

O ataque de Gilmar Mendes à Lei da Ficha Limpa vem em momento muito oportuno para o grupo que incentiva a candidatura de Michel Temer (PMDB) em 2018, caso seu governo tenha sucesso o bastante para tentar uma reeleição.

“Vergonha!”, diz, indignada, Jovita Rosa. “Com essa decisão, o STF corrobora a corrupção, será conivente.”

Jovita Rosa participou ativamente da criação da Lei da Ficha Limpa. Ela preside o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), entidade que faz parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

Viomundo – O que achou da declaração do Gilmar Mendes sobre a Lei da Ficha Limpa?

Jovita Rosa — O sonho nos embriaga, a democracia nos embriaga, o controle social nos embriaga, a mobilização nos embriaga, a transparência nos embriaga, a probidade nos embriaga. O Brasil sem corrupção nos embriaga. Quem dera que essa embriaguez contagiasse, ao menos, todos os ministros do STF e todo o Congresso Nacional.

Se, ao longo do tempo, a Justiça eleitoral tivesse levado em conta a vida pregressa dos candidatos, não teria necessidade de a sociedade se mobilizar para construir essa lei que tanto nos embriaga (risos).

Viomundo — Por que a decisão do STF corrobora a corrupção?

Jovita Rosa — Mais de 80% das inelegibilidades decorrem de contas rejeitadas na forma que está previsto na Lei da Ficha Limpa.

O julgamento um Tribunal de Contas é técnico, seguindo o relatório de auditor que realizou uma verificação in loco. O julgamento do legislativo é político, sendo raríssimo ele seguir as recomendações dos tribunais.

Viomundo – O que prevê a Lei da Ficha Limpa?

Jovita Rosa — Quando elaboramos o texto, pensamos que dentre as causas de inelegibilidade estaria também aquele gestor, que no uso de seu cargo, desviasse recursos públicos e tivesse as contas rejeitadas pelo órgão de contas, ou seja, um Tribunal de Contas.

Sabendo que nem sempre o Tribunal de Contas, em seu plenário, segue as recomendações dos auditores que realizaram as verificações in loco, a Lei, na sua alínea g, é explícita:

os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; “

A Lei da Ficha Limpa dispõe sobre o que já estava previsto na Constituição Federal de 1988: a inelegibilidade como decorrência da análise desfavorável da vida pregressa de candidato. Enfim, a lei só regulamentou o que estava previsto e ninguém seguia.

Viomundo – Mas em que medida a decisão do STF é conivente com a corrupção?

Jovita Rosa — Os tribunais de contas analisam as contas dos gestores e dão parecer sugerindo a aprovação ou rejeição delas. Acontece que as câmaras de vereadores muito raramente acatam esse parecer. Geralmente, fazem um julgamento político de conveniência, muitas vezes regado de barganhas.

Veja bem. Nós sabemos que a rejeição de contas por uma Câmara de Vereadores de um prefeito ordenador de despesas é tão rara como o cometa Halley.

Logo, o STF, quando diz que quem deve julgar as contas é o legislativo, corrobora com a corrupção, pois já sabermos, de antemão, que raramente a punição ocorrerá.

O julgamento do legislativo é político. O de um Tribunal de Contas é técnico, em tese, mesmo que tenha indicações políticas nesses órgãos.

Viomundo – Mas o julgamento de um Tribunal de Contas também é político. A prova maior disso foi o julgamento das contas da presidenta Dilma pelo TCU, concorda?

Jovita Rosa — Sim, o coletivo de ministros dos Tribunais de Contas tem suas indicações políticas, mas também tem um contraponto: os nomeados “de carreira”, que são técnicos.

Isso dá um pouco de equilíbrio, mas mesmo assim ainda vemos julgamentos políticos.

Viomundo – O que seria o correto na sua avaliação?

Jovita Rosa –– O correto é permanecer com o julgamento dos tribunais de contas, para fins de inelegibilidades, conforme prevê a Lei e isso evita muitas negociações, “mensalinhos e mensalões”.

Veja bem. Suponhamos que a gente faça, por exemplo, uma auditoria numa secretaria de saúde e constate que o gestor desviou R$ 20 milhões que seriam para a compra de medicamentos.

Nós redigimos um relatório, encaminhamos ao gestor auditado para que ele justifique aquele valor, pois realizou a despesa e não comprovou com o quê.

Ele tem quinze dias, prorrogáveis para essa justificativa. Ele é notificado a devolver aquele valor. Se não o faz, abre-se uma Tomada de Contas especial onde é identificado o gestor, data do fato gerador e quantificado o dano.

Encaminha-se, então, ao Tribunal de Contas da União.

No TCU, o gestor é notificado. Se quiser, ele pode apresentar os comprovantes que desejar. Se não o faz, ele será julgado.

Acontece que esse processo é muito lento, dura de 5 até 10 anos para chegar a julgamento. Aí, ele é condenado e recebe uma multa de 2% do valor desviado, ou seja, altamente lucrativo.

Depois desse julgamento é que se entra na Justiça para tentar recuperar esse valor de volta aos cofres públicos.

Daí, a Lei da Ficha Limpa. Ela diz: esse cara vai ficar inelegível por oito anos a partir da data em que foi julgado.

Só que, agora, vem o STF e diz: nada disso, quem vai fazer esse julgamento será o legislativo em cada esfera de governo, o que é a coisa mais rara acontecer.

Viomundo – A decisão em relação à presidenta Dilma foi uma exceção nas esferas de julgamento?

Jovita Rosa — Quem analisou as contas do governo da Dilma e constatou que houve as malditas e falsas pedaladas foi o TCU.

Uma avaliação equivocada, como já está cabalmente demonstrada. Mas o julgamento coube à Câmara Federal que, utilizando desse artifício, abriu o processo de afastamento.

Viomundo – Mas o parecer do TCU sobre as contas da presidenta Dilma não foi meramente técnico. Foi político também, dando brecha para Câmara fazer o que fez.

Jovita Rosa – Lamentavelmente, uma exceção. Será uma ficha limpa punida por fichas-sujas.

Leia também:

Raduan Nassar: O linchamento de Lula


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Sidnei Brito

Como se diz, até relógio quebrado acerta, pelo menos duas vezes por dia.
Às vezes Gilmar pode acertar. Ninguém perdoa a linguagem imoderada, é claro, bem como não se pode descartar que queira salvar Temer, mas a verdade é que a chamada Lei da Ficha Limpa tem mesmo problemas que vão de encontro a dois temas caros à nossa sociedade sempre e particularmente nos dias atuais: a presunção de inocência e a soberania popular.
E é inócua no que se refere à Justiça (com J maiúsculo). Exemplo: nosso amigo MIchel Temer hoje não poderia enfrentar uma eleição, ou seja, não poderia ser escolhido pelo povo. Mas isso não o impede de estar agora nos presidindo interinamente e, a não ser por um milagre, vir a mandar no – e entregar o – País até 2018.
Em Osasco, o candidato a prefeito mais votado em 2012, do PSDB, foi impedido de tomar posse pela lei da Ficha Limpa. Nada o impediu, no entanto, de, na Assembleia Legislativa, inclusive com cargo importante lá, a ajudar Alckmin a governar com mão de ferro.
Entenderam? A ficha limpa é só para dar um chega pra lá na vontade popular, algo com que, nesses tempos de golpe, estamos, com razão, preocupados.
Foi uma lei de iniciativa popular, se não me engano, e dizem que ela é, com efeito, muito popular. Temo, porém, que mais popular que a lei é gente como Maluf e Jader Barbalho, por exemplo, que ganham eleições sem maiores problemas, a despeito de tudo que pesa contra eles.
Fala-se muito da prisão de Lula. Como dizia minha vó, os caras são loucos mas para isso eles têm juízo. É só cortina de fumaça. Não vão prendê-lo, mas vão facilmente torná-lo inelegível para 2018, uma vez que bastaria a decisão de um moro (minúscula mesmo) da vida ser confirmada pela segunda instância da Justiça Federal do Paraná e os recursos nos tribunais superiores esperarem longos anos para ser julgados: não haveria trânsito em julgado, mas o ex-presidente estaria fora da pendenga pela tal lei, a despeito de ser o político mais popular de nossa história. Vejam que maravilha: tira-se o bode da sala (Lula não é preso); ainda inocente, pois sem trânsito em julgado, não pode se candidatar; e o povinho é “protegido de si próprio” para não dar um novo mandato para o sapo barbudo.
Sei que a opinião não é nada simpática. Sempre que a emito entre familiares e amigos, quase apanho. Fico, porém, desconfiado que tenho razão quando lembro que esses meus parentes e amigos sufragam (ou já sufragaram), aparentemente sem nenhuma dor da consciência, nomes como Aécio, Serra, Alckmin, FHC, o já citado Maluf, Collor etc.

Urbano

Tal qual os chavequeiros em presídios de Pernambuco, quiçá do Brasil… Chaveiros são profissionais, cujo ofício requer integridade moral.

Italo

As analises da folha e o ataque do Mendes PSDB/MT que atua no STF contra a lei da ficha limpa obedecem necessidades de manter velhos esquemas em funcionamento, sem prejuizos. Ahh se o povo contasse com justiça assim, de bate pronto, para começar a valer agora. Nao ha justiça no Pais depois do Golpe.

FrancoAtirador

.
.
Aberrante Contradição no Entendimento do Supremo Tribunal Federal
– inclusive do Ministro Gilmar Mendes – quanto à Eficácia das Decisões.

Não faz muito tempo, o STF decidiu que, no Processo Criminal, é Possível
a Execução da Pena de Prisão do Réu, antes mesmo do Trânsito em Julgado.

E diz agora que, na Esfera Eleitoral, deve-se aguardar o Julgamento Definitivo.

De qualquer modo, o fato só corrobora que as Decisões do STF são Politicas.

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI234107,51045-JULGAMENTO+HISTORICO+STF+muda+jurisprudencia+e+permite+prisao+a
.
.

Deixe seu comentário

Leia também