Yarochewsky, sobre PGR investigar Favreto: “Precedente perigoso na tentativa de criminalizar decisões judiciais”

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Marcelo Camargo/Agência Brasil

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Da independência do juiz à tentativa de criminalização das decisões judiciais

por Leonardo Isaac Yarochewsky, no Justificando

Eduardo Couture é taxativo:

“Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e em um momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens. No dia em que os juízes têm medo, nenhum cidadão pode dormir tranquilo”.

Jorge Luiz Souto Maior e Marcos Neves Fava asseveram:

“A independência do juiz, primeiro, é uma garantia do próprio Estado de Direito, pelo qual se atribuiu ao Poder Judiciário a atribuição de dizer o direito, direito este que será fixado por normas jurídicas elaboradas pelo Poder Legislativo, com inserção, ao longo dos anos, de valores sociais e humanos, incorporados ao direito pela noção de princípios jurídicos. A independência do juiz, para dizer o direito, é estabelecida pela própria ordem jurídica como forma de garantir ao cidadão que o Estado de Direito será respeitado e usado como defesa contra todo o tipo de usurpação. Neste sentido, a independência do juiz é, igualmente, garante do regime democrático.[1]

A independência da magistratura é, portanto, indispensável e da própria essência do Poder Judiciário. Como bem observa Eugenio Raúl Zaffaroni, a chave de poder do Judiciário se encontra, especificamente, no conceito de “independência”.[2]

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ao escrever sobre “o papel do novo juiz no processo penal” assevera que:

é preciso que fique claro que não há imparcialidade, neutralidade e, de consequência, perfeição na figura do juiz, que é um homem normal e, como todos os outros, sujeito à história de sua sociedade e à sua própria história. Mas se isto é tão evidente, pela própria condição humana, parece lógico que a desconexão entre o dever ser e o ser só é possível e aceita em função de fatores externos (manutenção do status quo) e internos (manutenção, ainda que vã, do equilíbrio), em uma retroalimentação do sistema processual penal em vigor. [3]

Vladimir Passos de Freitas, desembargador Federal aposentado do TRF-4, ao escrever sobre os 10 mandamentos do juiz salienta que o magistrado deve “manter a vaidade encarcerada dentro dos limites do tolerável, evitando a busca de homenagens, medalhas, retratos em jornais institucionais…”[4]

É necessário, portanto, que o juiz exerça o seu mister com independência, mas comprometido com o direitos e garantias fundamentais assegurados pelo Estado Constitucional, livre de qualquer influência, ameaça ou pressão, interferência, interna ou externa, direta ou indireta.

Ressalte-se que somente o juiz legal – com jurisdição e com competência pré-determinada por lei anterior ao fato objeto do julgamento (juiz natural) – é compatível com o Estado Constitucional.

Assim, fica desde logo, vedado, no Estado de Direito, o chamado juiz de encomenda.

De igual modo, não se admite os tribunais de exceção destinados a julgamentos de determinados casos e/ou determinadas pessoas.

O princípio do juiz natural, em sua formulação mais madura, se deve ao pensamento iluminista francês do século XVIII e às declarações revolucionárias de direitos.

Surgiu em oposição aos juízes “comissários nomeados” pelo rei para “julgar um cidadão”.[5]

Observa o jurista italiano Luigi Ferrajoli que a garantia do juiz natural significa três coisas diferentes, ainda que entre si conexas:

“a necessidade de que o juiz seja pré-constituído pela lei e não constituído post factum; a impossibilidade de derrogação e a indisponibilidade das competências; a proibição de juízes extraordinários e especiais”.[6]

Em “tempos sombrios”, não é exagero dizer que no processo penal midiático o juiz se torna refém da mídia punitiva e opressora.

Referindo-se à denominada “criminologia midiática”, Zaffaroni afirma que na guerra contra eles (os selecionados como criminosos) são os juízes alvo, preferido da “criminologia midiática”, que segundo o jurista argentino, “faz uma festa quando um ex-presidiário em liberdade provisória comete um delito, em especial se o delito for grave, o que provoca uma alegria particular e maligna nos comunicadores”.

Neste viés, os juízes “brandos” são um obstáculo na luta contra a criminalidade e contra “eles”.

Como assevera Zaffaroni :

“as garantias penais e processuais são para nós, mas não para eles, pois eles não respeitam os direitos de ninguém. Eles – os estereotipados – não têm direitos, porque matam, não são pessoas, são a escória social, as fezes da sociedade”.[7]

Não é demasiado afirmar que, hodiernamente, é necessário muito mais coragem e força para “absolver” e “soltar” – na contramão da pretensão da mídia opressora e punitivista – do que para “condenar” e “prender” – atendendo aos desejos incontidos de uma opinião pública(da).

Note-se que os juízes tidos como garantistas são os que geralmente são atacados, ofendidos e escrachados por aqueles que são facilmente manipulados pelos meios de comunicação de massa.

Ao contrário, os julgadores que leem na cartilha dos punitivistas de plantão, são exaltados pela mídia opressiva. Sendo certo que para decidir de acordo com a maioria de ocasião, não é preciso coragem.

Diante da aclamada independência do juiz como garantia do próprio Estado de direito causa assombro o pedido de abertura de inquérito feito ao Superior Tribunal de Justiça pela procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, para investigar a conduta do desembargador Federal Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)

Conforme tornou-se público e notório, o desembargador Federal Rogério Favreto, no último domingo (8/7), em seu plantão perante o TRF-4, concedeu ordem de habeas corpus e determinou a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A procuradora Raquel Dodge insinua que o desembargador Rogério Favreto agiu para “satisfazer a interesse ou sentimento pessoal”, o que em tese caracteriza o crime de prevaricação previsto no artigo 319 do Código Penal.

Sem adentrar no mérito da decisão do desembargador Rogério Favreto – certa ou errada – causa estranheza o fato de que uma decisão judicial proferida dentro dos limites da jurisdição e da competência se transforme em objeto de “investigação criminal”.

Ao tomar tal atitude – em razão de uma decisão que não lhe agradou – a PGR abre um precedente perigoso na tentativa de criminalizar decisões judiciais.

Das decisões judiciais as partes não satisfeitas recorrem. A Constituição assegura o duplo grau de jurisdição e a legislação infra-constitucional prevê recurso próprio para combater e modificar a decisão proferida.

O pedido de investigação feito pela procuradora da República atinge frontalmente a independência da magistratura.

Caso essa absurda investigação não seja, desde logo, abortada, todo o Poder Judiciário estará comprometido e ameaçado em nome dos interesses – nem sempre legítimos – do Ministério Público.

Em nome da preservação da independência do Poder Judiciário e do próprio regime democrático, espera-se que o absurdo e injustificável requerimento da PGR seja arquivado, a fim de que – certo ou errado – os magistrados de todo o País possam tomar suas decisões – comprometidos com o Estado Constitucional – além das interferências e ameaças externas e indevidas.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais (UFMG).

[1]Disponível:<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI26229,91041A+defesa+de+sua+independencia+um+dever+do+magistrado
[2] Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
[3] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[4] Disponível em:<https://www.conjur.com.br/2010-ago-01/segunda-leitura-10-mandamentos-juiz-administrador-seguir
[5] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantistmo penal. 4ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 544.
[6] FERRAJOLI, op. cit. p. 543.
[7] ZAFFARONI, Eugênio Raul. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2014.
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Comentários

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Sebastião Farias

Gostaria que os colegas que, lê e que comentarão essa informativa e instrutiva matéria jurídica, que, se possível, fizessem uma avaliação das manifestações e dos procedimentos do Ministério Público na atualidade, em relação às demandas jurídicas divulgadas pela imprensa, foco ao que se refere o caput do Artigo 127, da Constituição Federal de 1988, conforme o que consta abaixo:
Nós, representantes do povo “brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

Gabi Maciel

E tem otário que acredita nessa historia de meritocracia. Olha as açoes dessa PGR, vejam como ela distorce o direito. Se ela nao respeita os direitos de um Lula vai respeitar os direitos dos pobres que nao tem grana nem para pegar um onibus.
Nao é a toa que o Temer nao escolheu o primeiro da lista triplice para pgr e escolheu essa Dodge que era a segunda da lista. Onde está a meritocracia ? Trouxa é quem acredita nessas conversas fiadas de meritocracia.
Meritocracia é para os trouxas, os espertos o pai, o avo, o tio poem para dentro.

carlos

Nós brasileiros que pagamos a justiça mais cara do mundo, pra assistir atitudes de canalhas da justiça como Genbram Neto, Sergio Moro, e Gilmala, aliás o próximo presidente tem por obrigação reformar essa justiça que tanto onera o povo brasileiro, prá se ter uma ideia o único pais no mundo que tem quatro instâncias recursais improdutivas.

carlos

É urgente que o novo presidente que assuma revogue a posse dessa tal Raquel Dodge, que além de não ter sido eleita foi nomeada por um presidente ilegítimo que responde a vários inquéritos, que vão desde obstrução de justiça corrupção e prevaricação.

    Nelson

    É mais um indivíduo – no caso, uma procuradora -, sem compromisso algum com o respeito a nossa Constituição, colocado em posto chave para dar seguimento ao golpe. Assim como outros indivíduos “de ficha mais suja que pau de galinheiro”, como Temer, Padilha, Moreira Franco, etc, que foram colocados no poder para comandar o país na direção do abismo.

    Não, amigo, não há “Ponte para o Futuro”. O que estão a construir é uma Ponte para o Abismo. O que estão a fazer é entregar os meios de que o Brasil dispunha para almejar um patamar de desenvolvimento mais elevado e, consequentemente, para oferecer a cada brasileira e a cada brasileiro, a vida digna a que temos direito.

    O que restará, então, enquanto uns 5%, no máximo, viverão “à tripa forra”, será a miséria de dezenas de milhões, talvez metade da população, ao passo que pouco menos que a outra metade, os remediados, viverá correndo sem parar para não deslizar para a miséria também.

maria do carmo

PARABENS DR LEONARDO ISAAC YAROCHEWISKY, PUNICAO A MORO, GEBRAN, THOPSON, DOODGE E TODOS,TODOS ATE MINISTRO QUE COLABORARAM EM IMPEDIR O HS CS PARA O ESTADISTA LULA COMSIDERADO O MELHOR PRESIDENTE DO BRASIL, QUE SAIU APOZ SEGUNDO MANDATO COM MAOR APROVACAO, PRESO SEM PROVAS, HS CS QUE O ILUSTRE DESEMBARGADO ROGERIO FAVRETO DEFERIU COMO JUIZ DENTRO DE SUAS FUNCOES, COMO CIDADA ME ADMIRO DRA DODGE MP QUERER INDUZIR PUNICAO A DESEMBARGADOR PASSANDO POR CIMA DO JUDICIARIO, ESTAO RASGANDO A CONSTITUICAO, CADA PODER FAZ SUAS PROPRIAS LEIS VIROU BAGUNCA ESTAMOS EM ESTADO DE EXCESSAO, MP E JUDICIARIO E PARCIAL E TEM LADO, NECESSARIO SE FAZ POR ORDEM NO CAOS, ATE NAO PARTIDARIOS DO PT MAS INTEGROS ESTAO IINDIGUINADOS COM DESCARAMENTO DO MP E JUDICIARIO COM BANALIZACAO DO ESTADO DE DIREITO E PERSEGUICAO AO ESTADISTA LULA PRESO SEM PROVAS, PARABENS A TODOS JURISTAS QUE EXERCEM SUAS FUNCOES COMO VERDADEIRO SACERDOCIO SEM LADO E IMPARCIAIS 1

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