Violência faz parte da vida de transexuais e travestis

Tempo de leitura: 4 min

6 de dezembro de 2010 às 17:00h

Para Aureliano Biancarelli, casos de agressões por supostas razões homofóbicas, como os da avenida Paulista, em São Paulo, não são novidade

Por Suzana Vier, do Rede Brasil Atual

Os recentes casos de violência por suposta motivação homofóbica, como os que envolveram jovens na avenida Paulista, em São Paulo, em novembro passado, não são novidade na vida de travestis e transexuais, afirma o pesquisador e jornalista, Aureliano Biancarelli.

Autor do livro “A Diversidade Revelada”, que narra o dia a dia de transexuais e travestis, ele relata que a violência contra essas pessoas começa cedo, já na infância, e no interior da própria família e se repete na escola e ao longo de toda a vida.

“A violência é uma constância na vida delas. Começa com uma violência que é menos visível, mas mais danosa para a pessoa que é a violência dentro de casa”, pontua. Nem sempre travestis e transexuais sofrem violência física, mas em geral passam pela exclusão familiar. “Ou você se enquadra no sexo que nasceu ou vai ser expulso de casa”, acentua Biancarelli.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, o jornalista explicou que a violência doméstica, física ou psicológica, acaba levando transexuais e travestis às ruas e à marginalidade. “Se vai para rua e é um travesti, um homossexual que quer viver como travesti, vai acabar caindo na marginalidade. A única coisa que vai encontrar no mercado de trabalho é a prostituição ou, raramente, vai encontrar trabalho como cabeleireiro”, analisa.

De acordo com definições médicas citadas pelo antropólogo e pesquisador Bruno Cesar Barbosa em entrevista à Agência USP de Notícias, uma ou um travesti seria aquele que se comporta e se veste como o outro gênero, mas não quer a cirurgia para mudar seu órgão sexual. Já os/as transexuais, sentem a necessidade de fazer a cirurgia, pois se sentem do outro gênero desde o nascimento.

As transexuais consideram que nasceram com o corpo errado. A mente age como se fosse de um sexo e o corpo é de outro, por isso desejam fazer a operação que recolocaria o corpo no lugar que deveria estar, diz Biancarelli.

Segundo o pesquisador, uma ínfima porcentagem de famílias compreendem e aceitam familiares transexuais ou travestis. Motivo que leva muitas pessoas a viverem escondidas ou se relacionarem apenas dentro do mesmo grupo.

Como exemplo do medo que ronda a vida dessa população, Biancarelli cita a história de um homem trans, com corpo feminino,que perto de se casar, prefere esconder da família da noiva sua condição de transexual. Ou a história do professor de inglês, homem trans, que tem uma vida em comum com uma professora da mesma área, mas vive sempre no “limiar do risco”, com receio de que colegas e familiares descubram a transexualidade.

A rejeição social também impacta no estilo de vida de trans e travestis.”Eles têm medo do dia. Têm uma vida na escuridão”, comenta. “Quando escurece, aí se travestem, se enfeitam, mas durante o dia saem o mínimo possível de casa. Elas não têm coragem de tomar Metrô, ou ônibus, por exemplo”, acrescenta em relação às travestis.

Discriminação

Biancarelli detectou que transexuais e travestis sofrem preconceito e humilhação em ações simples do dia a dia, como ir ao banheiro ou procurar um médico.

“Homem e mulher trans, como se vestem de mulher, utilizam banheiros femininos e todas elas relatam violência nessas situações porque mulheres reclamam se descobrem ou sabem. Da mesma forma não seriam aceitas com roupa de mulher em banheiro de homem”, alega Biancarelli. Há casos de profissionais demitidos ou que tiveram de se submeter a usar “o banheiro dos fundos” para permanecer na empresa, informa o jornalista.

Ir ao médico é outra questão complicada para essa população. Primeiro, a transexual ou travesti é chamada pelo nome de homem, mas quem levanta e vai ao encontro do médico ou da enfermeira é uma mulher. Depois, os trans homens não têm ginecologista para atendê-los. “Não tem como ir a um ginecologista vestida de homem”, argumenta o jornalista. Da mesma forma, é difícil para uma trans mulher ir ao proctologista. “Como iam procurar hormônio?”, indaga o pesquisador.

Saúde

Segundo o jornalista, travestis e transexuais têm a saúde muito precária. Entrevistas realizadas com a população mais jovem aponta que apesar de não procurarem cuidados médicos há vários anos, em geral ainda não manifestaram problemas.  Entretanto, a faixa etária mais velha sofre com graves problemas de saúde.

Da população que procura o centro de acolhimento do Centro de Referência da Diversidade  (CRD) na rua Major Sertório, centro da capital paulista, quase metade estava infectada e outra metade nunca havia feito exames, por isso não sabe seu estado de saúde real.

Biancarelli diz que as travestis acabam bebendo muito e usando drogas diariamente para aguentar a precariedade em que vivem. “Na noite você as vê cheirando cocaína, às 21 horas. Uma das coisas que o hotel ou boate condiciona é que ela incentive o cliente a beber e o cliente quer que ela beba também”, conta.

Também é frequente que clientes queiram que a prostituta use drogas com ele. “Eles estão usando crack, então elas acabam caindo no crack rapidamente”, elucida. “Elas precisam de mais serviços de saúde”, afirma o jornalista.

Amor
Ao acompanhar o dia a dia do Centro de Referência da Diversidade, o pesquisador diz que se surpreendeu com as inúmeras histórias de amor vividas por transexuais e travestis. A maioria das mulheres e homens transexuais sonha com casamento, família e quer a mudança de sexo.

“Elas querem uma vida mais regrada, recolhida”, esclarece. ”Vi vários casos de trans casadas, estabelecidas. Impressionou o número de trans que tinham relacionamentos”, enfoca. O jornalista também encontrou muitas travestis casadas ou namorando transexuais, michês, cafetões.

“Já esperava ouvir relatos de humilhações e maus-tratos sofridos pela população LGBT… Só não esperava que o amor e o companheirismo sobrevivessem com tanta força entre esses personagens. No Centro de Referência da Diversidade é comum ver casais de mãos dadas, ela travesti, ele heterossexual, os dois morando na rua. Em todos os relatos, em meio a histórias de maus-tratos, abandono e discriminação, há sempre uma história de amor”, revela em trecho do livro “A Diversidade Revelada”.

Na publicação, Biancarelli acentua que “respeito e os cuidados psicológicos e médicos a essa população dependem de um amadurecimento da sociedade. Vai do conhecimento e da atenção médica, que inclui cirurgias complexas e reordenações do serviço público, aos avanços em termos da legislação e até mesmo às interpretações do Judiciário”, sublinha.


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Comentários

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Baixada Carioca

Ser racional e aceitar as diferenças é fundamental para uma vida de paz.

Ontem eu estive no supermercado (ou no hiper, ou…). Na fila do caixa algumas pessoas com carrinhos e cestas. Apareceu um travesti com apenas um produto na mão, me parecia com muita pressa, e sem ser cordial resolveu que tinha o direito de passar a frente dos que estavam na fila para pagar o seu produto.

Ele arrumou um baita confusão na fila do caixa com os outros clientes até que chegou o segurança do supermercado tentando tira-lo do meio, mas ele resistiu. Resolvi ceder para que ele pagasse o produto antes de mim e fosse embora, mas os outros clientes (os que viriam depois de mim) resolveram não deixar e o argumento foi bastante razoável: não se trata de acabar com a confusão nem de preconceito, mas de respeito. Se devemos respeita-lo por sua condição sexual, ele tem o dever de se respeitar também e, fundamentalmente, respeitar os demais. Se ele tivesse passado à frente de todos teria vencido por meio do seu desrespeito.

Cedi aos argumentos da fila e o travesti desistiu de comprar o produto e foi embora. Xingando barbaridades, mas foi.

Sei que isso nada tem que ver com o post e reafirmo a condição de respeito às diferenças e opções a qualquer custo. Condeno as ações homofóbicas que vem ocorrendo, não apenas em São Paulo, mas em todo o país.

Estou apenas concordando com muitos dos comentaristas que disseram ser uma questão de educação. De tudo, e de todos e todas.

Diogo

Enquanto isso, os setores medievais da sociedade continuam pregando a discriminação e o ódio. Esse é o tipo de questão que precisamos enfrentar de cara, não há meios termos – precisamos dar um basta nas Igrejas que espalham a intolerância, e construir um programa integrado de assistência de saúde e apoio social para essa população discriminada.

Fico incomensuravelmente indignado com a ignorância e o preconceito de alguns, que fazem de tudo pra tornar miserável a vida de um outro "diferente". Quanto ódio desnecessário, xô tristeza, viva e deixe viver!

Polengo

Duas histórias:

1. Estudei numa escola onde havia vários colegas homossexuais. Eles relatavam casos parecidos já há cerca de 10 anos, quando estudei lá.

2. Conheço uma menininha que tem dois pais. Ela, claro, adotada. Acho que são melhores pais do que a grande maioria dos casais que conheço. E a menininha também é melhor menininha que muita menininha dita ´normal´.

Roberto Locatelli

A sociedade atual é uma sociedade doente. A História mostra que uma sociedade assim se volta contra as minorias, sejam homossexuais, judeus, artistas, etc.

A sociedade repressora não aceita que alguns tenham a liberdade de viver como querem. Mas ou menos assim: você não pode beber suco de uva pois eu não gosto de suco de uva.

Ricardo

Azenha, acho muito bacana da sua parte abrir o seu blog para questões tão importantes como essa, que é sem dúvida fundamental para desenvolvimento de políticas de saúde pública.

É fácil agente julgar, difícil é entender as causas. Parabéns ao pesquisador!

Gerson Carneiro

A Universidade Presbiteriana Mackenzie divulga nota contra Lei da Homofobia; OAB fala em "postura da Idade Média"

O manifesto (nota da Mackenzie) presbiteriano sobre a lei da homofobia está no site do GGB (Grupo Gay da Bahia): http://www.ggb.org.br/mackenzie.html

Gerson Carneiro

Essas pessoas sofrem muito. Não têm ninguém por elas. São histórias tristes demais.

Um contratempo: na instituição em que trabalho, um rapaz, branco, homossexual, adotou uma criança, negra, do sexo feminino, e conseguiu, judicialmente, a licença de seis meses, correspondente à licença maternidade. Achei uma história bonita, e emocionante. De muita determinação e coragem. Uma história de cabra macho.

monge scéptico

Verdade!. Isso é lamentável. Os agressores em geral, aprendem essa cultura da aversão
ao homosexual, em casa. Muitas famílias tme horror por homosexuais e tratar com os mes-
-mos lhes causam repulsa.
Entretanto, acima e ao lado dos decaidos, existem homosexuais, de boa educação, longe
de baixarias, cultos artistas e de boa indole, sendo a convivência com eles a mais normal
possível. Deixemos a vilência de lado e, aprendamos a viver com o diferente.normalmente.
é O CAMINHO. ACHO.

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