Vicente Almeida: A privatização cinza da Embrapa

Tempo de leitura: 3 min

O Código Florestal, a CNA e a privatização cinza da Embrapa

Por Vicente Almeida*, via site do MST

No decorrer de vários meses a sociedade brasileira vivenciou o esforço da comunidade científica nacional na tentativa de subsidiá-la frente à necessária composição entre a produção de alimentos e o equilíbrio ambiental.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), ao cabo de vários meses e rigoroso trabalho – que contou com a contribuição de pesquisadores da Embrapa, concluiu pela inadequação das proposições apresentadas pelo deputado Aldo Rebelo para alteração do Código Florestal.

As contribuições estão acessíveis em página da SBPC e certamente expressam uma unidade consistente da ciência e da academia frente ao tema.

Entretanto, antevendo a sua conclusão e na contramão de relevante estudo, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), parte interessada no tema, firmou um contrato milionário com a Embrapa para “viabilizar soluções que compatibilizem os sistemas de produção e preservação em diferentes paisagens brasileiras, fortalecendo o uso do componente arbóreo na propriedade rural”, coordenado pela Embrapa Floresta, na cidade de Colombo – PR.

Infelizmente, em que pese a reconhecida seriedade e desejo dos mais de 240 trabalhadores pesquisadores envolvidos no projeto com duração prevista de nove anos – e valor estimado de 20 milhões de reais, a Senadora Kátia Abreu, por diversas vezes e em diversos canais de comunicação, tem usado inescrupulosamente o referido contrato CNA/Embrapa como arma de fogo contra o Código Florestal Brasileiro.

Denuncias de pesquisadores da Embrapa vinculados ao projeto em todo país chegam ao SINPAF dando conta de que os objetivos do projeto, em diversos momentos, foram conduzidos à condição de alavanca dos interesses da CNA nas alterações do Código Florestal. Relatam, ainda, constrangimentos impostos àqueles que se posicionaram de forma mais crítica na sua condução. Há poucos meses atrás, o cerceamento de pesquisadores da Embrapa em debate sobre o Código Florestal no congresso foi denunciado por jornais de grande circulação nacional.

O SINPAF solicitou audiência emergencial com o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, para tratar do tema há mais de 30 dias e até o momento não obteve retorno do gabinete.

A pergunta que se faz agora é: por que, diante de tamanha importância e urgência do tema, a Embrapa ainda não se posicionou de forma pública e oficial sobre o Código Florestal? Será que lhe falta competência? Será que o documento da SPBC e ABC subscrito pelos pesquisadores da Embrapa representa o seu real posicionamento institucional ou foi apenas “política de boa vizinhança”? Será que seu “silêncio ensurdecedor” contribui com a sociedade ou apenas coaduna com os interesses da CNA, sua interessada “investidora”?!

Para que estas dúvidas sejam sanadas a Embrapa deve afirmar com clareza límpida sua posição institucional junto ao estudo produzido por seus pesquisadores em articulação com a SBPC e ABC, através de urgente nota técnica pública oficial emitida pela presidência da Embrapa, sob pena da CNA e da Senadora Kátia Abreu, e quem mais se arvorar, usarem indistintamente as contribuições dos seus trabalhadores de pesquisa e o nome da própria instituição indevidamente.

Não aceitaremos que a CNA queira impor uma privatização cinza à Embrapa, antecipando aqui e alhures resultados de pesquisas que somente daqui a nove ou dez anos terão algo a comentar de significativo sobre o tema, segundo os próprios pesquisadores mais otimistas envolvidos no citado projeto.

De outra forma, a Embrapa demonstrará sua tibieza frente às pressões econômicas; uma inexplicável desconsideração de seu quadro técnico profissional e descortinará, de uma vez por todas, sua subserviência a uma agricultura lobista, alheia à grande maioria dos interesses do povo brasileiro, que pensa poder “comprar” a Embrapa e seus pesquisadores trabalhadores com contratos milionários pagos com dinheiro sujo vindo do trabalho escravo, do desmatamento e da contaminação dos alimentos e de nossos recursos naturais.

Uma empresa pública deve estar voltada para o interesse público. O governo brasileiro deve entender que a Embrapa não pode e não deve, para seu bem e para o bem do país, ser amordaçada e silenciada por setores conservadores ainda presentes no Ministério da Agricultura, em que pese os esforços atuais de democratização da gestão pública e abertura de seu conselho administrativo.

Os trabalhadores da Embrapa exigem um posicionamento público da empresa sobre o código florestal de forma a resguardar a seriedade de seu trabalho e a valorização de seu esforço em prol de uma agricultura forte e ambientalmente equilibrada.

Somos pelo lobby da pesquisa e não pela pesquisa do Lobby!

*Pesquisador da Embrapa e Presidente do Sindicato Nacional dos trabalhadores de Pesquisa e desenvolvimento Agropecuário – SINPAF


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Comentários

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beattrice

Entre a privatização cinza da EMBRAPA e os interesses privateiros das ONGs internacionais o diabo que escolha e o governo que arbitre.
No caso de SP em particular, todo o setor de apoio agrícola foi sucateado, do CATI ao Agronômico, porque o agrobusiness prefere realmente que ele nem exista.

JotaCe

MAIS ESCURO DO QUE CINZA

Prezado Baccaro,

Não aceite como ‘provocação’ se dizer que o agronegócio florestal é ainda mais escuro do que cinza, e também quando se trata da produção do papel. Expulsa da Europa, a atividade foi quase toda ‘terceirizada’ e trazida para o Brasil. Veja só os dados da FASE: para a produção de 1 ton de papel são exigidas 2 a 3 ton de madeira, mais água de que qualquer outra produção industrial e um consumo de energia que corresponde ao quinto lugar da lista das indústrias mais consomidoras de energia. Para ‘branquear’ o escuro são usados produtos os mais tóxicos, inclusive cloro, que produz dioxinas. Foi um derramamento de um resíduo de tais produtos que causou a poluição do Paraíba do Sul, anos atrás e deixou 600 mil pessoas sem água. Se quiser se informar ainda mais, procure dados sobre o que o agronegócio desta área fez no Espírito Santo: desde a devastação da Mata Atlântica, à grilagem das terras dos índios e quilômbolas. Cordial abraço,

JotaCe

FranX

novo código 1ª parte
Da Delimitação das Áreas de Preservação Permanente
Art. 4.º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, pelo só efeito desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d'água natural, desde a calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura, observado o disposto no art. 36;
b) 50 (cinqüenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;

FranX

TEXTO DO NOVO CÓDIGO continuação
c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinqüenta) metros;

FranX

"Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errado, porém agora esta reduzido genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do pais. Imagine-se que para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro. Na linguagem amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente: igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica." Aziz ab'Saber
http://www.advivo.com.br/blog/gustavo-belic-cheru

    JotaCe

    Caro FranX,

    Preciso, seguro, e ilustrado como sempre o Prof. Aziz ab’Saber. A apreciação como ele o faz, da diferenciação dos cursos d’água na Amazônia e, com ela, da necessidade de variação da grandeza da cortina vegetal marginal, são as do verdadeiro cientista que é. Abraços,

    JotaCe

FranX

Uma das sumidades da SBPC o mestre Aziz ab'Saber fez crítica (num artigo que pode ser encontrado no Brasilianas.org) ao trecho do novo código sobre as margens dos rios dizendo que se padronizariam todas (margens) a 30m, não é o que consta do código. Ou foi um equívoco ou isto demonstra a total má vontade com a proposta, rechaçá-la sem nem mesmo ler. Isto não me parece debate algum.

    FranX

    eu me equivoquei na metragem (rsrs admito), mas é por aí. Leiam.

JotaCe

DESERTOS VERDES (1)

Caro Azenha,

Muito oportunas as declarações do pesquisador Vicente Almeida, Presidente do SINPAF. Na pretensão de impor ao país um sistema de produção que é uma das mais perigosas facetas do agronegócio a pestear os campos brasileiros, tenta o lobby que o defende comprometer a Embrapa e reduzí-la ao silêncio. Que ninguém se iluda com as finalidades de um convênio firmado entre este organismo e as corporações do agronegócio. O ‘componente arbóreo’ a ser preservado, ao qual se refere o convênio, é o mesmo que elas tem destruído, ou ajudam a fazê-lo, a fim de substituí-lo pelos desertos verdes das florestas monotípicas em especial as de eucalíptos ou de pinus, na mais violenta alteração do equilíbrio dos ecossistemas tropicais. Mas, em apoio a tão funesta pretensão, acorre sôfrega a CNA, corporação de grandes empresários em sua maioria ligados ao capital internacional. Tal entidade chega aos extremos de desprezar a opinião dos pesquisadores (Cont.)

JotaCe

DESERTOS VERDES (2)
descomprometidos que têm se dedicado ao estudo do problema. Mais ainda, desconsidera os estudos e conclusões de organismos exponenciais como o são a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). O silêncio da Embrapa quanto ao assunto, bem como a dificuldade que tem encontrado o Presidente do SINPAF para, numa reunião, expor diretamente ao Ministro da Agricultura as faces verdadeiras do problema, distanciam o atual governo da solução de grandes problemas nacionais. O povo deve estar ciente da posição real que adotam tais organismos, face a um assunto tão importante. Pois são muitos os impactos sócio-ambientais causados pelos desertos verdes, e que afetam diretamente os recursos naturais e a qualidade de vida, já tão comprometidos no país. Não devemos sacrificá-los ainda mais para que se beneficiem as grandes corporações em sua ânsia desmedida de saquear o Brasil. Abraços,

JotaCe

FranX

"Uma empresa pública deve estar voltada para o interesse público. O governo brasileiro deve entender que a Embrapa não pode e não deve, para seu bem e para o bem do país, ser amordaçada e silenciada por setores conservadores ainda presentes no Ministério da Agricultura"

Mas os interesses nacionais podem ser achacados e amordaçados por ONGs internacionais ( financiadas por quem?) Para o bem do país é que não é. Quem será o próximo vice da Marina: o Al Gore, algum fundador do greenpeace ou da WWF. O Brasil que se cuide!

Jesus Baccaro

"Não aceitaremos que a CNA queira impor uma privatização cinza à Embrapa, antecipando aqui e alhures resultados de pesquisas que somente daqui a nove ou dez anos terão algo a comentar de significativo sobre o tema, segundo os próprios pesquisadores mais otimistas envolvidos no citado projeto."

Porque falam que a CNA não podem antecipar resultados, se os pesquisadores que se opõe ao estudo pago pela CNA estão fazendo exatamente isso? Pra ser minimamente coerente, não se pode querer ser dono da razão num caso assim!
Se a CNA não tem dados para defender seu ponto de vista, também é verdade que quem defende o ponto de vista contrário, sem que as pesquisas estejam terminadas, está falando do vento.
E dizer que a Embrapa sofre "privatização cinza", é apenas para provocar.

FrancoAtirador

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É a mercantilização da EMBRAPA.

Pesquisa agropecuária, patrocinada com verba pública,

a serviço exclusivo dos ruralistas do agronegócio,

submissa aos interesses político-ideológicos mercantis.
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Fernando

Infelizmente os governos do PT não romperam com a privatização cinza do Embrapa. Além da Kátia Abreu a transnacional Monsanto é uma das maiores ´´parceiras“ da instituição.

Uma pena, pois conta com grandes profissionais que poderiam estar dedicados à pesquisa agropecuária de cunho familiar e ecológico, ajudando a tirar camponeses da pobreza.

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