União inédita: Camponeses, quilombolas, posseiros e pequenos agricultores juntos pelo direito à terra

Tempo de leitura: 7 min
Mais de 800 pessoas estiveram presentes à assembleia realizada no complexo Zattar, em Pinhão (PR). Fotos: Ednubia Ghisi/MST/PR

“Mexeu com um, mexeu com todos”: Comunidades camponesas se unem pelo direito à terra no Complexo Zattar, em Pinhão (PR)

Conflito começou há cerca de 70 anos e envolve milhares de famílias de Sem Terra, posseiros, quilombolas, faxinalenses e pequenos agricultores, pressionados pela indústria madeireira Zattar, acusada de grilagem

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR

A Assembleia Popular pela Regularização Fundiária e Reforma Agrária no complexo Zattar, realizada em Pinhão, na manhã dessa quinta-feira (11), marcou uma união inédita na história do Paraná: entre as mais de 800 pessoas presentes, estavam camponesas e camponeses Sem Terra, povos faxinalenses (veja PS do Viomundo), quilombolas, posseiros e pequenos agricultores, todos com a luta comum pelo direito à terra, à produção de alimentos e à vida digna.

O conflito agrário protagonizado pelas indústrias madeireiras da família Zattar vem desde a década de 1940, e desde então tem gerado a expulsão e a morte de camponeses e caboclos, para a grilagem de terras. O cenário do conflito é de um vasto território de campos e florestas, com muita água, terra fértil e biodiversidade.

Estavam presentes comunidades camponesas e tradicionais de diversos municípios da região afetados pelo conflito, como Guarapuava, Inácio Martins, Mangueirinha, Candói, Reserva do Iguaçu e General Carneiro, além de Pinhão.

Após ouvir os relatos de moradores das comunidades ameaçadas, Nilton Bezerra Guedes, superintendente do INCRA-PR, garantiu que a entidade estará na linha de frente para a realização da Reforma Agrária e regularização das áreas.

“Todas as condições estão dadas pra gente resolver esse conflito nesse momento […]. Aqui é uma área emblemática, está dentro das áreas que temos a prioridade de trabalhar”.

Nilton Bezerra, superintendente do Incra-PR. Foto: Ednubia Ghisi/MST-PR

A reivindicação mais urgente das famílias camponesas é pela suspensão de todos os despejos na região.

Para ampliar o diálogo, a Assembleia confirmou a formação de um grupo de trabalho com representantes de entidades do Executivo, Legislativo e Judiciário. A coordenação ficará por conta do superintendente do Incra, Nilton Bezerra.

O integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e liderança na região, Nelson Preto, enfatizou que “a solução dos conflitos é pela regularização fundiária e pela reforma agrária, não existe outra forma, não existe outro jeito”.

No mesmo sentido, Roberto Baggio, da direção nacional do MST, frisou a força conjunta das comunidades.

“Nós não vamos sair de nenhuma dessas áreas, nem de forma individual, nem de forma coletiva. Mexer com um, vai mexer com todos […]. Essa grande união vai se manter cada vez mais forte pra gente legalizar todas as áreas”.

João Victor Rozatti Longhi, defensor público do Paraná, garantiu que a Defensoria “tem muito trabalho e muita luta, porque a gente sabe muito bem que a nossa vocação constitucional é defender a dignidade das pessoas, e nada viola mais a dignidade das pessoas do que essa insegurança de não saber que no dia seguinte pode ter um despejo. Se Deus quiser, nós nunca mais vamos ouvir falar disso [ despejo ] porque nós vamos lutar até o fim, porque esse é o papel da Defensoria Pública”.

O Superintendente-Geral de Diálogo e Interação Social do governo do estado, Roland Rutyna, esteve presente e garantiu esforço do órgão para a solução do problema. “Sabemos da dificuldade jurídica, administrativa e até política, pra solucionar todo ele, mas tem caminho”.

Também estiveram presentes na Assembleia os parlamentares: o deputado federal Tadeu Veneri; os deputados estaduais Professor Lemos, Luciana Rafagnin e Dr. Antenor; além de mensagens enviadas por áudio pelos deputados federais Gleisi Hoffmann e Zeca Dirceu, ambos do PT; vereadores de Pinhão Israel Santos, Edson Francesconi, e Luiz Hamilton, presidente da Câmara Municipal; Wilcar Parabocz, secretário de Meio Ambiente e Obras, presentando a prefeitura de Pinhão; a vereadora professora Terezinha, de Guarapuava; a advogada integrante da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro; Claudinei Chalito da Silva, engenheiro agrônomo do INCRA.

Cerca de 7 mil famílias camponesas vivem em acampamentos no Paraná, isto é, ainda não têm a segurança do acesso à terra e, muitas vezes, enfrentam ameaça de despejo.

Nulidades e irregularidades

Pesquisas acadêmicas confirmam os relatos trazidos pela memória oral dos habitantes da região sobre expulsão de famílias e comunidades pela Indústria Zattar, para a grilagem de terras.

Desde a primeira visita à região do conflito na região centro-sul, há cerca de um ano, o defensor público João Victor Rozatti Longhi teve acesso aos processos para entender o problema mais a fundo, e identificou “muitas nulidades nos processos, muitas irregularidades”.

Josiane Grossklaus, integrante do Setor de Direitos Humanos do MST, enfatizou a necessidade de que sejam estudadas cada uma das matrículas das áreas, porque pode haver nulidades que comprovem a grilagem de terras, e tornem os títulos nulos.

Entre as possibilidades está a de haver terras devolutas, que são áreas públicas sem destinação pelo Poder Público e muitas vezes apropriadas indevidamente.

De acordo com a advogada, a empresa também acumula dívidas com a União. “Só com a fazenda nacional, tem uma dívida superior a 150 milhões de reais”.

Para além dos relatos de violência que ocorreram no passado, famílias sofrem ameaças até hoje. Como a situação em que casas foram incendiadas em abril, no domingo de Páscoa.

“Não dá pra continuar assim. A gente não está falando só de uma questão jurídica em relação à posse e à propriedade, nós estamos falando de cenas de violência que continuam acontecendo […]. São situações que estão afetando o dia a dia das pessoas, não é só o despejo, só a insegurança em relação à terra, mas sim uma insegurança com a própria vida”, afirmou a advogada do MST.

“1º de dezembro jamais será esquecido”

A assembleia também relembrou o despejo violento e repentino da comunidade Alecrim, no Pinhão, em 01 de dezembro de 2017, que destruiu 23 anos de trabalho concretizado nas terras ocupadas.

Maria de Souza Pain, nascida e criada no Alecrim, fez um apelo às autoridades: “Hoje venho aqui, encarecidamente, pedir às autoridades uma solução, porque é o que nós precisamos. Porque há 4 anos e cinco meses a gente teve uma surpresa muito desagradável na nossa comunidade, quando houve uma reintegração de posse e foram destruídas igreja, posto de saúde e todas as casas e as benfeitorias. Então o meu pedido é por uma solução. Chega de promessas”.

A urgência para ter a segurança do acesso à terra também foi o que levou Vanessa Aparecida Fonseca de Lima à assembleia, carregando no colo a filha Gabriele, de 4 meses.

A camponesa faz parte do MST e vive com a família no acampamento Nova Aliança, em Pinhão.

A renda familiar é garantida a partir da extração de erva-mate e a coleta de pinhão, além do plantio de milho e de uma diversidade de alimentos para consumo próprio, comercialização e partilha.

“Aquela terra significa muito trabalho, muito esforço. Está tudo lá, a construção, os sonhos, está tudo em cima dela […] É importante ficar lá pra dar um futuro melhor pros nossos filhos, pra mais tarde eles terem onde morar, terem do que sobreviver”, reforça.

Com a regularização da área, o desejo da jovem é ter acesso à energia elétrica, à água encanada e à própria moradia. “Nosso futuro é lá”.

Vanessa Fonseca de Lima vive com a família no acampamento Nova Aliança, em Pinhão (PR). Foto: Ednubia Ghisi/MST-PR

Ela é uma das camponesas que trouxeram alimentos para partilhar com as famílias urbanas de Pinhão, e relembra as outras várias ações de solidariedade em que se somou nos últimos anos.

“Nós dependemos da terra, se não fosse a terra pra produzir, a gente não teria o que doar, o que servir aos companheiros da cidade. E é ela que garante o futuro da minha filha, um futuro bom pra ela”.

Solidariedade entre o campo e a cidade

Após a assembleia, camponeses partilharam mais de 8 toneladas de alimentos com moradores de ocupações urbanas de Pinhão. Fotos: Ednubia Ghisi/ MST-PR

A luta das famílias camponesas também se expressa na solidariedade. Após o ato político, mais de 8 toneladas de alimentos foram partilhadas com moradores de ocupações urbanas de Pinhão.

Toda a produção das companheiras e dos companheiros – como feijão, arroz, abóbora, laranja e mandioca, abençoadas pelo padre Crispim de Jesus.

Desde o início da pandemia, a aliança entre as comunidades camponesas e ocupações urbanas se fortalece, por meio da partilha de alimentos produzidos nas terras repartidas.

Feijão, arroz, farinha, pinhão, chuchu, abóbora, laranja, abacate, batata, mandioca e mais uma diversidade de alimentos garantiram a diversidade na sacola de cada morador urbano presente na longa fila que se formou rapidamente.

Entre as centenas de pessoas que receberam as cerca de 8 toneladas de alimentos doados, estavam moradores do bairro Recanto Verde, da Vila Nova, e do Pinheirinho, onde vive Lucemara dos Santos e mais de 200 famílias. Ela conta que o acesso à energia elétrica e à água encanada é precário.

“E ficaria muito feliz se o governo legalizasse as terras deles, é através deles que nós temos o que comer aqui na cidade. É uma luta conjunta, do campo e da cidade. Estamos junto com eles”, disse a moradora do Pinheirinho sobre a mobilização pela regularização fundiária e reforma agrária na região.

PS do Viomundo: Povos faxinalenses, explica-nos a Comunicação do MST-PR, são povos tradicionais típicos do Paraná. Têm como características a criação solta de animais e o cultivo separado das lavouras,

 Confira aqui a transmissão da assembleia popular na íntegra:

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MST comemora resultados da 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária

Philipp Lichterbeck: O Brasil deveria ter orgulho do MST


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Zé Maria

https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Destaque-1024×698.jpeg

“Solidariedade não é dar a sobra,
solidariedade é partilhar!”

“São milhares de trabalhadores por todo o Brasil
que ajudaram a fazer e montar esta Feira.
E nós decidimos de antemão reservar 25 toneladas,
não das sobras da Feira, mas da produção que
cada Estado trouxe de alimentos que nós vamos
distribuir no domingo aqui em São Paulo, para
movimentos, organizações e comunidades carentes”
Gilmar Mauro
Direção Nacional do MST.
Na 4ª FENARA.

https://mst.org.br/2023/05/12/solidariedade-nao-e-dar-a-sobra-solidariedade-e-partilhar-afirma-gilmar-mauro/

Feira dos produtos da Reforma Agrária
acontece todos os dias das 8h às 20h

A Feira Nacional da Reforma Agrária Feira – FENARA é aberta ao público
e acontece até domingo (14).

O espaço conta com mais de 500 toneladas de alimentos produzidos
por famílias Sem Terra, de áreas de assentamentos e acampamentos
do MST em todo país.

O transporte dos alimentos foi feito em 58 caminhões até a capital
paulista e vieram de 24 estados brasileiros.

A Feira também oferece um espaço gastronômico, com 30 cozinhas
de todas as regiões do país e a degustação de 75 pratos típicos diferentes.

Todos os dias a partir das 18h também acontecem shows gratuitos, com
mais de 300 artistas populares.

Na Feira as pessoas encontrarão uma grande diversidade de alimentos
naturais que representa o trabalho de milhares de famílias sem terra
de todo o Brasil.

https://mst.org.br/2023/05/12/solidariedade-nao-e-dar-a-sobra-solidariedade-e-partilhar-afirma-gilmar-mauro/

Zé Maria

SEMINÁRIO NACIONAL DA AGRICULTURA FAMILIAR
E DESENVOLVIMENTO RURAL NO MARANHÃO

Data: 05/05/2023
Local: Auditório do Palácio Henrique de La Rocque, São Luís – MA

https://youtu.be/qkzszivI4Lo?t=815

Zé Maria

https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/WhatsApp-Image-2023-05-11-at-09.23.31.jpeg

O Galípolo foi tomar um banho de Povo na 4ª FENARA, antes de
enfrentar o Proxeneta do Banco Central do Mercado.

https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Entrevista-com-o-secretario-executivo-do-Ministerio-da-Fazenda.mp3

Zé Maria

A resistência se faz todos os dias!

Apoiar a agricultura familiar camponesa
é apoiar o desenvolvimento do país
e a comida saudável na mesa
dos brasileiros e as brasileiras

“A Reforma Agrária é um tema que o Brasil vai ter que enfrentar
à luz das transformações que nós temos hoje, que são do século 21.
O que envolve o tema da sustentabilidade ambiental e da questão social
por causa das mudanças das relações de trabalho.
Vai ser um trabalho permanente, mas a gente tem que encarar vencer
essas dívidas que temos do passado“

“A gente vem conversando sobre uma série de políticas, pra permitir
que se tenha todos os mecanismos funcionando pra produção e,
inclusive, também medidas semelhantes do que existe com o Plano Safra.
Pra que ele permita você ter acesso a taxas de juros e financiamento
que viabilize e ampliem a produção, a modernização, o acesso a tudo
que é necessário [para produzir no campo].”

GABRIEL GALÍPOLO
Secretário-Executivo do
Ministério da Fazenda.
Em visita à 4ª FENARA
https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Foto-Cyla-Gabriel-768×512.jpg

https://mst.org.br/2023/05/12/secretario-executivo-do-ministerio-da-fazenda-reconhece-importancia-da-reforma-agraria-ao-visitar-4a-feira-nacional/

Zé Maria

https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Captura-de-tela-de-2023-05-05-08-32-38-768×513.png

4ª FENARA – Feira Nacional da Reforma Agrária

https://youtu.be/I9HR7ZRkkgc

Culinária da Terra

A “Culinária da Terra” é a Comida do Povo Feita pelas Mãos dos Sem Terra.

Um espaço dedicado à gastronomia regional, tão presente no cotidiano
dos lutadores e lutadoras da Reforma Agrária Popular, disponível lado a lado
para aqueles que valorizam o sabor da luta e resistência.

Confira os Principais Pratos de Cada Região:

AMAZÔNICA
https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Culinaria05.png

NORDESTE
https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Culinaria01.png

CENTRO-OESTE
https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Culinaria03.png

SUL
https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Culinaria02.png

SUDESTE
https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Culinaria04.png

https://mst.org.br/2023/05/12/cerimonia-institucional-de-abertura-da-4a-feira-nacional-da-reforma-agraria-a-resistencia-se-faz-todos-os-dias/

https://mst.org.br/2023/05/13/debate-sobre-reforma-agraria-popular-passa-por-reflexao-sobre-relacoes-humanas/

Zé Maria

A 4ª edição da Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada pelo MST,
está de volta em 2023.

Reunindo camponesas e camponeses, vindos dos quatro cantos do Brasil,
a Feira acontece em São Paulo, entre os dias 11 e 14 de maio, no Parque
da Água Branca, na Capital Paulista.

Com a estimativa de reunir 500 toneladas de alimentos dos acampamentos
e assentamentos da Reforma Agrária de todas as regiões, a Feira comercializará
uma variedade de produtos in natura e agro industrializados, frutos da luta
e da organização camponesa, livre de veneno e a partir de novas relações
com os bens naturais.

Cinco anos após a última edição, a Feira Nacional da Reforma Agrária traz
em cada produto cada marcha, cada ocupação de terra que o Movimento
realizou, com o objetivo de construir um modelo de vida digno no campo,
com produção de alimentos saudáveis e mais renda para o trabalhador.

A Feira conta ainda com uma ampla programação cultural, com a presença
de diversos grupos, artistas e coletivos durante todos os dias de Feira,
além da já tradicional Culinária da Terra, espaço dedicado para a comercialização de pratos típicos das regiões do país.

Com seminários, oficinas, debates, lançamentos de livros e conferência,
a Feira apresenta uma ampla programação de formação para os visitantes.

Toda a programação será gratuita.

Vem com o MST apoiar a Reforma Agrária Popular e a organização camponesa no país!

https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Programacao-Sabado.png
https://mst.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Programacao-Domingo-1.png

https://mst.org.br/especiais/feira-da-reforma-agraria-2023/

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