O Pentágono, sonhando com Sevastopol?
A crise na Ucrânia: John Kerry e a OTAN precisam se acalmar e recuar
A reação histérica aos movimentos militares russos na Crimeia não ajuda. Só Kiev pode evitar que a crise se torne uma catástrofe
Jonathan Steele, no diário britânico Guardian, Sunday 2 March 2014 19.29 GMT
Tanto as ameaças de John Kerry [secretário de Estado norte-americano] de expulsar a Rússia do G8 quanto os pedidos de ajuda do governo ucraniano à OTAN marcam uma escalada perigosa numa crise que pode ser facilmente contida se as cabeças frias prevalecerem. A histeria parece ser a escolha em Washington e Kiev, com o novo primeiro ministro ucraniano dizendo “estamos à beira de um desastre”, enquanto chama reservistas do exército em resposta aos movimentos russos na Crimeia.
Se ele estivesse falando dos problemas econômicos do país daria para entender. Em vez disso, junto com muito da mídia dos Estados Unidos e da Europa, ele está dramatizando além da conta os acontecimentos no leste, onde os ucranianos que falam russo estão alarmados depois que as novas autoridades em Kiev descartaram uma lei que aceitava o russo como a linguagem oficial na região.
Eles viram a decisão como prova de que os ultranacionalistas anti-russos do oeste da Ucrânia são a força dominante por trás da insurreição e ainda controlam o novo governo. Ucranianos do leste temem que as mesmas táticas de tomar prédios públicos podem ser usadas agora contra aqueles que foram eleitos por eles na região.
A corrida de Kerry para punir a Rússia e a decisão da OTAN de responder ao pedido de Kiev com uma reunião de embaixadores de países membros em Bruxelas foram erros. A Ucrânia não faz parte da aliança, portanto não há obrigação de defesa comum. A OTAN deveria evitar interferência na Ucrânia em palavra ou ação.
O fato de que a OTAN está se engajando revela o elefante na sala: subjacente à crise na Crimeia e à dura resistência da Rússia contra mudanças em potencial está a ambição da OTAN, de duas décadas, de se expandir no que foi chamado de “espaço pós-soviético”, liderada por Bill Clinton e levada adiante por sucessivos governos em Washington.
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Na cabeça do Pentágono, sem dúvida, está o sonho de que a Marinha dos Estados Unidos vai um dia substituir a frota russa no Mar Negro, usando os portos de Sevastopol e Balaclava.
Desde a independência toda pesquisa na Ucrânia mostra que a maioria da população é contra integração na OTAN, ainda assim as elites que governaram o país até 2010 e estão agora no controle, de novo, ignoraram a vontade popular. Seduzidos pelas promessas da OTAN e pela ideia de fazer parte de um clube global de alta tecnologia, a Ucrânia participou de exercícios militares conjuntos e mandou tropas para o Iraque e o Afeganistão.
O presidente deposto Viktor Yanukovych, apesar de toda incompetência, corrupção e abuso do poder, foi o primeiro a se opor à integração na OTAN em sua campanha eleitoral e persuadiu o Parlamento a transformar o não alinhamento na estratégia central de segurança do país, no mesmo padrão da Finlândia, Irlanda e Suécia.
A OTAN se negou a aceitar. Tão recentemente quanto em primeiro de fevereiro, antes da crise atual, Anders Fogh Rasmussen, o imperial secretário-geral, disse a uma conferência em Munique: “A Ucrânia deve ter liberdade para escolher seu próprio caminho sem pressão externa”.
A implicação era clara: se não fossem as bestas russas, a Ucrânia seria um de nós. Se Rasmussen tivesse dito, “a Ucrânia escolheu o não alinhamento e nós respeitamos a escolha”, teria sido mais inteligente.
Não é tarde para demonstrar sabedoria agora.
Os movimentos de tropas de Putin na Crimeia, que tem apoio da maioria dos russos, são de legalidade duvidosa sob os termos do tratado de paz e amizade que a Rússia assinou com a Ucrânia em 1997.
Mas a ilegalidade é consideravelmente menos definida que a da invasão dos Estados Unidos no Iraque ou no Afeganistão, onde o conselho de segurança [da ONU] só autorizou a intervenção semanas depois dela ter acontecido. E os movimentos de tropas russas podem ser revertidos quando a crise passar.
Isso requer a restauração da lei da linguagem no leste da Ucrânia e ação firme para evitar que grupos armados anti-russos, de nacionalistas, ameacem prédios públicos lá.
A maioria dos que falam russo na região sente raiva da corrupção da elite, do desemprego e da desigualdade econômica, tanto quanto o povo do oeste da Ucrânia. Mas também se sente cercado e provocado, com sua herança cultural sob ameaça existencial. A responsabilidade por eliminar essas preocupações não está em Washington, Bruxelas ou Moscou, mas somente em Kiev.
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