Tânia Mandarino: 9 a 1 contra Deltan no Conselho do MP, mais uma derrota da Lava Jato

Tempo de leitura: 3 min
Fotos: Eduardo Matysiak e Antonio Cruz/ Agência Brasil

por Tânia Mandarino*, especial para o Viomundo

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) puniu nessa terça-feira,08/09, o procurador federal Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa Lava Jato, por manifestar-se em rede social contra a candidatura do senador Renan Calheiros (MDB-AL) à presidência do Senado.

Por 9 a 1, o plenário do CNMP aplicou-lhe a pena de censura.

Em fevereiro de 2019, Deltan fez intenso ativismo político-partidário em suas redes sociais, para impedir que Calheiros fosse reeleito presidente do Senado.

E conseguiu. O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi o vencedor.

Calheiros então abriu processo contra Deltan. Justamente o caso julgado ontem pelo CNMP.

Na prática, a pena de censura dificulta a promoção do procurador ou benefícios de carreira dentro da Procuradoria.

A condenação constará ainda da ficha de Deltan.

Na realidade, é a segunda vez que o ex-chefe da Lava Jato é punido pelo CNMP.

A primeira foi em novembro de 2019, quando recebeu pena de advertência, por criticar  severamente os ministros do STF, durante entrevista à rádio CBN.

Naquela ocasião, por 8 votos a 3, os conselheiros do CNMP aplicaram-lhe a pena da advertência.

Mas o ministro Luiz Fux suspendeu os efeitos dessa punição em decisão liminar que pode ser revogada.

Fux costuma engavetar as liminares que concede, a exemplo do que aconteceu com o auxílio-moradia para magistrados, que implicou em rombo no orçamento público (“In Fux we trust”).

Não fosse isso, Deltan seria punido nessa terça-feira com a pena de suspensão.

Voto vencido na sessão, o conselheiro Silvio Roberto Oliveira de Amorim Júnior minimizou a conduta do ex-chefe da Lava Jato e votou pela não aplicação de sanção.

Acompanharam o voto do relator Otávio Rodrigues, pela aplicação de pena de censura:

Oswaldo D’Albuquerque

Sandra Krüger

Fernanda Marinella

Luciano Maia (que também entende ter havido exercício de atividade político-partidária, que é vedada aos membros do MP)

Marcelo Weitzel

Sebastião Caxeta

Luiz Fernando Bandeira de Mello

Caso seja julgado outras vezes pelo Conselho do CNMP, Deltan poderá sofrer penas mais duras como a suspensão e a demissão.

A propósito. Estava também na pauta do CNMP dessa terça-feira o julgamento da instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o procurador Diogo Castor de Mattos por causa do outdoor em louvação à Lava Jato, exibido em Curitiba, em março de 2019.

Mas acabou sendo retirado. O caso retornará à pauta na sessão de 22 de setembro.

O corregedor-nacional do CNMP, Rinaldo Reis Lima, sugere que a pena para contratação de outdoor com nome falso deveria ser a de demissão, mas pede a aplicação de suspensão por 90 dias.

Desde 5 de abril de 2019, o chefe de Diogo Castor  e os demais integrantes da Lava Jato sabiam de todos os ilícitos e desvios funcionais cometidos em relação ao outdoor.

Por isso, já está nos autos do CNMP pedido para Deltan  responder administrativa e criminalmente pelo caso do outdoor.

Em novembro, Fux deixa a 2ª Turma do STF, para assumir a presidência da Corte. O ministro Dias Toffoli irá para o seu lugar.

Essa dança de cadeiras no Supremo não é prenúncio de dias fáceis para a Lava Jato.

O julgamento e a penalização de Deltan nessa terça-feira  somente foi possível porque o ministro Gilmar Mendes revogou liminar, deferida por Celso de Mello poucos dias antes de sair de licença (ao estilo da de Fux no caso da advertência), ordenando que o CNMP apreciasse o feito.

Nessa terça-feira, votaram somente 10 conselheiros; o suplente do PGR Augusto Aras se declarou suspeito.

O plenário do CNMP é integrado normalmente por 14 conselheiros. Mas ultimamente tem  sido 11, pois há três vagas em aberto.

Há quem avalie que esse desfalque na composição do CNMP prejudica os processos contra membros da Lava Jato, pois, das três nomeações pendentes, duas são nomes do Ministério Público.

De qualquer forma, mesmo que essas três vagas já estivessem ocupadas e votassem a favor de Deltan, ainda assim ele seria abatido por 9 a 4.

Deltan, portanto, não é o único perdedor.

Os 9 a 1 no plenário do CNMP é mais uma derrota da Lava Jato

Inequivocamente, a atuação ilegal de Deltan na eleição para presidência do Senado demonstra, mais uma vez, a predileção do partido da Lava Jato  por interferir em processos eleitorais, como aconteceu na eleição à Presidência da República em 2018.

Aguardem fortes emoções para novembro de 2020, um ano em que muitas máscaras estão caindo e a face (não tão) oculta da Lava Jato já começa a se revelar.

O importante é não ficar alheio a todo esse cenário e fiscalizar, participando de tudo.

*Tânia Mandarino é integrante do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD).


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Zé Maria

“Não há bem que sempre dure,
nem mal que nunca acabe”,
diz o provérbio popular.

Por Maíra Fernandes e Izabella Borges, na ConJur

Seis anos depois, a operação “lava jato” está na berlinda,
na linha dualista que lhe é característica.
É, agora, objeto de importantes julgamentos
que têm dividido a opinião dos espectadores de plantão.

De um lado, os que acreditam que o país será jogado ao caos, com a vitória
da impunidade e da corrupção.
De outro, quem defende que já é tempo de passar a limpo a “lava jato” e que
o reconhecimento de seus excessos, da suspeição de seu mais conhecido
julgador,
das violações ao devido processo legal, da utilização de estratégias de marketing,
nada mais é do que uma questão de justiça, ainda que tardia.

O que outrora se disse, hoje parece claro aos mais incautos:
nada foi por acaso na operação “lava jato”.

Dentro e fora dos autos, as ações dos agentes públicos nela atuantes
eram minuciosamente orquestradas.
A fixação da competência, as decisões judiciais, as articulações legislativas,
a larga utilização da imprensa, as manifestações públicas de seus procuradores
e de seu mais famoso juiz, tudo integrava uma estratégia de fabricação da
opinião pública em seu favor.

Durante todos esses anos, a mídia exaltou os sucessos da “lava jato”.
Não será fácil, agora, demonstrar suas fraquezas.
Afinal, a tevê “pode fazer ver e fazer crer no que faz ver”, com diz Bourdieu,
e, como se sabe, a exposição da “lava jato” rendeu frutos:
a operação virou filme, série de tevê e suas fases funcionavam
como capítulos de uma novela com recorde de audiência.

Como o ritmo da mídia não é o mesmo de um processo judicial,
a “lava jato” se beneficiou disso, por muito tempo.
Agora, aos poucos, as absolvições vão sendo discretamente noticiadas,
não com o mesmo impacto midiático que se viu nas buscas e apreensões,
prisões preventivas e condenações em primeira instância.

A famosa frase atribuída a Churchill traz que “numa democracia, quando
a campainha de sua casa toca às seis da manhã, você sabe que é o leiteiro,
e não a polícia”.

O último sexênio foi marcado por taciturnas visitas policiais durante o alvorecer,
transmitidas em tempo real pela mídia, nem sempre necessárias ou devidas,
mas indispensáveis para a espetacularização da operação.

De modo geral, juízes e integrantes do Ministério Público não estão acostumados
a ocupar o ‘outro lado’ da tribuna.
Talvez, por isso, na mais estrepitosa operação do país, os procuradores da
força-tarefa de Curitiba, e o próprio então juiz Sergio Moro,
tenham desprezado regras essenciais ao direito de defesa dos acusados,
que, agora, são invocadas em caixa alta por seus advogados, nas defesas
dos casos em que os “lavajatistas” figuram como parte.
E é importante que assim o seja, pois o respeito ao contraditório e
à ampla defesa é requisito essencial a um Estado democrático de Direito.

Em uma de suas petições perante o Conselho Nacional do Ministério Público,
que mais parece saída dos anais da “lava jato”, os advogados de Deltan Dallagnol
afirmam que:
“A só instauração do processo de remoção, portanto, violaria a sua garantia
de não ser julgado novamente por fatos pelos quais já foi isentado
de responsabilidade, o princípio da segurança jurídica, o princípio da
ampla defesa, o princípio do contraditório, e autorizaria o prosseguimento
de um processo maculado desde a origem, por vício procedimental
de instauração”.

As palavras soam como música aos ouvidos de quem esteve nas trincheiras
da defesa de réus denunciados, com ferocidade, pela força-tarefa.

Era comum que os processos se multiplicassem pelos mesmos fatos,
em manifesto bis in idem, e que uma mesma acusação se desdobrasse
em duas ou mais ações penais.

Não raro, os direitos ora invocados pela defesa do famoso acusador
eram rechaçados por completo.

Hoje, Dallagnol afirma no CNMP ser vítima de um processo com vício de origem,
mas atuou em uma operação sabidamente maculada desde seu nascedouro,
pois a “lava jato” jamais deveria ter sido instaurada em Curitiba e lá permanecido,
por tantos anos, em manifesta violação às regras de conexão e competência.

De tudo o que foi alegado pela combativa defesa de Dallagnol, contudo,
talvez a maior ironia seja a invocação da prescrição.

Isso porque o coordenador da força-tarefa era useiro e vezeiro em apontar
o processo penal como um “problema”, um “entrave” que atrapalha ou
impede o sucesso da luta anticorrupção, e, nos tempos idos de glória
da operação, chegou a equiparar a prescrição a uma malvada bruxa,
muito bem manejada por “advogados habilidosos”, “contratados a peso de ouro”,
com fins de obter a “completa impunidade dos réus”.
Em um artigo, afirmou que “a Justiça lenta não é apenas injustiça,
mas plena impunidade.
Isso porque nosso sistema favorece a prescrição, uma espécie de cancelamento
dos crimes pelo decurso do tempo”.

Em tempos recentes, contudo, não hesitou em utilizá-la como estratégia
de defesa. Para sua própria sorte, o Estado democrático de Direito tem disso:
assegura direitos sem olhar a quem, e pode “livrar”, pela prescrição,
até aqueles que mais desacreditam dela.
Foi o que ocorreu em 25 de agosto, quando o CNMP arquivou procedimento
que apurava a apresentação de Power Point feita em 2016 pelo MPF,
para explicar denúncia contra o ex-presidente Lula.

Nesta terça-feira (8/9), no entanto, Deltan Dallagnol não teve igual êxito.
Isso porque o CNMP, em votação quase unânime — nove votos a favor
e apenas uma divergência —, condenou o procurador à pena de censura
em razão de publicações em redes sociais que teriam influenciado no
processo eleitoral de Renan Calheiros à presidência do Senado Federal.

Em duras palavras, o relator do feito alertou para o perigo de se reduzir o caso
ao debate sobre liberdade de expressão, risco que levaria “agentes não leigos,
vitalícios e inamovíveis a disputarem espaços, narrativas e, em última análise,
o poder, com agentes eleitos, dependentes do sufrágio popular periódico e
com uma imagem estigmatizada, que ocorre em todo mundo”.

Por fim, arrematou a fala com a constatação de que “nada impede que
os primeiros deixem o conforto de seus cargos públicos, renunciem
à magistratura judiciária ou ministerial e entrem na arena partidária,
disputando votos e espaços na mídia, sem a proteção reputacional
que a toga ou a beca quase sempre emprestam aos que a vestem”.

Poucas horas depois, o Supremo Tribunal Federal declarou a incompetência
da Justiça Federal de Curitiba — cujo juiz titular, à época, era Sergio Moro —
no tocante ao processamento de fatos relativos a Transpetro, incorrendo
no reconhecimento de nulidade em benefício de réus como os senadores
Romero Jucá e Valdir Raupp.

O que se vê é que, atualmente, até mesmo alguns representantes
da mais alta corte do país têm observado que, em tempos de ataques
às instituições democráticas, é preciso resgatar os princípios basilares
de um Estado democrático de Direito.

Nos últimos dias, ao deixar a presidência do STF, o ministro Dias Toffoli
fez duras críticas à “lava jato”, sem deixar de ressaltar as importantes conquistas
legislativas e de mecanismos de combate à corrupção em vigor no Brasil.
Anteriormente, ele já havia apontado os danos econômicos da operação
para o país, perfeitamente evitáveis, sobretudo se os acordos de leniência
tivessem tido outra condução.

Ao que parece, enfim, cai o pano da famosa operação, mas seu epílogo
nada tem a ver com o acobertamento da impunidade, como alguns podem crer.

É preciso aprender com os erros da “lava jato”, de modo a construir uma forma
mais discreta, impessoal e eficiente de combate à corrupção.
Uma estratégia que una inteligência, tecnologia, sofisticados instrumentos
e mecanismos, mas respeite as regras processuais penais, os direitos
fundamentais e as garantias civilizatórias, conquistas que um Estado
pretensamente democrático não pode, a pretexto algum, abrir mão.

https://www.conjur.com.br/2020-set-09/escritos-mulher-cai-pano-expectativas-quanto-futuro-operacao-lava-jato

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