Romance de Urariano Mota é elogiado nos EUA: “Jamais pude esperar tamanha consagração crítica”, diz o escritor pernambucano

Tempo de leitura: 7 min

Por Conceição Lemes

O jornalista e escritor pernambucano Urariano Mota nasceu em 1950, no subúrbio chamado Água Fria,  zona norte do Recife.

Tem vários livros publicados e uma imensidão de artigos.

Em 2017, lançou pela LiteraRUA, o romance A mais longa duração da juventude.

A apresentação foi feita pelo saudoso José Carlos Ruy, jornalista, escritor estudioso de história e do pensamento marxista.

O título é lindo: Um sonho que a repressão não destrói.

A apresentação igualmente bela.

José Carlos Ruy começa, relembrando uma conversa com a sua filha:

Um dia desses, conversando com minha filha, uma moça de 21 anos que estuda Letras, ela me falava, contrariada, de tantas moças e rapazes (e movimentos e artistas “jovens”) que parecem envelhecidos pela recusa a correr riscos, e pela vontade de ter todas as garantias e segurança que a sociedade oferece. São jovens na idade, mas não no coração, dizia ela.

Esta lembrança me ocorre no momento em que escrevo a “apresentação” a este livro extraordinário a que Urariano Mota deu um título preciso: A mais longa duração da juventude.

Um relato ficcional amplamente ancorado na memória dos jovens que, por volta de 1970, resistiam à ditadura no Recife, como tantos outros Brasil afora. E traziam inscrito em sua bandeira, com letras de um vermelho flamejante: “revolução e sexo”. Nesta ordem, adverte Urariano.

E prossegue falando daqueles jovens que, meio século depois, ainda sonham mesmo os seus corpos não tendo a força dos 20 anos. ”Mas o viço e o vigor do sonho permanecem”, sublinha Ruy.

A apresentação é emocionante.

A íntegra pode ser lida aqui.

Em 2022, o romance foi publicado nos Estados Unidos pela International Publishers com o título de Never-Ending Youth. 

A versão em inglês também teve a mão de José Carlos Ruy.

Foi ele quem fez a ponte entre o romance e o poeta, ator de teatro e de cinema Peter Lownds, que traduziu o livro para o inglês.

“O mundo é mesmo pequeno e nele cabem todos nós”, comenta Urariano. ”O tradutor Peter Lornds  viveu parte da sua juventude no Recife!”

Ruy, porém, não pode ver o resultado, porque faleceu em 2021.

”Meu agradecimento permanente ao intelectual comunista José Carlos Ruy”, registra Urariano.

Na edição do romance em inglês, o escritor, jornalista e tradutor Eric A. Gordon escreveu no seu belo prefácio:

“Never-Ending Youth é um Bildungsroman do Novo Mundo. Na sua época, o romance Cem anos de solidão de Gabriel García Márquez tomou de assalto os leitores americanos, e abriu as portas para toda uma nova geração de escritores do ‘Sul da Fronteira’. Talvez seja a hora de outro surto, começando com Never-Ending Youth”.

E os elogios ao romance de Urariano em inglês não param aí.

Ele já conquistou aplausos de duas resenhas críticas.

A primeira é de Piers Armstrong, que escreveu:

“O romance descreve um punhado de personalidades notáveis, incluindo uma jovem mulher comunista bonita e idealista. Mota apresenta, repetidamente, uma série de questões profundas e universais.

O que significou toda aquela convicção e aventura juvenil? A natureza da juventude – seu caráter único como revelado em circunstâncias de opressão, perigo, marginalização – é induzida tanto pelas escolhas voluntárias dos protagonistas quanto pelo “sistema” externo? As pessoas movidas pela paixão são uma expressão mais intensa da juventude e, portanto, mais preciosa?

Tudo isso torna a narrativa equivalente às câmeras autoconscientes do cinema Nouvelle Vague”.

A segunda, que saiu agora, é Joel Wendland-Liu, professor da Grand Valley State University de Michigan. Ele é doutor em Filosofia, autor de vários livros sobre Literatura e Cultura.

“Jamais pude esperar tamanha consagração crítica”, diz Urariano.

Infelizmente, como dissemos acima, José Carlos Ruy não pode ver todo esse sucesso, pois faleceu em 2021.

”Mas logo mais os leitores de todo o Brasil vão conhecer a sua obra póstuma, o Novo Dicionário de Machado de Assis, que está para ser publicado pela Anita Garibaldi”, antecipa Urariano.

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Abaixo a íntegra da resenha crítica de Joel Wendland-Liu, que acaba de ser publicada.

A mais longa duração da juventude: o romance-memória de Urariano Mota sobre a resistência contra o fascismo brasileiro

Por Joel Wendland-Liu, em People’s World* 

A ilusão de um presente constante esconde como a maioria de nossas vidas é vivenciada através da memória. A iminência física do presente – a sensação de concretude, odores, sons, vivacidade da visão ou sabores da objetividade do agora imediato – desliza continuamente para a memória.

Ainda assim, a memória pode assombrar o presente, tornando-o doloroso com uma sensação avassaladora de perda, desespero pelo fracasso ou falta de metas, ou talvez com as emoções de nostalgia pela perda de entes queridos, de um café favorito ou saudade de um bairro antigo que abrigou os marcos da juventude.

A luta para resistir ao movimento percebido do tempo por meio da criação de uma narrativa que restaura memórias de companheiros humanos e a vitalidade de ontem no presente é o tema do romance semiautobiográfico de Urariano Mota, “A mais longa duração da juventude”, Never-Ending Youth.

Baseado em pessoas reais ou compostos de pessoas reais, o trabalho de Mota oferece instantâneos do movimento radical da juventude brasileira na década de 1970.

O autor narra a luta antifascista de estudantes no Recife, em Pernambuco, durante a ditadura que, com o apoio dos Estados Unidos, derrubou o governo democraticamente eleito e passou a ser comandado por generais por duas décadas.

Como parte da história sobre esses poucos anos na vida de um punhado de jovens, o romance de Mota também invoca um contexto global mais amplo, enraizado no tráfico europeu de escravos, colonialismo, raça e patriarcado.

O livro explora temas de supremacia masculina e racismo e as mudanças significativas em como as pessoas de esquerda entendiam esses sistemas duradouros em sua análise da luta de classes.

O livro de Mota resgata as personalidades, as ações e idiossincrasias dos homens e mulheres que lutaram contra a ditadura repressiva.

Eles se inspiraram nos movimentos antiimperialistas em andamento liderados por Fidel Castro, Che Guevara, Ho Chi Minh e Mao Tsé-Tung.

A música vibrante, a poesia e a ficção que compõem a arte e a cultura brasileira serviram de referência constante para suas emoções, ideias e relação com sua história e futuro. Manuel Bandeira, Jorge Amado, Solano Trindade, Alfredo da Rocha Filho (Pixinguinha), Vinícius de Moraes e Paulo Freire são os filósofos, ativistas, cantores e escritores que moldam a atmosfera, as ideias e as palavras desse mundo radical.

Além dessas fronteiras, Dom Quixote, as obras de Marcel Proust e Gabriel García Márquez, a poesia de Goethe e Lorca, a dialética de Marx e o pensamento de Mao Tsé-Tung, até mesmo as interpretações vocais de Ella Fitzgerald, habitam as deliberações e debates de nossos heróis e heroínas .

De fato, a narrativa de Mota constrói pontes imaginativas para o passado histórico por meio de conexões culturais, o passado vivido por meio de memórias de luta política e o presente e o futuro.

Esse senso filosófico de coletividade transcendente, de uma identidade com outros seres humanos e lutadores pela libertação, com os criadores da vida, das ideias e do próprio mundo, se eleva sobre o presente do indivíduo alienado sob o capitalismo repressivo.

A morte e o funeral de seu grande amigo Luiz do Carmo, a quem o narrador-protagonista descreve como “meu Sancho Pança”, motiva a escrita do livro.

Urariano Mota tenta reconstruir uma narrativa das memórias da sua juventude, dos seus amigos, camaradas próximos e companheiros de viagem.

Júlio conheceu Luiz do Carmo quando a organização estudantil o encarregou de esconder Luiz. Este último havia sido rotulado de terrorista pelo regime por distribuir literatura pró-democracia.

Júlio está entusiasmado por poder ajudar o movimento, mas completamente constrangido e envergonhado da sua pobreza. Sua casa é um pequeno cubículo superaquecido de um cômodo no topo de uma pensão.

Ele não tem dinheiro suficiente para alimentar os dois adequadamente e conta com a generosa empregada da pensão, que entende sua situação e lhe dá maiores porções.

Seu desejo de contar uma história sobre a riqueza da vida de Luiz do Carmo e seu papel na luta contra a ditadura evoca memórias de outros: Zacarelli, Selene, Gordo, Célio, Lucas, Tonhão, Zé Batráquio, Joana, Antônio, Nelinha e Vargas.

O romance é composto de várias dezenas de episódios curtos com caracterizações desenvolvidas de cada um personagem. Esses jovens têm imperfeições, são obcecados por sexo, álcool e música, imperfeitos em sua política, exibindo tendências anarquistas, machismo ou orientações reformistas.

Ainda assim, de maneira perfeita e indelével, eles fizeram do período principal da cronologia do romance (1969-1973) o que era a ditadura.

Júlio, o narrador-protagonista, diz que este tempo e lugar não eram utópicos ou uma época para a qual ele gostaria de voltar. Não foi o momento mais bonito. Ele foi marcado pelo terrorismo e tortura do regime. Mas era nosso, e nós, juntos, o tornamos bom.

Acima de tudo, continua vivo: “nosso mundo não está morto”.

Enquanto os fascistas criam uma falsa imagem do mundo que reflete seus valores, brutalidade e sua cultura de morte e ódio, a luta revolucionária pela democracia e pelo socialismo luta pela vida e pelo futuro. Júlio observa que, apesar dos limites impostos pela ditadura contra a liberdade, os estudantes e os lutadores eram “os agentes do seu tempo”.

A decisão de lutar contra a opressão e o fascismo foi um ingrediente essencial que fez esse tempo valer a pena. Como um cronista do momento e da cultura da luta, Júlio se encarrega da criação de um texto, de uma narrativa que fará a ponte entre a memória e o presente emergente e dinâmico. Um texto é algo, ele acredita, que sobreviverá ao momento, que recuperará o passado que sobrevive apenas como memória.

Ao deixar o funeral de Luiz do Carmo, Júlio contempla a dor sentida pelas lembranças de seus entes queridos, seus irmãos de luta e seus companheiros perdidos tanto pela brutalidade da ditadura quanto pelo tempo.

Ele vê um protesto em massa de professores e estudantes marchando pela cidade exigindo melhores salários e recursos para as escolas públicas. Ele assina um abaixo-assinado e convoca seus antigos camaradas. “Os jovens continuam a fazer o que nós fizemos.”

A nova geração de jovens lutadores também espera por seus cronistas que estenderão suas vidas para além do momento. O ciclo de gerações, de lutas pela democracia e justiça, a diferença e continuidade, ao longo do tempo a serviço da libertação humana coletiva, se unem para formar nossa mais longa duração da juventude.

Nota do editor americano: People’s World dá as boas-vindas a esta segunda resenha crítica do romance de Urariano Mota. Uma resenha anterior de Piers Armstrong foi publicada em outubro de 2022.

Além disso, Peter Lownds, o tradutor do romance explica aqui https://live-peoples-world.pantheonsite.io/article/peter-lownds-explains-how-and-why-he-translated-a-recent-brazilian-novel/ como chegou inicialmente a este projeto.

E “Open Your Window”, um capítulo do livro, pode ser lido aqui https://www.peoplesworld.org/article/open-your-window-from-the-newly-published-brazilian-novel-never-ending-youth/ .

Tradução livre de Guanaíra Amaral

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Comentários

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Zé Maria

Obra-Prima!
Cumprimentos
ao Mestre Ura!

Maria Carvalho

Merecidos elogios!
Parabéns!
Que venham mais leituras como essa!

Benedito Alísio da Silva Pereira

Matéria espetacular!

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