Roberto Liebgott e Ivan Cima: “Governo Bolsonaro transforma Funai em agência de negócios criminosos e fragiliza políticas assistenciais”

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Foto: Ueslei Marcelino /Reuters/Cimi

Manifestação dos povos indígenas contra o PL 490 em frente ao anexo 2 da Câmara dos Deputados, durante o Levante Pela Terra, em junho. Foto: Andressa Zumpano/Articulação das Pastorais do Campo

A Funai e a antipolítica indigenista do extermínio

Nas últimas décadas não se viu, por dentro do Estado, ações tão abundantes e organizadas para se contraporem aos povos indígenas. Artigo de Roberto Liebgott e Ivan Cesar Cima, do Cimi Regional Sul

Por Roberto Antonio Liebgott e Ivan Cesar Cima, do Cimi Regional Sul 

Desde que o atual governo assumiu o controle do Brasil, os direitos territoriais e os modos de ser e de viver diferenciados dos povos indígenas vêm sendo sistematicamente atacados.

Eles, os povos, são tratados como “coisas perigosas”, como pessoas a serem combatidas, ou, ainda, como resíduos de um passado que deveria ser extirpado.

A partir dessa lógica genocida, impuseram-se as ferramentas políticas, administrativas, jurídicas e discursivas, tendo como referências: a desterritorialização, a desconstitucionalização e a integração forçada dos povos à sociedade.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi reestruturada para essas finalidades e, desde 2019, trabalha para que o “índio” seja exterminado ou transformado em força produtiva vinculada a um modelo exploratório.

Nesse ambiente, as lutas das comunidades e povos pela garantia dos direitos constitucionais são criminalizadas e as terras ocupadas por grupos econômicos que, em geral, violentam os indígenas, desrespeitam e agridem a natureza.

Nos últimos três anos, uma série de medidas restritivas de direitos foram adotadas pela Funai com o objetivo de excluir das políticas de proteção, fiscalização e demarcação de terras mais da metade dos povos originários do país.

Nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, as comunidades foram abandonadas à própria sorte, como se não existissem.

Autorizou-se a paralisação dos procedimentos demarcatórios e concedeu-se, a terceiros, oportunidade para requerer a posse ou título de propriedade em terras indígenas e nelas exercer atividades de exploração dos recursos ambientais, agrícolas, agrários, minerais, hídricos e madeireiros.

E, para dar agilidade a essas pretensões, foram editadas por Funai, Incra e Ibama algumas instruções normativas e resoluções, tais como as de números 09, de 2020, 01 e 04, de 2021, respectivamente.

A Instrução Normativa de número 09, publicada em 2020 pela Funai, trata da possibilidade de certificação de terras indígenas para particulares, quando estas incidirem sobre áreas que cuja demarcação ainda não foi homologada.

Através desta medida administrativa, o governo Bolsonaro sinaliza a todos os interessados em requerer e legitimar títulos de propriedades sobre terras da União que o façam, manifestando desejo de uso da terra para exploração econômica.

Ou seja, com tal medida, além de atacar frontalmente os direitos constitucionais dos povos indígenas, expressos no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, o governo Bolsonaro pratica crime de improbidade administrativa, já que transfere terras da União, aquelas que deveria zelar e proteger, para particulares.

A Instrução Normativa 09/2020 vem sendo desconstituída por decisões judiciais em diversos estados e regiões do país. A Funai tem ignorado tais decisões e permanece aplicando a normativa em sua prática cotidiana de ataque aos direitos indígenas.

Já a Resolução de número 04/2021, medida administrativa expedida pela Funai – e posteriormente caracterizada como inconstitucional pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 – visava impor a heteroidentificação dos indígenas.

Através dessa medida, a Funai deveria determinar os critérios acerca de quem é ou não é indígena. A Funai, tomando por base essa resolução, decidiria quem estaria ou não integrado à sociedade envolvente e, portanto, esse indígena não poderia, jamais, acessar os direitos constitucionais expressos nos artigos 231 e 232.

A Instrução Normativa de número 01, publicada em 24 de fevereiro de 2021, em conjunto pela Funai e Ibama, visa a exploração de terras indígenas por particulares associados aos indígenas.

Essa medida desconstitui o direito dos povos ao usufruto exclusivo de suas terras.

Ou seja, o governo Bolsonaro, com uma única norma administrativa, possibilitará que qualquer pessoa, em articulação com alguns indígenas, crie o que foi denominado de organização mista, para que esta, mediante o aval do Ibama, possa explorar as terras indígenas, seja para monocultivos de soja ou para a pecuária, seja para desmatar, garimpar e exercer outras atividades econômicas.

A Funai esperava jogar uma espécie de “pá de cal” sobre os direitos indígenas: a partir dessas medidas, se aniquilaria com os preceitos constitucionais à terra e ao seu usufruto exclusivo, com as diferenças étnicas e culturais e com as garantias de que os povos indígenas constituem-se em sujeitos de direitos.

A Advocacia Geral da União (AGU) e a Funai publicaram, no final do ano de 2021, despachos determinando que as coordenações regionais do órgão indigenista não prestem assistência às comunidades e povos que estejam vivendo naquelas terras que não foram homologadas pela Presidência da República.

A determinação, difundida por meio do Ofício 18/2021, da Funai, exclui as terras não homologadas dos planos de proteção territorial do órgão indigenista, deixando centenas de comunidades indígenas totalmente desamparados e à mercê da pressão de invasores, fazendeiros, mineradoras e outros agentes econômicos que promovem a devastação de seus territórios.

Tal medida contraria o que estabelece a Constituição Federal no seu artigo 231, bem como no que prescreve a Lei 6001, de 1973, o Estatuto Índio, que expressa em seu artigo 25:

“o reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República”.

Nos últimos três anos, os povos indígenas, além de enfrentarem a pandemia da Covid-19 – que vitimou mais de 1200 indígenas e contaminou milhares de pessoas, deixando sequelas irreversíveis – se depararam com um inimigo muito maior: o governo Bolsonaro e seus comandados militares, delegados, ex-policiais e pastores de igrejas neopentecostalistas que atuam, de forma incessante, contra as tradições, costumes, crenças e ancestralidades das comunidades, violando seus direitos constitucionais.

Nas últimas quatro décadas não se viu, por dentro do Estado, ações tão abundantes, planejadas e organizadas para se contraporem aos povos indígenas e suas trajetórias de lutas e conquistas.

Indígena durante ritual para sensibilizar autoridades públicas, em Brasília, e o delegado federal Marcelo Augusto Xavier da Silva, atual prresidente da Funai. Fotos: Laila Menezes/Cimi e reprodução de vídeo

Além de transformar o órgão indigenista numa agência de negócios econômicos criminosos, o governo Bolsonaro vem fragilizando as políticas assistenciais, negando prestação de serviços àquelas comunidades mais vulneráveis, que vivem sem terra, nas margens de rodovias ou em pequenas áreas degradadas, contaminadas e sem acesso a água ou qualquer tipo de saneamento básico.

A precarização das condições de vida e a liberalização dos territórios para e exploração econômica gerou um processo de violências contra a vida e contra o meio ambiente sem precedentes no país.

A garimpagem, o desmatamento e os incêndios criminosos devastaram terras e desencadearam conflitos resultantes de invasões das áreas.

Milhares de garimpeiros ocupam os espaços de vida e atacam os povos. Madeireiros, fazendeiros e grileiros expandiram seus tentáculos de destruição e ódio para dentro dos territórios, tudo sob o comando ou com a conivência do governo Bolsonaro e de seus agentes.

Além disso, as terras demarcadas, que deveriam estar disponibilizadas ao usufruto exclusivo dos povos e comunidades, tornaram-se objeto de especulação através de arrendamentos e cooperativas que, na prática, privatizaram as áreas pertencentes à União e que deveriam estar disponibilizadas para as comunidades indígenas.

O caos só não se completou neste período por conta de medidas judiciais que buscaram colocar freios à perspectiva genocida do inominável.

O STF determinou, dentro do Recurso Extraordinário do processo de nº 1.017.365, qualificado como de repercussão geral e que trata sobre demarcação de terras, a suspensão de todos os processos judiciais que visavam desconstituir demarcações de terras.

Conteve ainda os efeitos do Parecer 001/AGU de 2017, o qual vinculava toda a administração pública – responsável pelos procedimentos demarcatórios de terras indígenas – à tese descabida do marco temporal.

Com a tese, pretendia-se eliminar do mundo jurídico e administrativo os direitos estampados no artigo 231 da Constituição Federal, onde se garante a demarcação das terras indígenas, caracterizadas como tradicionais e originárias.

Também o movimento indígena, a partir de seus povos e comunidades, desencadeou intensas mobilizações contra a antipolítica e exigiram respeito a seus direitos constitucionais.

Houve, ao longo de todo o ano de 2021, grandes e expressivas mobilizações indígenas tanto de âmbito local, como regional e nacional. Estas, efetivamente, ampliaram alianças, apontaram agendas de lutas e fizeram frente ao governo genocida.

Mas os caminhos ainda são pedregosos, pois tramitam no Congresso Nacional dezenas de projetos de lei que fragilizam os direitos indígenas e liberalizam os territórios para a exploração devastadora da terra.

Neste ambiente complexo, é estratégico e urgente manter as articulações, juntar as forças dos povos originários, das comunidades quilombolas e de todos os demais grupos e coletividades numa mesma sintonia: evitar retrocessos e exigir, dos órgãos e poderes públicos, responsabilidade e compromisso com a defesa da vida, dos territórios, dos direitos humanos e constitucionais.

Somente com a força dos de baixo, com suas articulações políticas, com suas cosmovisões, espiritualidades e ancestralidades, poderemos barrar o avanço das ações e medidas administrativas anti-indígenas dentro dos palácios e retomar os caminhos da justiça e do bem viver.


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Comentários

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Zé Maria

E por falar em “Agência de Negócios Criminosos” de Governo:

Geólogos explicam desabamento de cânion em Capitólio/MG
e veem Brasil atrasado em avaliações de segurança de áreas turísticas

País tem até lei para regular monitoramento de sítios de risco,
mas vistorias se concentram em trechos urbanos.
Na avaliação de especialistas da Unesp, desastre poderia ter sido evitado.

[Reportagem: Guilherme Paladino | Jornal da UNESP]

Na segunda-feira (10), dois dias após o desabamento de um bloco rochoso
nos cânions que circundam o lago de Furnas, no município de Capitólio,
em Minas Gerais, matando dez pessoas, o governador do estado, Romeu Zema,
participou de uma entrevista coletiva em que tentou explicar o que causou
a tragédia.
“Foi algo inédito, nunca aconteceu anteriormente”, afirmou.
“Nos últimos 100 anos, não sabemos de nenhuma ocorrência dessas.
Seria [algo] muito difícil de prever.”

Mas não é o que pensam os especialistas ouvidos pelo Jornal da Unesp.

Segundo o presidente da Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo),
Fábio Reis, o tombamento de blocos, tal como o que ocorreu em Capitólio,
é um processo natural e recorrente.
“A gente não consegue saber a hora exata em que algo assim irá ocorrer.
Mas é possível constatar se uma rocha como aquela está se movimentando
ou se tem risco de se movimentar”, diz.
O que possibilita esse conhecimento são tecnologias já disponíveis
e consolidadas para a prática do monitoramento geotécnico, somadas
à extensa gama de estudos sobre fenômenos que afetam as mais diversas
formações rochosas.
“Embora o governador tenha falado em acontecimento ‘imprevisível’,
isso é superprevisível”, explica Reis, que é docente do Instituto de Geociências
e Ciências Exatas (IGCE) da Unesp Rio Claro.

Alexandre Perinotto, especialista em Geologia Regional e Geologia Sedimentar
e também docente do IGCE-Unesp, explica que o acidente não poderia ser evitado. “Mas o desastre sim”, diz.
Ele explica que a definição de desastre implica a ocorrência de um fenômeno
natural que causa danos a pessoas.
Se a região tivesse sido objeto de um estudo de mapeamento de riscos,
seria possível determinar de antemão se havia risco de desabamento iminente,
alto, médio ou baixo.
Esta avaliação deveria ser usada como base para gerenciar a presença humana
na área.
Assim, mesmo que o bloco caísse, as pessoas não estariam ali.
“O fenômeno natural vai ocorrer, mas será apenas parte da evolução da paisagem,
como acontece há bilhões de anos. Mas não teremos um desastre”, diz.

Íntegra: (https://jornal.unesp.br/2022/01/14/geologos-explicam-desabamento-de-canion-em-capitolio-e-veem-brasil-atrasado-no-monitoramento-de-seguranca-de-areas-turisticas)

Zé Maria

O Desgoverno Bolsonaro inteiro é [!] uma Agência de Negócios Criminosos.

Agora, passaram a Manipulação do Orçamento Paralelo para a Casa Civil.

    Zé Maria

    Adendo

    Segundo a Jornalista Ana Flor, um Decreto Presidencial de Jair Bolsonaro
    publicado no Diário Oficial da União (DOU) dessa quinta-feira (13)
    “dilui o poder do Ministério da Economia para tomar decisões
    em relação ao Orçamento e reforça o papel da Junta de Execução
    Orçamentária (JEO), da qual faz parte a Casa Civil, nas
    definições dos recursos federais.”
    […]
    “O Congresso Nacional e, em especial o Centrão, tem avançado
    sobre o Orçamento da União.
    Esse modelo se replica dentro do governo.
    O ministro [da Casa Civil] Ciro Nogueira, senador pelo PP do Piauí,
    é um dos principais líderes do Centrão”, concluiu Ana Flor.

Henrique Martins

Complementando o comentário anterior:

CORRAM LOLAS… CORRAM….

Henrique Martins

Complementando comentário anterior:

Aliás, não só os registros de fotos de políticos com Bolsonaro (especialmente os que já foram acusados de criminosos , como por exemplo, Roberto Jeferson, Valdemar Pereira) mais também de pastores (incluindo aqueles com dívidas milionárias), e mais: tudo o que ele já fez e fala e/ou tem falado tem que estar registrado e os vídeos tem que serem religiosamente guardados em um arquivo. Os registros têm que ser de desde o início da presidência e também da campanha eleitoral.
Inclusive, eu dou uma dica para os cineastas com índole de esquerda e até para a famigerada Globo: colham tudo o que puderem sobre a atuação de Jair Bolsonaro na presidência da república, toda a sua trajetória politica como deputado, todas as pérolas que ele já disse, toda a trajetória do gabinete do ódio e as fakes news, tudo sobre seus filhos e os políticos que o apoiam ou já apoiaram, tudo sobre a campanha eleitoral imoral do PSL e a facada, tudo sobre os caras extremistas que o apoiam e tudo sobre as Bias Kissis da vida, etc… etc…
Esses dados são para um documentário que tem que estar previamente pronto para quando a bomba dele estourar. Quem tiver esse documentário para mostrar em primeira mão vai bombar………

Henrique Martins

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/ptb-bate-o-martelo-e-decide-apoiar-bolsonaro-nas-eleicoes/

Num futuro muito próximo ficaremos livres de políticos como você Graciela. Aguarde até lá… Na verdade, precisamos mesmo que vocês se exponham o máximo que for possível. Neste sentido, sugiro que a turma da esquerda vá guardando religiosamente as fotos de todos os políticos com quem sair o senhor Jair já saiu na foto uma vez que a persuasão vai ser muito mais forte do que apenas dar nomes aos bois.

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