Ricardo Ferraz: O casamento gay na Argentina

Tempo de leitura: 3 min

por Ricardo Ferraz

Vejo na televisão a aglomeração em frente ao Congresso Nacional argentino. Faz frio em Buenos Aires, cerca de 3 graus. Mesmo assim, milhares de pessoas saíram às ruas para apoiar o projeto de lei que permite a igualdade civil entre pessoas do mesmo sexo. É uma resposta aos setores mais conservadores da sociedade argentina que, no dia anterior à aprovação do projeto, ganharam as ruas da capital convocados pela Igreja. Eram soldados em uma batalha que os bispos convencionaram chamar de uma “guerra contra Deus”.

Felizmente, para Argentina, e mais ainda para a América Latina, eles perderam. Saem derrotados não só porque  gays passam a ter os mesmos direitos civis que os héteros sexuais (podem casar-se, tem direito à herança e a adotar crianças), mas sim porque essa espécie de “guerra santa” deixou exposta a verdadeira cara dos setores mais conservadores da sociedade argentina – que não se diferem muito da direita do resto do continente americano ao sul do equador.

Durante toda a semana, a sociedade esteve totalmente tomada pelo debate do projeto de lei. Na televisão, em todos os programas, dos mais populares aos mais elitistas, se viam pessoas discutindo o casamento igualitário, o termo politicamente correto adotado por aqui da união civil entre homossexuais. A direita destilou todo tipo de preconceito. Um deputado ultra conservador da província de Salta (ao norte) declaro: “não deixo meu filho ir à casa de um casal gay porque na hora de dormir, um deles pode aparecer de pijama com um pompom rosa na cabeça”. Em outro programa, um dos mais tradicionais da Argentina, em que uma espécie de Hebe Camargo local recebe os convidados para um almoço, a apresentadora pergunta a um artista assumidamente homossexual: “Você não tem medo que um casal gay que adota uma criança, no futuro, possa estuprá-lo?”.  A representante da Opus Dei, uma advogada que  defende representantes do governo militar faz o discurso do “isso não é normal, Deus uniu os homens e as mulheres, não os de mesmo sexo”.

Por outro lado, na TV Pública, criada e mantida pelo governo Kirchner, um programa de debates, chamado “6,7 e 8”, edita tudo e resolve dar nome aos bois, colocando os que são contra à medida como inimigos da pátria. “Saiba quem é quem” gritam os letreiros no rodapé da tela de televisão. “Esse deputado que roubou terra dos índios para plantar soja é contra o casamento gay”. Em outra nota: “esse representante dos ruralistas que apoiou a ditadura é contra os direitos igualitários”. O repórter de um programa do tipo CQC ouve de uma mulher contra a medida que se a medida fosse aprovada, daqui a pouco se uniriam pessoas e cachorros. O bem humorado repórter resolveu ouvir a opinião do cachorro, que sequer latiu.

Preconceito, piadas e radicalismos à parte, o que as pessoas dizem pelas ruas (na maioria das vezes conversei com pessoas que era favoráveis ao projeto) é que a Igreja aprova tudo o que acontece às escondidas, inclusive os casos de pedofilia nas barbas do Vaticano, mas se revolta quando a moral cristã é questionada às claras. Tremenda hipocrisia. Ganhou vulto no país, o depoimento de um padre à favor do casamento gay, cuja irmã é lésbica e vive com outra mulher, que foi proibido pela Santa Sé de realizar missas. O representante dos Putos Peronistas (sim eles existem) foi à TV dizer que a decisão era absurda, uma vez que outro padre, acusado de ser um torturador durante a ditadura militar, continuava a pregar.

Em outras palavras, a aprovação desse projeto ilustra bem a polarização política que tomou conta da Argentina. Ainda que os temas se confundam, e que tortura e casamento gay sejam coisas absolutamente distintas, o país avança rumo a um caminho que até pouco tempo seria impensável na America Latina.

Tal polarização tem outras conseqüências, inclusive econômicas, e é  freqüentemente contestado por jornalistas brasileiros que a coloca como sendo prejudicial, ao longo prazo, para o país. Confesso que desembarquei na Argentina para férias com a família (cometi o pecado aos olhos brasileiros de me apaixonar por uma argentina com quem tenho dois filhos) tendo o mesmo pensamento. Mas me pergunto, cada vez mais, se prefiro um país onde as coisas são claras, ou um país onde há uma aparente conciliação entre interesses conflitantes e que mudou muito pouco nos últimos 500 anos.

Não tenho a respostas, mas ontem, enquanto jantávamos, meu cunhado (hétero) ligou para o meu sogro dizendo que tinha saído do trabalho e se dirigia ao Congresso para a vigília pela aprovação do casamento gay.  Senti uma certa inveja. Isso no Brasil raramente aconteceria. Preferimos os lobbys escusos em Brasília e a sensação, obviamente falsa, de que em nosso país todos convivemos bem com as diferenças. 


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Comentários

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Rose Correa

Gostaria de saber se: um brasileiro pode se casar-se na Argentina, sendo que o seu noivo é de outro paìs? Qual procedimento a ser adotado? Obrigada pela atenção

fabiii

é por isso que admiro tanto nossos hermanos!!! parabéns ao país argentino!!!

Marina

Sou a favor, afinal cada um faz o que quer, deixa eles serem felizes…

Elton Ribeiro

Sou totalmente contrario a qualquer agressão aos homossexuais e se querem casar-se não vejo problemas, pois so diz respeito aos casais, mas coibir o cidadão de emitir sua posição contraria não tem cabimento num pais democratico. Obrigar todo individuo a perpetuar essa ideia dentro de sua propria casa e familia é um absurdo total.

Elton Ribeiro

É engraçado, só postam comentários favoraveis aos homossexuais, então não poderemos mais emitir opniões sobre o presidente; padres e pastores; pais e maes; policia e politicos; homens e mulheres nem mesmo sobre corruptos e corruptores. Temos que concordar com todos, pois todos tem defesa e argumentos.

Marcius Cortez

O Brasil mudará quando não houver mais preconceito contra as mulheres,os gays e os afro-descendentes. Tenho 65 anos, não verei isso. Mas o meu neto verá. Então terá valido a pena. O país só muda quando caminha em direção da liberdade. Estou satisfeito porque uma nação que tanto admiro, nossa vizinha Argentina, tenha se convertido, mais uma vez, num exemplo para nosotros ao permitir que você case com quem você ama. Cordialmente,Marcius Cortez.

Gerson Carneiro

Os gays são cobrados e cumprem as mesmas obrigações civis dos não gays. Ou seja, não são isentados de nenhuma obrigação civil por serem gays. Mas são privados de direitos civis. Está errado. Está na hora de abolir essa injustiça.

Logo, logo, o Brasil quebrará esse tabu. Mesmo porque os gays não dependem de aceitação de ninguém, simplesmente existem.

Fabio_Passos

Aqui no Brasil o candidato que firmou compromisso com as demandas GLBT tem nome: Plinio de Arruda Sampaio

"
A atividade sexual sempre foi objeto de atenção por parte das religiões e dos integrantes da classe dominante, com formas de controle da sexualidade que levam à dominação e à opressão. Isto não é aceitável porque está na raiz do preconceito e da discriminação.

O grande avanço humanista que as rebeliões estudantis da metade do século XX representaram foi precisamente a denúncia da hipocrisia burguesa em relação ao sexo. A sociedade tomou outra forma depois desse movimento – e para melhor.

(…)

No dia 19 de maio, a convite das organizações gays brasileiras, estive na I Marcha Nacional Contra a Homofobia, em Brasília, que reuniu cerca de duas mil pessoas. Os participantes defendiam a aprovação pelo Congresso Nacional de projetos que legalizam a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais homossexuais.
"

Sem hipocrisias http://pliniopresidente.com/2010/06/sem-hipocrisi

Vergonha

Quem deve estar feliz é o satanás.

    Fabio_Passos

    Jesus está feliz. satanás acha uma vergonha…

    Janes Rodriguez

    Vergonha. Esse é o melhor nome para sua ignorância. Satanás??????? tenha dó. Deixa o diabo em paz e se ocupe do seu próprio inferno de preconceitos e obtusidades.

    Gerson Carneiro

    Satanás está feliz porque pintou a oportunidadede de colocar na sacola dele um monte de alma rancorosa.
    Vergonha foi a primeira a ser ensacolada.

beattrice

Argentina, Uruguay e Venezuela já tinham a união civil e agora a Argentina desponta com a autorização do casamento.
Uma vitória dos direitos civis na AL.

Fabio_Passos

Parabéns a Argentina.
Um belo exemplo para todo o continente.

Deus seguramente vai mandar estes religiosos hipócritas para os quintos dos infernos…

J.C.CAMARGO

Ricardo: que retrocesso! Casamento de gays?! Desde quando isso é Democracia? Veja o caso da Europa. A raça bran-
ca está definhando no Velho Mundo. A população está diminuindo a cada ano! Isso representa pessimas perspectivas
para a Economia! E não bastasse isso, ou seja, o auto-controle da natalidade (a europeias não querem ter filhos para
poder viajar à vontade e também … à vontade! Veja no que está dando! População decadente! Agora na Argentina está
acontecendo a mesma coisa. Não se esqueça, Ricardo, que a Argentina é o mais europeu dos países latino=america-
nos! É, só DEUS sabe no que vai dar isso tudo!
Obs: pelo enfático entusiasmo com que você está comemorando o casamento de gays no país vizinho, dá até para per-
guntar: você é do time dêles?!

    João Paulo

    Mas que falta de respeito senhor J.C.CAMARGO. O senhor não deveria fazer perguntas insinuando o que o senhor não tem como provar.

Ronaldo

Sou totalmente a favor da união civil entre gays compreendendo herança, plano médico, etc.

Mas tenho muitas dúvidas em relação à adoção. Imagino o Joãozinho na escola dizendo para os coleguinhas que a mãe dele tem bigode e chama Bernardo, entre outras . . .

Algum(a) psicólogo(a) aí para opinar?

    João Paulo

    De pleno acordo com o senhor Ronaldo. Alguns anos atrás, (tenho 51 anos) meu certificado de conclusão de curso técnico em Contabilidade veio com um erro no nome da minha mãe. O nome dela é terminado com ''e'', e o secretário da escola datilografou ''o''. Resultado, quem o leu ficou com a impressão que meus pais constituíam um casal gay. Como zombaram de mim por causa disso. E apenas se tratava de um erro de datilografia!

    Laércio Nunes

    O problema é dos preconceituosos que zombam. Não há vergonha nenhuma em ser homossexual ou filho de homossexuais.

    Bruno

    Fora o Bullying haveria muitas outras consequências pra cabeça do(a) guri(a), não?

    Fabio_Passos

    Imagine.
    Limitar avanços sociais e de costumes por medo de reações preconceituosas?

    É preciso chamar pscicólogos prá ajudar os coleguinhas preconceituosos.

    Miguel

    Ronaldo, por incrível que possa parecer (pra ti), já existem pessoas adultas perfeitamente felizes que foram criadas com muito amor e carinho por dois pais ou duas mães, assim como existem companheiros/as homossexuais que vivem juntos/as há anos, mesmo não tendo uma lei que lhes garanta respeito e direitos iguais aos dos demais casais.

Fernando Dagata

O problema que no caso do Brasil, o nosso congresso defende os interesses corporativistas em detrimento da massa. Grupos como "bancada evangélica", "bancada ruralista", "bancada da bola", míopes em relação ao mundo que se apresenta, em prol de seus umbigos, seus dogmas e suas contas bancárias, menosprezam um país multifacetado como o nosso. O lobby contrário a um projeto como esse que foi votado na Argentina seria muito grande…resta aos movimentos sociais a pressão política. Esse dia chegará!!!

catarino

Uma coisa que as pessoas não pensam é que o PT tem uma grande base de apoio partindo da bancada evangélica.

Duvido que vão mexer nesse vespeiro aqui no Brasil.

Argentina continua politicamente superior ao Brasil | ESTADO ANARQUISTA

[…] por Ricardo Ferraz, pelo Viomundo […]

Leider_Lincoln

O bom da polarização é que os conservadores são minorias e seus chacais disfarçam-se de ovelhas. Em campo aberto, todo mundo tem de mostrar a cara, e as máscaras caem, assim como um falso consenso que é somente imposição travestida.

    Fabio_Passos

    É!

Paulo Roberto

Ricardo, muito bom seu relato e reflexão! Precisamos sim, ter a coragem e debater esse tema com mais clareza, coragem e vontade. O nosso país entra em um novo tempo, e esse é o momento de mudarmos essa história.
Te confesso uma coisa, também fiquei com inveja desse espírito cidadão e solidário do seu cunhado (hétero). Precisamos de muitos aqui no Brasil. A Dilma se eleita (torço por isso) não poderá fugir dessa responsabilidade, aliás não só dessa como de outras questões na área dos direitos humanos.
Grande Abraço

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