Pedro Carvalhaes: O Papa Francisco continua pop

Tempo de leitura: 3 min

O Papa ainda é pop

Por Pedro Carvalhaes*, especial para o Viomundo

Às vésperas de completar um decênio como chefe do catolicismo, o papa Francisco surpreendeu seus entusiastas progressistas ao afirmar, numa entrevista, que a homossexualidade, conquanto não deva ser criminalizada, é um pecado.

Primeiramente, é válido lembrar que, a rigor, sendo oficiosa, tal declaração é destituída, pelos dogmas católicos, de dois requisitos essenciais para dar lastro às declarações de um pontífice: a iluminação do Espírito Santo e a infalibilidade papal.

Em segundo lugar, é justo informar que o Santo Padre, em posterior declaração oficiosa, amenizou o tom do que disse.

Segundo Francisco, todo e qualquer ato sexual praticado fora do casamento (incluindo aí os heterossexuais) é pecaminoso.

Assim, qualquer ato homossexual o seria, justamente em função da dogmática católica entender o casamento como, necessariamente, a união entre um homem e uma mulher, na acepção biológica dos gêneros.

O esclarecimento pode parecer irrelevante, mas não é, tendo em vista a demonização da homossexualidade por setores conservadores do clero, incluindo aí o papa emérito Bento XVI, recentemente falecido.

Trocando em miúdos, Francisco declarou que não há diferença entre a prática da homossexualidade e a traição conjugal de um fiel conservador à esposa, ou mesmo uma transa pré-nupcial entre um casal heterossexual.

Desse modo, o papa age para reduzir a homofobia no seio da Igreja, ainda que considerando a homossexualidade um pecado (pecado, contudo, nem maior nem menor do que os praticados por muitos fiéis que se dizem a favor da chamada “família tradicional”).

Por trás da declaração do pontífice argentino, há um jogo de influência política no sentido de condenar a homossexualidade como pecado, mas não como crime.

(Não nos esqueçamos que estamos falando de uma instituição religiosa, a mais poderosa do Ocidente — e que, sob a ótica materialista, age falando do Reino dos Céus, mas pensando em garantir o seu próprio reino aqui na Terra.)

É sabido que, no seu livro “O que é o Cristianismo” ,  o finado papa emérito deixou informações para serem reveladas só após sua morte, como a denúncia de práticas homossexuais em seminários, especificamente nos EUA e na sua Alemanha natal.

Apesar de seu ex-secretário, Georg Gänswein, no livro “Nada além da verdade: Minha vida com Bento XVI”, ter revelado diversos conflitos ocorridos entre o papa Francisco, por sua postura progressista, e o antecessor. O próprio Gänswein teria sido destituído de importante função eclesiástica, por ordem do atual pontífice, tido como seu desafeto.

Tanto o livro de Bento XVI quanto o de seu ex-secretário acabaram por inflamar as alas conservadoras da Santa Madre Igreja, seja no clero, seja entre os fiéis. E isso acabou por levar Francisco a tentar demonstrar alguma conexão com essas alas, de modo a se vacinar contra eventual crise de sua liderança na instituição.

Assim, o papa teve a habilidade de condenar a homossexualidade, mas sem ser homofóbico como os católicos conservadores, dadas as ressalvas que fez, e a oficiosidade da declaração polêmica.

Mas há uma espécie de “apito de cachorro” presente no enxadrismo do pontífice.

Apito esse destinado não apenas aos fiéis homossexuais, mas também aos párocos e seminaristas que, como os denunciados por Bento XVI, incorreram, em suas vidas religiosas, na prática do “amor que não ousa dizer seu nome”, como diria Oscar Wilde.

Ao colocar a prática homossexual como um pecado, mas salvaguardando os homossexuais, desde que “não praticantes”, seja da criminalidade, seja da pecaminosidade, Francisco dá um sútil incentivo para a permanência, na Igreja, do certamente enorme contingente de homossexuais que se refugia da própria orientação sexual, tanto no religiosidade católica, enquanto fiéis, seja no sacerdócio católico.

Tal movimento vai ao encontro da razão de sua eleição no último conclave: abrir, na medida do possível, a Igreja para a modernidade, revertendo o movimento de perda de párocos e fiéis — no caso destes, principalmente, para religiões de matriz protestante, fenômeno cada vez mais comum, por exemplo, no Brasil.

Assim sendo, parodiando Marx e Engels: “progressistas católicos do mundo, relaxai!”

Dez anos depois de eleito, o papa Francisco, ao menos para nós, continua pop. 

E, também, cônscio da estratégica batalha que precisa travar contra os conservadores para salvar a Igreja do anacronismo, professando um discurso de amor verdadeiramente inclusivo e cristão — dentro de certos limites que os ditames católicos, não sabe-se até quando, ainda impõem.

*Pedro Carvalhaes, graduado em Direito pela UFMG, é roteirista.

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Comentários

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Caio Gurgel

Cuidado moçada e rapaziada.
Se for um parceiro só, beleza, mas se for 20 por ano aí é bem perigoso.
E ainda tem as doenças respiratórias graves como a covid. Etc.

Zé Maria

E o Agro continua Golp

Matias Lima

E vai fazer como – matar todos os gays da terra ?
Qdo sair esse papa entra um que vai querer rezar a missa em grego em todo o mundo. Todas as missas. As bíblias tb serão em grego.
Ao invés de se preocupar com isso podia fazer caridade para os pobres. E não apenas ficar no discurso.

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